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julho 28, 2009
Arte-tecnologia tem auge financeiro por Silas Martí, Folha S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 28 de julho de 2009.
Petrobras e empresas como Oi e Itaú investem pesado no setor, mas produção no país é pequena e ainda deixa a desejar
Críticos veem "deslumbre" pela tecnologia e obras "vazias de propostas'; File, o maior festival do gênero no Brasil, começa hoje em SP
Sensores na vitrine do prédio da Fiesp disparam raios de luz seguindo o movimento dos carros na avenida Paulista. Se respondessem ao volume de investimentos no setor de arte em novas mídias, seria um grande clarão, ininterrupto.
A obra, que está no Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, o File, aberto hoje, é metáfora visual da mobilização do setor da arte-tecnologia.
"Está havendo um despertar", diz Ricardo Barreto, um dos criadores do File. "Nunca houve tanto dinheiro para essa área no Brasil", completa Eliane Costa, gerente de patrocínios de cultura da Petrobras.
Só a estatal destinou R$ 2 milhões à arte digital no ano passado. Instituições como o Itaú já formam um acervo de obras tecnológicas e o Oi Futuro acaba de abrir um centro do tipo em Belo Horizonte, extensão do projeto que tem no Rio.
Numa comparação simples, centros tecnológicos, como Itaú Cultural e Oi Futuro, têm orçamentos anuais na casa dos R$ 40 milhões, enquanto a Pinacoteca do Estado opera com cerca de R$ 10 milhões ao ano.
Mas é um boom mais de mercado do que de produção artística. "As corporações gostam do novo, querem falar com o jovem, por isso têm muito apoio para isso", admite o curador Marcello Dantas. "É uma questão de mercado mesmo, não tem tanto a ver com arte."
Tanto que a produção brasileira se resume a um punhado de artistas que se revezam nas mostras -dos 70 nomes neste File, só sete são brasileiros.
"É um segmento muito pequeno", diz Ricardo Resende, diretor do centro de artes visuais da Funarte. "Tem um universo de artistas que usam essas mídias todas, mas fazem obras vazias de questionamentos, de propostas artísticas."
Uma visita a exposições do tipo, quase sempre lotadas, não deixa dúvida que há interesse por parte do público, mas fica a impressão de um apego ingênuo à tecnologia e pouca substância. São obras que piscam, giram, transmitem dados, imagens, sons em tempo real -em geral, tudo muito colorido.
"O fascínio é algo que rende muito se você pensa em termos de público, de marketing", diz Marcos Cuzziol, curador do Itaú Cultural. "Não tenho dúvida que um evento mostrando essas novas tecnologias faz muito sucesso, acho positivo."
Boina e pincel
Curadores da área reconhecem que um certo deslumbre pela tecnologia ainda ofusca a ideia por trás das obras, mas põem a culpa na formação dos artistas. "No Brasil, estão criando um sistema equivocado, que é inserir disciplinas de tecnologia em cursos de arte tradicionais, para gente que entra de boina e pincel na mão", diz Paula Perissinotto, do File. "Deveria haver um curso só disso."
É a segregação que se vê hoje entre "tecnófilos" e "tecnófobos", nas palavras de Daniela Bousso, diretora do MIS. O fato de artistas em novas mídias trabalharem mais com algoritmos do que com pincéis acabou criando um gueto na área -a arte digital não se considera parte das artes visuais e reivindica espaço próprio em editais e até dentro do Ministério da Cultura, que estuda criar um colegiado só para o setor.
"Isso é humano, procurar seus iguais", diz Patrícia Canetti, eleita representante das novas mídias nas discussões do MinC. "O gueto tem que existir, é como você se fortalece."
Mas essa pode ser uma força ilusória. Mesmo dizendo que as "artes plásticas não têm saída", Ricardo Barreto exibe no File reinterpretações digitais de Velázquez, Bosch, Escher -sinal de que a turma de "boina e pincel" ainda pauta os "tecnófilos".