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setembro 22, 2004

Sónar Sound São Paulo

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Spetto, Jodele Larcher e Samuel Betts; Cinema Extrapolado

João Domingues

O Sónar Sound, Festival idealizado na cidade de Barcelona com a intenção de difundir, pesquisar e debater acerca das novas possibilidades da música eletrônica, montou itinerância em São Paulo dos dias 8 a 12 de setembro, dividido em dois grandes espaços: o sonarsound noite, no Credicard Hall, palco dedicado exclusivamente às grandes atrações musicais do festival, e o sonarsound dia, abrigado no Instituto Tomie Ohtake, que recebeu, além das apresentações sonoras, instalações multimídia, mostra de cinema, ciclo de debates e feira discográfica. Tive a oportunidade de presenciar os dois derradeiros dias do sonarsound dia, mordiscando aqui e ali entre seus múltiplos atrativos.

A escolha do Tomie Ohtake não poderia ter sido mais acertada para o modelo da organização; foi a primeira oportunidade que tive de acompanhar um evento de grande porte onde a disposição espacial não acontecia como numa grande fôrma horizontalizada. O Instituto, instalado em um vistoso complexo com um enorme prédio e um centro de convenções interligados por um grande hall, possibilitou o arranjo do festival em diversos compartimentos expositivos verticais, cada qual recebendo um local específico para as atrações, todas bem separadas em seus pequenos pedaços, como que um grande armário onde podia ir-se "abrindo" e "passeando" por suas diversas gavetas, linguagem muito próxima de um hiper-texto em ambiente clicável. Auxiliado por variados modelos visuais de programação, o visitante podia escolher a atração predileta e seguir facilmente pelas escadas-rolante de acesso, facilitando a circulação das 4 mil pessoas presentes em cada dia no fim-de-semana.

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Balcão da ST2 Music, que produziu uma série de cartões com impressões em códigos de barras, junto a uma pequena tela disparada por um leitor em contato com o cartão específico de cada produto

Na mesma medida em que se opta por essa ordenação espacial, perde-se um pouco no confronto e instigação do público passante à troca de informações e impressões no contato com outras esferas da arte digital. Quando transitamos num local de experimentações por todos os cantos, soa particular demais esgotarmos os diálogos apenas com o arranjo do espaço. Evidentemente que nessa escolha pesa-se a organização (pois se trata inicialmente de um festival musical), a logística da produção (impecável, por sinal) e a visão do público consumidor (de música, em geral) sobre como se deve acontecer um evento desse predicado, mas oportunidades como essa, justamente na época efervescente da produção brasileira de arte tecnológica, devem ser mais estimuladas.

Falando assim, fica a impressão de um festival burocrático e desinteressante. Ao contrário, o sonarsound deve em pouco tempo tornar-se a maior expressão de encontro da música eletrônica alternativa e experimentações da arte digital no país. Entre muitas obras, shows, filmes e debates, ficou uma leve vontade de se querer ver muito mais. Foi um pouco desgastante acompanhar tantos acontecimentos em pouco mais de 6 horas com casa aberta, onde ficávamos perdidos sobre o que se fazer, ou o que assistir. E quando falamos há pouco nos estímulos, não podemos nos queixar quanto às atrações: excelentes shows no Hall Stage e Village Stage, ótimo espaço expositivo (sob a excelente curadoria de Lucas Bambozzi), debates com produtores e pensadores instigantes.

Nos salões do sub-solo e do mezanino, escolhidos para abrigar as instalações multimídia, destaque especial para a sala Life Goes Móbile, que desenvolvia variadas experiências artísticas que detinham como plataforma de interface o uso de telefones celulares; Turkish Bath, de Tetine, uma vídeo-instalação onde o espectador (um objeto estranho a nudez representada) era inserido num espaço como que num cubo branco, bombardeado por imagens de freqüentadores de uma sauna projetadas nas quatro paredes, onde os intérpretes dos vídeos ora brincavam e dançavam ora discutiam banalidades da vida cotidiana ou questões pertinentes história da arte.

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James Patten e Bem Retch, Audiopad

Audiopad, de James Patten e Bem Retch, um jogo interessante de produção de música digital, disposição espacial e manipulação de sons pré-gravados em tempo real;.consistia num tabuleiro com alguns búzios representando objetos sonoros pré-produzidos que, conforme eram deslocados pelo plano espacial, mudavam intensamente o projeto sonoro final em tempo real onde era possível ouvir as transformações em alguns head-phones usados pelos manipuladores; foi interessantíssimo poder dividir a produção sonora com adultos e crianças, todos seduzidos pela mecanização autêntica do projeto. Cinema Extrapolado, de Spetto, Jodele Larcher e Samuel Betts, uma instalação onde o usuário era convidado a manipular com um console alguns vídeos - dispostos segundo uma ordem espacial aleatória - de ícones da cultura alternativa nacional (Glauber Rocha, José Celso Martinez Corrêa) refletindo sobre a situação da cultura política brasileira. The House of The Floating Signs, de Eder Santos; sete imagens projetadas em chapas de raio-x de partes do corpo humano, bombardeadas por imagens ao fundo. O som das obras, disparados por sensores arranjados acima do espectador, remetia ao caos funcional quase divino de um corpo humano. Haptic Wall, de Daniela Kutschat e Rejane Cantoni, um enorme painel vibratório, disparado por microfones que captam as sonoridades dos andantes; explora possibilidades de interação dos espaços e dos corpos. Circ_lular, do trio Preguiça Febril (Giselle Bieguelman, Marcus Bastos e Rafaela Marchetti) oferece um trânsito de interações enviados por usuários em tempo real.

Fica a idéia de um festival ainda maior para os próximos anos, dando mais ênfase aos debates de uma produção mais intensa e expansão do mercado da arte tecnológica no Brasil, tentando ampliar alguns dos conceitos que emergem com vigor pelas muitas comunidades do espaço digital.

com o auxílio fundamental de Daia Leide, Faabio Carbone e Joana Regattieri

imagens: Faabio Carbone

Publicado por João Domingues às 2:23 PM


Sónar Sound São Paulo - Village Stage e Hall Stage

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Algumas visões sobre as apresentações musicais:

Village Stage:

Laptropic

Formado pelo DJ Roger Moore e pelo percussionista Décio Ramos (Uakti), o Laptropic trouxe ao palco alguns ambientes timbrísticos interessantes, junto a uma pesquisa de organismos acústicos e objetos contemporâneos como suporte rítmico em contraponto à manipulação dos elementos digitais. Trazendo como convidada a percussionista Daniela Ramos, ouvimos do Laptropic uma investigação ousada e curiosa em vários momentos.


Kevin Blechdom

Uma das apresentações mais urradas da história de nosso país. Vestindo uma bata preta e nada nos pés, Kevin Blechdom surpreendeu a todos com a versão por demais berrada de I Will Always Love You, da diva americana Whitney Huston. Munida apenas de seus laptops, microfone e ironia, a cantora assombrou o público com seus vocais impiedosos e performance catártica. Um dos melhores shows do festival.


Bojo

Formado em 1998 por Mauricio Bussab e Lulu Camargo, o Bojo é herdeiro da "tradicional" Vanguarda Paulista dos anos 80. Além de excelentes instrumentistas, o grupo traz em sua coleção, improvisos desavisados e um humor característico de sua geração. As vozes de Mauricio Bussab, torcidas pelos efeitos causam um estranhamento interessante, que se ajunta a uma densidade sonora bem particular. A versão de "Eu quero é botar meu bloco na rua", de Sérgio Sampaio dá a noção exata do encontro da esquisitice eletrônica com o funk e a música popular.


Nego Moçambique

Umas das apresentações mais concorridas do festival, Nego Moçambique tocou para um Village lotado. Combinando uma mistura nada óbvia entre a black music e a eletrônica, o músico comandava o público em seus muitos movimentos. Arriscando alguns vocais, o DJ conseguiu mexer todos os corpos que estavam à sua frente. Ponto para o rapaz.


Hall Stage:

Arto Lindsay

O que dizer de Arto Lindsay que não soe redundante? Na mais segura apresentação do festival, Arto destaca-se mais uma vez como um inventor atroz de si mesmo, mesmo quando o si mesmo significa um montes e montes de outros. Caymmi pós-moderno, totalmente ciente das imperfeições do som no Hall Stage, tratou de comandar sua guitarra em ruídos espatafurdios, e auxiliado por um baixista e um saxofonista-operadordebits, o artista viu-se ante um público atento, quase que hipnotizado pela oportunidade de encontrá-lo a poucos metros de distância. Belo momento de se guardar para a existência.


Hurtmold

Banda paulistana de execução musical impecável. Mesclando post-rock, free jazz contemporâneo, belos improvisos de longas durações harmônicas, o Hurtmold impressionou pela consistência e audácia em levar ao palco muitos (muitos) instrumentos. Totalmente seguros do que faziam, o Hurtmold era aguardado por muitos ao pé do palco. Bela banda.


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Liars

Não existem palavras suficientes para descrever o que aconteceu no show do Liars. Ficamos todos os espectadores maravilhados com a fúria que desentupia o trio nova-iorquino, de formação nada convencional; um baterista, um guitarrista outrora percussionista e disparador de efeitos e loops e um vocalista completamente insano. Entre muitas estripulias no palco, a entrada do grupo com seus macacões, batas, máscaras africanas, simulações de enforcamentos e mastigações de microfones como das melhores cenas performáticas do dia. O Liars fez a melhor apresentação do sonarsound, fazendo-nos pensar que ainda existe muito a se combinar no rock e eletroclash. Absolutamente impressionante.


Four Tet

Kieran Hebden contextualiza sua obra numa adição interessante de sons pré-gravados e manipulação de efeitos digitais em tempo real. Originalmente um guitarrista, o Four Tet produziu um show extremamente técnico e criativo, com passagens harmônicas pouco convencionais à música eletrônica atual.

imagens: Faabio Carbone

Publicado por João Domingues às 2:22 PM | Comentários(1)


abril 4, 2004

Arte é tudo. É? por Arnaldo Bloch

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Esta matéria foi publicado originalmente no jornal O Globo, no Segundo Caderno, no dia 4 de abril de 2004.

Arte é tudo. É?

ARNALDO BLOCH

Não, não é mais uma daquelas discussões estéreis sobre se a criação contemporânea é ou não é arte. A pergunta acima apenas resume a mais recente confusão entre artistas e o Ministério da Cultura. Depois de passar 2003 alardeando que tinha que acompanhar a evolução tecnológica, o MinC baixou, no início do ano, uma portaria que não muda nada.

- Esqueceram que a internet e todas as formas de expressão artística trazidas pelos meios eletrônicos e pela tecnologia são hoje produtoras e difusoras importantes de cultura diz Patrícia Canetti, criadora do Canal Contemporâneo, comunidade virtual dedicada à arte contemporânea.

Patrícia, que liderou a luta do Canal contra o Guggenheim, levantou 600 assinaturas de artistas de todas as áreas (e não apenas as afetadas) propondo que se acrescentem às formas tradicionais (teatro, dança, cinema, música etc) novas categorias. Algumas assustam à primeira leitura. É o caso da nanoarte, que já rendeu piadinhas politicamente incorretas sobre nanismo (na verdade é uma arte que lida com elementos em escala atômica por exemplo, ondas provocadas pelo som da voz, ou coreografias moleculares).

Primas da nanoarte, a bioarte e a arte transgênica propõem experiências como modificar geneticamente um coelho para que, dependendo do nível de exposição à luz, torne-se fluorescente. Este coelho deve viver numa casa de família que, através da experiência, conscientiza-se de como a genética pode vir a afetar suas vidas.

Autor do projeto, o brasileiro Eduardo Cack, que vive em Chicago, encomendou o coelho (batizado Alba) a um laboratório francês que, na hora H, não entregou a encomenda, o que provocou um movimento cujo lema é Free Alba.

E atenção, puristas, para uma bomba: os games fazem parte da lista. Mas não é qualquer game , não. A respeitada Tate Gallery, por exemplo, difunde o agoraXchange, um jogo interativo criado pelos próprios usuários (ou apreciadores?) da obra, que atuam em sensíveis questões do mundo globalizado, com resultados imprevisíveis.

Há categorias híbridas: a arte telemática, por exemplo, é capaz de feitos como engajar milhares de pessoas no nascimento de um pé de feijão, que recebe luz conforme os acessos a um site que ativa sensores... ou significar um espetáculo de dança interativo, em que duas bailarinas em teatros diferentes dançam juntas, em tempo real.

O curioso, para não dizer absurdo, da situação é que o MinC reage aos queixosos com entusiasmo, apesar de estar na origem do problema:

A máquina governamental tem razões que a própria razão desconhece. A ausência das novas formas de expressão reflete isso. Felizmente o grito de vocês foi dado. Felizmente não há divergência em nenhuma instância do MinC, escreveu Claudio Prado, responsável pela área de Cultura Digital no MinC, em e-mail enviado para o Canal.

O chato é que, para mudar a portaria, é preciso verificar se as alterações estão de acordo com o decreto que regulamenta a Lei Rouanet, um processo complicado que pode levar meses ou anos... coisas da modernidade.


Minidicionário de arte-ciência-tecnologia

AMBIENTES IMERSIVOS Ambientes criados na rede (ou fora dela, com interface computacional e monitores ou ainda projeções) que permitem que o visitante possa interagir com a obra fisicamente, de maneira múltipla. Tem relação com o conceito e a tecnologia de realidade virtual. O visitante, entretanto, não está plugado, embora utilize equipamentos como luvas especiais e máscaras. O computador é a interface e traveste-se de personagem na rede.

AMBIENTES INTERATIVOS Conceito mais amplo, que engloba a categoria acima, mas inclui a participação coletiva.

ARTE TELEMÁTICA Arte que utiliza as telecomunicações para produzir resultados criativos impossíveis sem ela. Exemplo: usuários de internet influindo no crescimento de uma planta. Ou, no campo da dança, duas bailarinas em palcos diferentes unidas em tempo real através de transmissões projetadas.

ATIVISMO ARTÍSTICO Utilização de arte na rede com objetivos de alertar os usuários sobre algum aspecto, às vezes denunciatório, da realidade contemporânea.

BIOARTE E ARTE TRANSGÊNICA Lidam sobretudo com genética. Uma experiência conhecida é a do coelho Alba, modificado geneticamente para tornar-se fluorescente em determinadas condições de luminosidade. O projeto foi abortado porque o laboratório francês ao qual se encomendou o coelho acabou recusando-se a completar a experiência, o que gerou um amplo movimento na rede cujo lema é Free Alba.

CINEMA PARA INTERNET Cinema e animações em geral produzidos especialmente para ser difundidos pela rede.

CIBERLITERATURA Literatura realizada através da rede, interativamente (obra escrita a várias mãos ou completada pelos usuários), ou qualquer ambiente literário criativo concebido e desenvolvido em rede.

EFEITOS QUÍMICOS E FÍSICOS Visualização artística de fenômenos destes dois campos.

COMUNIDADES VIRTUAIS Comunidades que se dedicam, utilizando a rede, a atividades, informação, repertório e difusão de arte num nível global e influente.

GAMES Jogos que, comerciais ou não, tenham como objetivo difundir, na dinâmica própria dos games , conteúdo artístico, ficcional etc. A Tate Gallery tem um jogo interativo, o agoraXchange, que é construído coletivamente, com o intuito de uma atuação simulada em questões referentes à globalização. É financiado por uma grande fundação.

HIPERMÍDIA Toda arte concebida tendo por base o conceito de hipertexto (navegação na internet em “saltos através de links), mesmo que transposto para outras linguagens.

NANOARTE Arte que lida com nanotecnologia, ou seja, tecnologia em escala muito pequena ou microscópica que produz células, moléculas, máquinas, motores etc em níveis que podem atingir a escala atômica.

NET-ARTE E WEB-ARTE Arte produzida ou difundida em rede.

PROJETOS DE REALIDADE AUMENTADA Conceito ainda emergente, que permite acrescentar à realidade física (através de interfaces, máscaras etc) dados que vêm do ciberespaço. Por exemplo: durante uma visita turística a uma cidade, o usuário pode acrescentar menus informativos ao equipamento individual que descrevam o que se está vendo lá fora, ou crie situações interativas.

SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL Construção de realidades, situações, configurações etc em computador, e sua difusão na rede.

VIDA ARTIFICIAL E ROBÓTICA Arte que lida com inteligência artificial e robótica em geral. Às vezes cruza com a ciência: uma obra conhecida é um robô alimentado por bactérias acionadas por usuários da rede.

Publicado por Patricia Canetti às 12:09 PM


Por uma lei menos burocrática por Gilberto de Abreu

Esta matéria foi publicada originalmente no Jornal do Brasil, no Caderno B, no dia 3 de abril de 2004.

Por uma lei menos burocrática

Classe artística envia abaixo-assinado ao MinC e pede inclusão da arte-tecnologia na Lei Rouanet

GILBERTO DE ABREU

A reforma das leis de incentivo cultural que está sendo realizada pelo Ministério da Cultura está provocando a mobilização de representantes das artes visuais. Cerca de 500 artistas, professores, teóricos, críticos e historiadores de arte estão mobilizados para exigir a inclusão da arte-tecnologia como item da Lei Rouanet, e de representantes legítimos na comissão que avalia os projetos encaminhados ao Ministério em busca de patrocínio.

O MinC publicou em 19 de fevereiro último a portaria nº 01, que regulamenta as instituições que irão indicar representantes na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) do MinC, para definir, normatizar e executar o acesso às leis de incentivos.

Em 19 de março, os manifestantes encaminharam um abaixo-assinado ao MinC, no qual propõem a reformulação da portaria com a inclusão de dois setores esquecidos: as artes interativas (que incluem categorias como hipermídia, web arte, arte telemática, comunidades virtuais e ativismo artístico, dentre outros) e ramos que misturam arte e ciência (nanoarte, bioarte, simulação computacional, vida artificial, visualização de efeitos físicos e químicos, robótica e congêneres).

O Coordenador de Políticas Digitais da Secretaria de Formulação e Avaliação de Políticas Culturais do Ministério da Cultura Cláudio Prado considera legítima a manifestação. Prado diz que todas as áreas do MinC são unânimes quanto à necessidade de uma nova legislação, mas adianta que novos reporesentantes não poderão ser nomeados.

A legislação atual não permite que artistas usem verbas de patrocínio para compra de equipamentos como computadores, e não reconhecem a internet como um meio de expressão.

-A lei com a qual sonhamos é muito diferente desta que aí está. As mudanças que estaremos propondo em breve abrirão novos espaços para a vanguarda e para a tradição - promete Prado.

Para ele, a burocracia é o que entrava as mudanças.

- Além da Lei Rouanet, existem decretos e portarias, que são instâncias regulamentadoras. Uma coisa engessa a outra. Portarias são feitas pelo Ministro, não podem mudar decretos, que são feitos pelo Presidente da República. Decretos, por sua vez, não podem mudar a lei.

A curadora independente Daniela Bousso, diretora do Paço das Artes e curadora do Prêmio Cultural Sérgio Motta (focado em arte tecnologia) afirma que a falta de representantes que conheçam as novas tendências é prejudicial à área.

- Eu me ressinto do obscurantismo das políticas públicas em relação ao avanço já alcançado por essa área do conhecimento, do desconhecimento geral em relação ao que significam essas pesquisas artísticas para o nosso país, do desconhecimento dos quadros públicos a respeito dos rumos dessa forma de fazer arte, que afinal tem mais de meio século entre nós - enumera.

Prado afirma que o MinC, ''na qualidade de presidente da CNIC, fará o possível para reverter esse quadro''.

- Brifaremos a todos a respeito das questões a que se referem o abaixo-assinado. Tudo faremos para alargar a visão da Comissão.

Para a artista plástica e professora da PUC-SP Giselle Beiguelman, o fato do segmento de arte-tecnologia ter sido ignorado reflete a desinformação do MinC sobre o atual estágio da arte contemporânea.

- Não levar em conta as práticas e experimentos dessas vertentes é ignorar os debates que nos permitem refletir sobre a contemporaneidade.

O artista plástico Ricardo Ribenboim diz que a questão seria menos grave se o MinC aplicasse de forma adequada os termos artísticos e compreendesse suas particularidades:

- No caso da arte tecnologia, em que pese uma interpretação rasa que é um ''meio's' para se expressar e não o fim de uma operação artística contemporânea, é fundamental entender a área como a mais legítima de expressão transdisciplinar. O computador é uma ferramenta de trabalho, como um pincel.

O trabalho de Antoni Muntadas, que usa computadores e vídeos, é um exemplo dessa expressão transdisciplinar.

A também artista plástica Patricia Canetti, mentora do Canal Contemporâneo - site sobre o universo da arte contemporânea no Brasil -, afirma que a não inclusão da arte tecnologia na Lei Rouanet é um reflexo do sucateamento da máquina governamental.

- Isso provocou não apenas o esvaziamento dos quadros estatais, mas também um empobrecimento generalizado do patrimônio das instituições e órgãos públicos. Como conseqüência, a Legislação de Incentivo à Cultura está se distanciando da cultura que deveria incentivar.

Artista e coordenadora da habilitação em arte e tecnologia do curso Tecnologia e Mídias Digitais da PUC-SP, Rejane Cantoni ressente-se desse descaso.

- Como artista, sinto-me prejudicada com a ausência de incentivos à pesquisa, ao desenvolvimento e à produção.

Mudanças são necessárias

Na análise do Ministério da Cultura, ''as mudanças propostas pelos artistas no abaixo-assinado são necessárias''. Boa notícia: talvez possam ser feitas por decreto presidencial, o que levaria meses. Má notícia: há controvérsia no MinC sobre a eficiência de tais mudanças.

Para Cláudio Prado, mudar a lei é contar com o tempo.

- Se não houver imprevistos, levará meses. Mas imprevistos em governos são previsíveis. Pode levar anos.

Ele cita o caso da lei existente, datada de 1991. O decreto que a regulamenta é de 1995. Isso quer dizer que de 1991 a 1995 a lei não existiu.

- Não estamos dizendo que isso vai se repetir, mas mostra bem como funciona a máquina burocrática.

Mentora do Canal contemporâneo - um site na internet que abastece o país e o mundo de informações sobre a arte contemporânea brasileira, inclusive sobre essa questão - a artista Patrícia Cannetti lança a pergunta:

- Como vão saber que é legítimo o investimento numa área que não consta da Lei de Incentivo?

Prado aponta uma luz no fim do túnel, mas reconhece que ela não é a ideal.

- Um decreto presidencial pode mudar a forma como foram agrupados os setores culturais. Estamos estudando isso. Mudar uma portaria presidencial leva meses. Tramita pelo MinC, pela Casa Civil e, às vezes em outros órgãos - reconhece.

Como interlocutor da área em questão, Prado ressalta que está empenhado em abrir novos espaços para estes horizontes intangíveis.

- A brecha que encontramos é a seguinte: as áreas definidas na lei são o objeto da lei. A atividade fim. A lei não menciona atividade meio. Nem o decreto. Assim, o que estamos sugerindo é que cada uma das áreas previstas na portaria possam usar qualquer linguagem, qualquer suporte, qualquer tecnologia.

O raciocínio de Prado se aplica às artes visuais analógicas ou digitais pela internet ou qualquer outro meio, usando qualquer tecnologia, linguagem e suporte existentes ou a vir a existir. Dentro desse raciocínio, o norte-americano Gary Hill, um dos tops da videoarte, poderia ser beneficiado pela Lei.

- O remendo é tosco, mas é o viável a curto prazo.

Publicado por Patricia Canetti às 11:52 AM


Hora de crescer - o sistema

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Trabalho do argentino Francisco Ali Brouchoud exposto na coletiva Formas de pensar, no MALBA, em Buenos Aires, até 5 de abril de 2004.


Hora de crescer - o sistema

Conversei em Recife com alguns artistas e teóricos que lá estavam para o SPA ; Semana de Artes Visuais do Recife, sobre um game, Circuito de Arte, que eu queria criar. Pensei num game e não num jogo de tabuleiro, como o do trabalho do artista argentino reproduzido acima, principalmente para que o jogo tivesse diferentes níveis de dificuldade e que, de alguma maneira, esses níveis se entrelaçassem dependendo da jogada realizada. Demos muitas risadas em Recife, pensando em situações de jogo de tabuleiro, traçando paralelos com as situações de nosso circuito: participar da coletiva errada poderia significar voltar 10 casas; escolher mal uma galeria, duas rodadas sem jogar; ou ainda, ser convidado para uma festa e conseguir beber com as pessoas chaves: avance 10 casas! Foi nessas conversas, ouvindo pontos de vista diferentes de artistas, críticos e curadores, que percebi que o jogo deveria ser construído coletivamente.

Lembra daquela sua idéia de formular um jogo? Dá uma olhada neste trabalho.

Esta semana Cristiana Tejo me enviou um emeio falando de um game que os participantes ajudam a formular as regras, design e código que resultarão no próprio jogo. Trata-se do agoraXchange, www.tate.org.uk/netart/agoraxchange, projeto da artista Natalie Bookchin e da cientista política Jacqueline Stevens, que pretende questionar o sistema político vigente, explorando alternativas políticas à ordem global atual para discutir as regras atuais para se obter, por exemplo, nacionalidade e riqueza.

Circuitos de arte, sistemas políticos, quanto mais abrimos o foco, mais os contextos se entrelaçam e os jogos se tornam complexos.

A mobilização pela arte tecnológica, que pede a inclusão dos segmentos de Arte e Tecnologia na Legislação de Incentivo a Cultura, traz essa complexidade.

Tratar as questões de um tema que envolve, ao mesmo tempo, características muito específicas, mas também trans-disciplinares, envolvendo Arte, Ciência e Tecnologia, já seria tarefa suficientemente difícil. Quando se trata de lidar com o novo (às vezes nem tão novo assim), com mudanças velozes, com disciplinas que se mesclam e se hibridizam, temos, na verdade, a configuração da complexidade de nosso tempo colocada à nossa frente. Mas não é só isso. Adicionamos a essas colocações, a dimensão política de cada uma das camadas dos contextos envolvidos. Então, ao tocar nesses vários contextos; o da própria coletividade da arte tecnológica, da arte contemporânea, dos vários segmentos artísticos e culturais, das instituições públicas e, finalmente, do governo, que estamos questionando; estamos provocando transformações e ao provocá-las, temos que lidar com as reações individuais e coletivas que se apresentam. A prática política, aliada à arte e tecnologia, é o foco do Canal Contemporâneo.

Por mais de três anos, o Canal Contemporâneo tem sido visto como um informativo, uma publicação, e, essa redução incômoda atrasa o nosso crescimento em vários aspectos. Foi preciso um prêmio estrangeiro, Prix Ars Electronica, nos convidar para participar da nova categoria;Comunidades Digitais; para começarmos a avançar coletivamente para além dos padrões relacionados aos meios impressos. Sim, dar nome aos bois é fundamental. As nomenclaturas oficiais sinalizam não apenas as indicações oficiais para investimentos na área (Como um patrocinador vai saber que uma área cultural existe e deve ser financiada, se ela não é listada na legislação?), mas também influenciam a formulação e aceitação de novos conceitos dentro do meio artístico, científico e tecnológico. Como o Canal Contemporâneo pode avançar na direção de conceitos como comunidade digital, mídia tática, ativismo artístico, memória e inteligência coletiva e no próprio desenvolvimento do espaço cibernético, da criação coletiva, do software livre e da criação de games, tendo que se inscrever na Lei Rouanet como publicação através da Secretaria do Livro?

(A informação para o Canal é a sua primeira camada. Não apenas em relação ao conhecimento difundido, mas também como agente na construção dessa mídia-suporte. É ela que serve de isca para a formação da rede. Aí se inicia o trabalho de mídia tática. O que e como noticiar dão visibilidade a vários aspectos de nosso(s) contexto(s). O que ganha visibilidade e o que se atrai por ela vão formar diferentes conjuntos (coletivos ou contextos) em constante movimento. A reunião dinâmica desses conjuntos de elementos individuais e coletivos constitui o conceito vivo do Canal Contemporâneo.)

A questão da mobilização pela arte tecnológica tem seu ponto mais importante na viabilização de uma representação qualificada na CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) para uma área ainda obscura para o MinC. Com os novos direcionamentos das políticas públicas anunciadas pelo Ministério da Cultura para os mecanismos de incentivo; citamos aqui alguns pontos que envolvem diretamente essa exclusão / inclusão;Foco nas demandas prioritárias do país; Democratização do acesso aos produtos e bens gerados; Avaliação qualitativa dos projetos antes da aprovação, essa representação qualificada torna-se ainda mais premente. Não é mais possível tratar o investimento de recursos numa área cultural que envolve Arte, Ciência e Tecnologia com a contratação de pareceristas para julgar unicamente seus orçamentos, precisamos ter uma CNIC apta a entender as questões e complexidades dessa área (tanto do que lhe é específico quanto trans-disciplinar), se não, estaremos perpetuando o atraso desse país, do qual a própria exclusão de que tratamos é prova irrefutável.

A Portaria 01, de 19 de fevereiro de 2004, da qual estamos tratando, juntamente com o decreto em que ela se baseia Decreto 1.494, de 17 de maio de 1995, não comete apenas esse erro que apontamos. Em relação à listagem dos segmentos artísticos, além das omissões, também ocorrem problemas com a escolha dos segmentos, que formam os itens que terão suas representações eleitas conjuntamente. Por exemplo, que conceito leva ao Ministério da Cultura reunir Artes plásticas, artes visuais, artes gráficas e filatelia num mesmo item? Outro problema se dá na representatividade real das associações inscritas para elegerem seus representantes na CNIC. A partir dos critérios estipulados atualmente, elas devem ser associações formais e burocráticas, de âmbito nacional, e predispostas a não receber nenhum patrocínio durante o período de dois anos para o qual estarão elegendo os seus representantes. Esse tipo de associação é também uma marca do anacronismo dessa legislação, que não leva em consideração, nem a formação dinâmica dos coletivos na contemporaneidade e nem tão pouco o fato de que artistas e teóricos representativos são seres que produzem e que, portanto, não podem ficar alijados de recursos durante dois anos.

Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje...

Pela Internet, de Gilberto Gil, 1996

Temos hoje um artista ocupando o cargo de Ministro da Cultura. E não é qualquer um. Gilberto Gil é um artista antenado com seu tempo, que já cantava em 1996 a internet e o celular na sua composição Pela Internet. Em fevereiro de 2004, o agora Ministro Gilberto Gil assina a Portaria 01 e reafirma a exclusão desses meios da Legislação de Incentivo a Cultura. Para completar esse contexto de pura esquizofrenia, ouço a notícia no Jornal Nacional de que o item número 1 da pauta das Políticas Industriais do governo Lula é a produção de software!

Alô, Ministro Gil; Alô, Presidente Lula; não precisamos dar um cavalo de pau no transatlântico, mas apenas dar pequenos ajustes no curso da navegação. Tão pouco nos é viável debater a médio e longo prazo uma legislação ideal sem promovermos algumas ações em curto prazo que efetivem algumas mudanças essenciais. Estamos falando de pequenos ajustes que trazem grandes mudanças, não apenas para a Cultura, mas também para a Ciência, Tecnologia, Educação, Indústria, Exportações... Afinal, trata-se exatamente do ponto onde tudo se conecta.

Voltando ao início do texto, quando falo do game agoraXchange, vale informar que o referido jogo se encontra na Tate Online (Reino Unido) e que está sendo realizado com o apoio financeiro da Fundação Daniel Langlois para Arte, Ciência e Tecnologia (Canadá www.fondation-langlois.org).

Essa é uma realidade muito distante para nós brasileiros, mas é bom saber que é possível ter instituições culturais fortes, espaços cibernéticos institucionais ativos, fundações que apóiam a pesquisa conjunta de artistas e cientistas... É bom, para ajudar a contextualizar o nosso próprio momento.

Para finalizar, reproduzo um trecho do comentário postado no Blog do Canal (http://www.canalcontemporaneo.art.br/blog/archives/000053.html), em virtude de nossa mobilização, pelo criador argentino de vídeo, TV e multimídia, Jorge La Ferla:

...Un país con el aparato productivo y cultural completamente destruido como Argentina es una seria advertencia para las autoridades brasileñas que parecen seguir el mismo camino.

¡Evitemos esto ya!


Texto escrito por Patricia Canetti, artista e criadora do Canal Contemporâneo.

Veja o texto da Mobilização pela Arte Tecnológica e as atuais 573 assinaturas do abaixo-assinado no Blog do canal: http://www.canalcontemporaneo.art.br/tecnopoliticas/archives/000065.html

Publicado por Patricia Canetti às 11:29 AM