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novembro 30, 2004
Games e comunidades virtuais, por Lucia Santaella
Texto de Lucia Santaella para a exposição hiPer> relações eletro//digitais, com curadoria de Daniela Bousso, realizada pelo Instituto Sérgio Motta e pelo Santander Cultural, entre 31 de maio e 5 de setembro de 2004, em Porto Alegre.
Games e comunidades virtuais
LUCIA SANTAELLA
Há duas necessidades básicas de que a sobrevivência humana depende: as necessidades físicas e as necessidades psíquicas. As primeiras são mais facilmente explicáveis: o alimento, o abrigo, a reprodução, a reposição da energia etc. Estas o ser humano compartilha com os animais. As segundas são bem mais complexas, pois nelas está cifrado o enigma da condição humana em cujo seio se aloja um milagre até hoje tão inexplicável quanto o da própria vida: o milagre da fala. Dele resulta a capacidade especificamente humana, distinta dos outros animais, de plantar e colher o alimento, de projetar e construir seus abrigos, enfim, de transformar pelo trabalho a face da natureza.
Entretanto, porque fala, o humano falta ser: está onde não é, é onde não está, uma lição que a psicanálise não cansa de repetir e que pode ser traduzida poeticamente na dicção de Oswald de Andrade: o ser humano é um animal que vive entre dois grandes brinquedos: o amor onde tudo ganha e a morte onde tudo perde. Para preencher essa brecha que o descarna, inventou o canto, a dança, o teatro, o circo, o jogo, as artes, a literatura, o cinema, a televisão etc., numa progressão que vem acompanhando pari passu o crescimento da complexidade da existência humana na biosfera.
Um elemento motriz e comum a todas essas criações, que brotam dos arcanos do psiquismo humano, está no lúdico, na capacidade para brincar, no dispêndio, sem finalidade utilitária, da energia física e psíquica acumulada. Alguns animais também brincam: gatos, cachorros, golfinhos, macacos. É por isso, que, para Huizinga (2000), o lúdico é mais antigo do que a cultura. Aliás, trata-se de um potencial que parece aumentar na medida mesma da inteligência. Não é por acaso que o humano, único animal que chora e ri, foi capaz de transmutar a brincadeira em jogo, em arte, em música, em poesia, todos eles brincadeiras codificadas e, por isso mesmo, complexas, emblemas da dignidade humana e do orgulho que a espécie pode ter de si mesma.
Dentre todas as brincadeiras codificadas, aquela que serve única e exclusivamente para entreter, que não tem outra finalidade senão divertir, recrear, distrair, distender, contentar, passar o tempo prazerosamente, é o jogo que, em razão disso, é definido como uma brincadeira com regras. As formas que o jogo adquiriu ao longo da cultura humana são múltiplas, exibindo desde os extremos de crueldade e violência do circo romano até a leveza inofensiva do dominó. Hoje, convivendo com uma grande diversidade de jogos tradicionais e de jogos que atraem multidões tanto para os estádios quanto para as telas de transmissão, como o futebol por exemplo, o que caracteriza o nosso tempo são os jogos eletrônicos, os games.
1. Uma estética interdisciplinar, híbrida, intersemiótica
Para se ter uma idéia do papel que os jogos eletrônicos estão desempenhando na cultura humana deste início do terceiro milênio, basta dizer que a movimentação financeira de sua indústria é a primeira na área de entretenimento, superior à do cinema, e a terceira no mundo, perdendo apenas para a indústria bélica e a automobilística. No ano de 2003, a indústria dos games faturou cerca de 20 bilhões no mundo, 500 milhões no Brasil, o que representou um crescimento de 19% em relação ao ano anterior (Revista Info Exame apud Nesteriuk 2004). Disso pode-se supor que os games são os grandes estimuladores e responsáveis pelo avanço tecnológico da indústria do entretenimento, aproveitando-se das pesquisas de ponta, ao mesmo tempo que as disponibilizam com grande rapidez.
A proeminência da presença cultural do game é acompanhada quase em igual medida pelo menosprezo e pela avaliação apocalíptica tanto dos teóricos e críticos da cultura quanto dos leigos. Parte-se da convicção, que também subsidiou, há algum tempo, as críticas aos programas de televisão, de que o game é vulgar, banal e nocivo por estimular comportamentos agressivos e a violência nas crianças e nos jovens que compõem, certamente, a imensa maioria de seus usuários. De outro lado, entretanto, cada vez mais, estão surgindo pesquisadores dispostos a ultrapassar a barreira dos preconceitos, tendo em vista compreender em profundidade quais são afinal as propriedades dessa nova mídia que a tornam capaz de produzir tal intensidade de apelo e aderência psíquica e cultural.
Têm sido muito citadas pelos estudiosos as afirmações de Aarseth (1997, 1998) de que os games são "um gênero artístico por si mesmos, um campo estético único de possibilidades, que deve ser julgado em seus próprios termos". Trata-se, enfim, "de um expressivo e complexo fenômeno cultural, estético e de linguagem" que foi capaz de desenvolver, em seu curto período de existência, toda uma retórica própria que cumpre ser investigada.
A interdisciplinaridade evidente dessa mídia tem atraído para seu estudo áreas diversas do conhecimento como a filosofia, a semiótica, a psicologia, a antropologia, as ciências da computação, a engenharia elétrica, as telecomunicações, as ciências cognitivas, a publicidade, o marketing, as comunicações, o design, a computação gráfica, a animação, a crítica literária e da arte, a narratologia, a educação, todas elas em relação direta com as múltiplas e integradas características dos games (Nesteriuk 2004).
Trata-se, de fato, de um campo híbrido, poli e metamórfico, que se transforma a uma velocidade surpreendente, não se deixando agarrar em categorias e classificações fixas. A atualidade de um game raras vezes passa de seis meses e pode ser medida pelo desaparecimento das menções que são feitas a eles nos news groups (grupos de discussão sobre temas de interesse nas redes). Games são híbridos porque envolvem programação, roteiro de navegação, design de interface, técnicas de animação, usabilidade,
Da hibridização resulta a natureza intersemiótica dos games, a constelação e intersecção de linguagens ou processos sígnicos que neles se concentram: os jogos tradicionais (como o jogo de cartas, por exemplo) os quadrinhos, os desenhos animados, o cinema, o vídeo e mesmo a televisão. Todas essas linguagens passam por um processo de tradução intersemiótica (ver Plaza 1987) para se adequarem aos potenciais abertos pelas novas tecnologias que são atraídas para a linguagem dos games. Do mesmo modo que os games absorvem as linguagens de outras mídias, estas também passaram a incorporar recursos semióticos e estéticos que são próprios dos games. É o caso, por exemplo, de filmes recentes como Matrix Reloaded, Matrix Revolution e Kill Bill 1 e 2.
Assim como o cinema e a televisão, os games subdividem-se em gêneros. Embora muitos digam que esses gêneros são arbitrários, rótulos para facilitar as escolhas dos consumidores em áreas de distribuição, vários estudiosos debruçaram-se sobre a questão. Tomando por base o grande boom das indústria de videogames na década de 1980 e as suas transformações atuais, Poole (2000: 21-44) levanta nove gêneros de games: os jogos de atirar (shooting), os de corrida, os de exploração, os de luta, os god games, os jogos de estratégia em tempo real, os esportivos, os de quebra-cabeça e os RPG (Role-Playing Games) que podemos traduzir por jogos de personagens, isto é, de papéis desempenhados por personagens. Gomes (2003) acrescenta a essa classificação os jogos infantis e os simuladores de vôo e outros veículos.
A classificação de Neitzel (2000) agrupa a diversidade dos games em três grandes classes: a) jogos baseados em ação, não-narrativos (luta, competição, pular e correr, esportivos etc.); b) jogos de inteligência, construir e destruir (simulação, quebra-cabeça, estratégia, enigmas etc.); c) jogos de exploração, de aventura, narrativos (RPG gráficos e textuais). Muitos desses gêneros nos soam familiares na medida em que aparecem nos jogos tradicionais. Diante disso, resta esclarecer quais são as propriedades midiáticas e semióticas responsáveis pela especificidade dos games.
2. Interatividade, imersão e espacialidade navegável
A história dos games é, dentre todas as mídias, aquela cujo ritmo de desenvolvimento se deu de modo mais assombrosamente rápido. Relatos dessa história, que foi determinada pela incorporação contínua de inovações tecnológicas, podem ser encontrados em muitas fontes, inclusive na internet. Basta, portanto, apontar aqui para o fato de que os games dividem-se em três grandes tipos. Estes dependem do suporte utilizado: jogos para consoles ocorrem em um monitor de televisão a partir de um console próprio, como o Atari ou o Playstation; os jogos para computador ocorrem no monitor do computador a partir de seu próprio hardware e os jogos para arcades, que alguns chamam equivocadamente de Fliperama, são grandes máquinas integradas (console - monitor) dispostas em lugares públicos.
Há autores que fazem questão de marcar a diferença entre os jogos para computadores e os jogos para consoles. Entretanto, embora o termo videogame se refira mais propriamente aos jogos exclusivos para consoles dedicados, acoplados a um monitor de vídeo, ele acabou por se firmar para designar genericamente quaisquer desses tipos de jogos. Segundo Nesteriuk (2004), isso se deu porque todos eles tiveram um desenvolvimento comum e também porque utilizam o computador para produzir e processar os jogos em estruturas digitais. De todo modo, a meu ver, a expressão mais apropriada e genérica para todos esses jogos em português seria "jogos eletrônicos". Inúmeras tecnologias e acessórios vêem sendo criados e adaptados a eles, como sintetizadores de som e voz, luvas de realidade virtual, reprodução de imagens tridimensionais, videogames portáteis, CDs, DVDs etc.
Uma característica fundamental de todo e qualquer jogo, inclusive dos tradicionais, não-eletrônicos, encontra-se na sua natureza participativa. Sem a participação ativa e concentrada do jogador, não há jogo. Mantendo essa característica básica e comum a qualquer jogo, a grande distinção do jogo eletrônico em relação a quaisquer outros encontra-se, antes de tudo, na interatividade e na imersão.
A interatividade é uma propriedade intrínseca da comunicação digital. Nos games, ela varia. Há os níveis mais baixos de interatividade em que a ação do usuário é meramente reativa, pois, embora suas respostas sejam imprescindíveis ao jogo, elas se dão sempre dentro de parâmetros que são as regras do jogo estabelecidas pelas variáveis do programa. Mas há também um limiar alto de interatividade, quando o programa está imbuído de complexidade, multiplicidade, não-linearidade, bi-direcionalidade, potencialidade, permutabilidade (combinatória), imprevisibilidade etc., permitindo ao usuário-interlocutor-fruidor a liberdade de participação, de intervenção, de criação (Silva 2000: 105, ver também Santaella 2003a). É justamente um ideal desse tipo que o game como produto criador visa atingir. A interatividade não apenas como experiência ou agenciamento do interator, mas como possibilidade de co-criação de uma obra aberta e dinâmica, em que o jogo se reconstrói diferentemente a cada ato de jogar.
Inseparável da interatividade, a imersão é outra propriedade fundamental da comunicação digital. Ela também apresenta graus, desde os mais leves até os mais profundos. No grau mais leve, basta estar plugado em uma interface computacional para haver algum nível de imersão. Ela vai acentuando-se na medida mesma da existência de um espaço simulado tridimensional e na possibilidade de o usuário ser envolvido por esse espaço como na realidade virtual, quando se realiza o grau máximo de imersão. Mas há graus intermediários, como ocorrem nos jogos eletrônicos providos da simulação que é própria da espacialidade audiovisual 3D. Esta se constitui no paradigma da construção espacial do mundo digital - a geração de objetos e ambientes tridimensionais navegáveis através da modelagem de polígonos (Gomes 2003).
Além dessa aparência visual, a simulação visa modelar realisticamente como os objetos e os humanos agem, reagem, movem-se, crescem, evoluem, pensam e sentem (Manovich 2001: 182). Não parece haver meio mais propício para isso do que o game, especialmente quando este lança mão de segmentos de animação 3D, como ocorre no game de grande sucesso Tomb Raider, ou quando o interator é colocado na posição de um demiurgo que evolui na medida mesma em que vai aprendendo a criar a gerenciar um mundo simulado, como é o caso do gameplay Black & White.
3. Narratividade e identificação encarnada
Embora se possa afirmar que os games tenham realizado um giro paradigmático do domínio da temporalidade para o domínio da espacialidade navegável, não se pode negar que a narrativa encontra no game um habitat fértil. Muito propriamente, Gomes (2003) encontra no game o protótipo da narratividade da era digital. Para se entender essa narrativa, é preciso, antes de mais nada, levar em consideração os meios de interação que são usados pelo jogador. Nos jogos gráficos que, graças à sofisticação tecnológica cada vez mais acentuada, são hoje processados em animações tridimensionais, o jogador interage através de um avatar, uma personagem gráfica que o usuário escolhe e com a qual se identifica para representá-lo no interior do jogo. É essa identificação encarnada que se responsabiliza pela intensificação da competitividade e pelo envolvimento emocional e afetivo do interator.
Entretanto, por se caracterizar como interativa, a narratividade do game compartilha sua natureza com outras narrativas do mundo digital. A expressão "narrativa digital" é utilizada para designar tanto ficções hipertextuais baseadas nas redes, também chamadas de hiperficções, quanto os jogos computacionais. Alguns autores tendem a tratar estes últimos como sub-formas de hipertextos, assumindo assim que tudo que pode ser dito sobre hipertexto também se aplica aos jogos. Outros, entretanto, recusam essa aproximação, argumentado que a ficção hipertextual segue e prolonga a trajetória da cultura impressa, especialmente do romance de vanguarda (cf. Kücklich 2001).
Para Juul (1999), por exemplo, em vez de contar uma boa história, a qualidade dos jogos computacionais está baseada em fatores inteiramente diferentes, entre os quais se destaca a liberdade que o jogador de um game tem para explorar e compreender a estrutura de um mundo irreal e para aprender a manipulá-lo. A estrutura dinâmica e o papel do jogador na constituição da experiência do jogo levaram Kücklich (ibid.) a propor que, para se compreender os games, a teoria dos mundos possíveis é muito mais apropriada do que a teoria literária, quer esta tenha como objeto a literatura impressa ou digital.
O game é um mundo possível porque, nele, jogador e jogo são inseparáveis, um exercendo o controle sobre o outro. Nele, o jogador aprende as regras implícitas do jogo na medida em que interage com ele, tomando como base um mapa mental da navegação que vai se formando a partir de predições baseadas na experiência em progresso do próprio jogo. Nesse modelo, a narrativa se desenrola apenas porque o jogador tenta levar o jogo a fazer sentido. É isso que Klevjer (2001) chama de estética do game, uma estética do mútuo controle e resistência entre jogador e jogo.
Tendo por objeto a indeterminação e imprevisibilidade narrativa dos games, é a teoria dos mundos possíveis, que também pode nos ajudar a compreender um fenômeno que está emergindo com bastante intensidade e que reclama por modos de ver desprendidos das categorias tradicionalmente usadas para compreender os jogos e mesmo os games. Trata-se do fenômeno chamado de MMORPG, ou Massive Multiplayer Online Role Playing Games, Jogos de Encenação para Múltiplos Jogadores Massivos, isto é, jogos que se realizam na rede e que se constituem, portanto, em comunidades virtuais de jogadores on line.
4. Comunidades virtuais
Todos os tipos de ambientes comunicacionais na rede se constituem em formas culturais e socializadoras do ciberespaço naquilo que vem sendo chamado de comunidades virtuais (Rheingold 1993), isto é, grupos de pessoas globalmente conectadas na base de interesses e afinidades, em lugar de conexões acidentais ou geográficas.
Para Brenda Laurel (1990: 93), as comunidades virtuais são "as novas e vibrantes aldeias de atividades dentro das culturas mais amplas do computador". Elas são compostas de agrupamentos de pessoas que poderão ou não poderão se encontrar face-a-face, e que trocam mensagens e idéias através da mediação das redes de computador. No ciberespaço, nos diz Rheingold (1996: 414), conversamos e discutimos, engajamo-nos em intercursos intelectuais, realizamos ações comerciais, trocamos conhecimento, compartilhamos emoções, fazemos planos, trazemos idéias, fofocamos, brigamos, apaixonamo-nos, encontramos amigos e os perdemos, jogamos jogos simples e metajogos, flertamos, criamos arte e desfiamos um monte de conversa fiada. Fazemos tudo que fazem as pessoas quando se encontram, mas o fazemos com palavras e na tela do computador, deixando nossos corpos para trás. Milhões de nós já construiu comunidades nas quais nossas identidades se misturam e interagem eletronicamente, independente do tempo e do local.
Em suma, na cibermídia, outro nome para esse espaço público que está em construção (Bilwet, Adilkno e Filwis 1999), as comunidades virtuais designam as novas espécies de associações fluidas e flexíveis de pessoas, ligadas através dos fios invisíveis das redes que se cruzam pelos quatro cantos do globo, permitindo que os usuários se organizem espontaneamente "para discutir, para viver papéis, para exibir-se, para contar piadas, para procurar companhia ou apenas para olhar, como voyeurs, os jogos sociais que acontecem nas redes" (Biocca 1997: 219).
Para Robins e Webster (1999: 2), o tema do comunitarismo virtual tem sido significante nos últimos anos, sem dúvida como uma compensação para os efeitos disruptores da globalização ecônomica. Embora seja, de fato, compensador, há que se levar em consideração que, de um lado, as redes nos dotam com o poder de virtualmente atravessar o planeta de ponta a ponta em frações de segundos, de outro lado, na medida mesma em que as conexões se multiplicam, as comunidades que se criam correm o risco de se tornarem cada vez mais aéreas, frágeis e efêmeras. Nas palavras de Heim (1993: 100), "porque nossas máquinas nos dão o poder de esvoaçar pelo universo, nossas comunidades crescem em fragilidade, volatilidade e efemeridade na medida mesma em que nossas conexões se multiplicam".
A efemeridade tende a se intensificar ainda mais nas configurações recentes que o ciberespaço vem adquirindo através da multiplicação das pequenas janelas digitais, bem menores do que as dos computadores, mas, ao mesmo tempo, bem mais voláteis e evanescentes: os visores dos celulares, palmtops, terminais eletrônicos nos bancos, aparelhos de fax, bips, quiosques de informação em shoppings e aeroportos (Costa 2002: 71-80).
Recentemente, o espectro multiplicador dessa tecnologia sem fio, um sistema que está se alastrando de pequenos aparelhos de bolso conectando usuários de qualquer lugar para qualquer outro lugar, leva à constatação de que a cultura digital não pode ser vista como uma subcultura on line única e monolítica, mas como um "ecosistema de subculturas" (Rheingold 1993), uma mistura de micro, macro e megacomunidades como aquelas constituídas pela America on Line, Microsoft Network, Geocities e Ezboard, abrigando milhares de microcomputadores que vivem em seus interiores, usufruindo de todas as facilidades por elas oferecidas (Costa ibid.; ver Santaella 2003b: 121-124). Entre essas megacomunidades, encontram-se hoje as megacomunidades de jogadores em rede.
5. Games nas redes: enxames de jogadores
As primeiras experiências de games multiusuários desenvolveram-se em ambientes on line, de larga escala, construídos colaborativamente, isto é, "cidades virtuais" nas quais é possível ter uma sala própria. Esses são chamados Muds e Moos. Mud está para Multi user domain e representa uma versão virtual do jogo eletrônico chamado de Dungeons ou Dragons que se tornou uma mania dos jovens, especialmente norte-americanos, no final dos anos 70. Por isso, o mud é também uma abreviação para Multi user dungeons. O jogo mais popular atraiu até centenas de milhares de participantes. São mundos imaginários nas bases de dados dos computadores nos quais as pessoas podem usar palavras e linguagens de programas para improvisar melodramas, construir mundos e todos os seus objetos, resolver quebra-cabeças, inventar divertimentos e ferramentas, competir pelo prestígio e poder, ganhar sabedoria. Os participantes entram em descrições textuais de lugares imaginários e de objetos e personagens robóticos, habitantes desses lugares que os outros podem visitar. Os participantes ficam assim a espera da interação inscrita de outros visitantes. O programa subjacente junta todas as descrições e inscrições, criando um único ambiente que evolui continuamente (Mitchell 1999: 114-115, ver também Curtis 1992 [2001]: 319-334).
Moos são muds orientados para objetos. Enquanto os muds seguem regras de jogo fixas, os moos são mais abertos. Os usuários podem reconfigurar os espaços dos moos, criando novas salas e introduzindo outras modificações - até o nível da codificação. Os moos são ferramentas baseadas nas redes computacionais para trabalho e jogos colaborativos que permitem a intercomunicação em tempo real em um espaço virtual de multi-salas, assim como permitem compartilhar recursos de informação das redes (Rheingold 1993: 145, ver também Turkle 1997; Murray 1999).
Essas experiências de multiusuários ressurgiram com grande força, quando se deu mais recentemente a inclusão dos jogos em rede, proporcionada pela volta triunfante dos RPGs nos atuais MMOs, Massive Multiplayers On Line. De acordo com Tavares (2004), a palavra "massivo" pode parecer estranha no contexto digital. Entretanto, o jogo mais famoso nessa área, o Everquest possui mais de 500 mil assinantes (pagantes) e, muitas vezes, os servidores da Sony On Line Entertainment, que geram a terra digital mais habitada do mundo, chamada Norrah, suportam mais de 3 mil jogadores ao mesmo tempo.
Um enxame tão impressionante de jogadores em rede nos leva a concluir não apenas que a força do jogo sobre a psique humana continua a se confirmar, mas também que ela encontra hoje meios de se intensificar tanto quantitativa quanto qualitativamente. Diante do desenvolvimento acelerado dos games, não é de se estranhar que os estudiosos venham repetindo à saciedade que não há como arriscar qualquer tipo de previsão ou palpite sobre o destino que o futuro lhes reserva.
Referências bibliográficas
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Muito bom! Parabéns! Muito interessante!
Posted by: Clarisse at dezembro 6, 2004 9:01 PME quem disse que Matrix Reloaded, Matrix Revolution e Kill Bill 1 e 2 são bons exemplos a serem citados???Pelo amor de Deus, dêem qualquer outro nome a essas "coisinhas feitas por amor ao video game", mas esqueçam de chamar isso de arte.
Posted by: Bruna at janeiro 9, 2005 10:20 AMOi Lucia
Primeiramente, PARABENS!! Adorei o que você escreveu.
Sou Rodrigo Veiga e estou no ultimo periodo de publicidade da faculdade Estacio de Sa aqui de niteroi-RJ e meu tema é "Propaganda nos jogos eletrononicos" eu acho muitas coisas relativas ao tema na internet, mas eu preciso de um livro, preciso de algo "solido" para me basear e seguir em frente nos meus estudos, voce poderia me indicar algum livro? algum livro sobre publicidade nos games? desde ja agradeco
Posted by: Rodrigo Veiga at outubro 7, 2006 10:45 PMesqueci de dizer... esse eh meu tema para monografia
Posted by: Rodrigo Veiga at outubro 7, 2006 10:51 PM