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setembro 16, 2007

CONEXÃO Fortaleza - Bastidores da oficina de iniciação à crítica de arte, por Juliana Monachesi

rodrigo_braga.jpg

CONEXÃO Fortaleza - Bastidores da oficina de iniciação à crítica de arte

JULIANA MONACHESI

Nos dois primeiros dias de oficina aqui em Fortaleza discutimos dois tópicos imensos: como se aproximar de uma obra de arte e quais tipos de texto sobre arte são mais eficazes (leia-se "mais críticos", "mais característicos da escrita de intervenção"); o primeiro dia, dedicado às maneiras de abordar uma obra -não ainda pensando em um texto a ser escrito, mas simplesmente tendo em mente a importância de ver, refletir, fazer perguntas à obra, descobrir nela os parâmetros a partir dos quais se poderá analisá-la etc.-, configurou-se como um exercício coletivo de "testar leituras" sobre trabalhos de vários artistas; o segundo dia, em que nos debruçamos sobre diversos tipos de escrita sobre arte -matéria (preview), crítica (review), crônica, resenha, entrevista, ensaio para catálogo, estudo monográfico, grande reportagem, texto de artista, artigo para revista acadêmica, texto colaborativo, participação em fóruns de discussão na rede etc.- e analisamos exemplos de alguns deles, deixou claro que o campo de atuação do crítico de arte, se por um lado se consitui de razoável liberdade, encerra também uma grande responsabilidade social.

A fotografia acima, de Rodrigo Braga, foi vista pelo grupo no segundo dia da oficina, a propósito da leitura de um texto que o artista publicou na Revista Fotosite de outubro de 2006 intitulado Dos bastidores de um auto-retrato. Rodrigo Braga narra, nesse texto publicado sob a rubrica "ficção", a experiência de realizar a série de foto-performance Fantasia de compensação (2004), exibida em São Paulo na mostra O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira, no Itaú Cultural, entre outras exposições. Nessa série, o artista se valeu de recursos digitais para simular a sua transformação, por meio de uma cirurgia, em cachorro, ou, nas palavras de Rodrigo Braga, para concretizar uma "intenção antropofágica de fusão da minha cabeça com a de um rottweiler". A leitura do texto do artista e a análise da série de imagens que constitui o trabalho geraram bastante discussão, principalmente em torno de questões éticas, ainda que o artista deixasse claro em seu artigo na Fotosite que a utilização dos restos mortais do cachorro foi autorizada pelo Centro de Vigilância Ambiental da Prefeitura de Recife e que o procedimento cirúrgico fora realizado por um veterinário experiente.

Depois de muito debate e da apresentação de imagens de obras de outras séries de Rodrigo Braga, como a fotografia que se vê no início do presente texto, intitulada Comunhão (2006), chegamos à conclusão de que todo o trabalho do artista parte de uma relação respeitosa e quase religiosa com a natureza e com os animais; e que, portanto, uma leitura crítica dessas obras deveria, necessariamente, abarcar reflexões sobre ritualização e sobre o uso contemporâneo do aparato fotográfico. Começo por esse exemplo mais "polêmico", entre outros exemplos de obras que foram discutidas nestes dois primeiros dias de oficina, para apresentar um dos motes mais recorrentes nas discussões que vêm sendo entabuladas durante os nossos trabalhos aqui em Fortaleza: a crítica de arte hoje, mais do que nunca, não pode prescindir de contextualizações, sejam elas históricas, biográficas, socioculturais, geográficas, técnicas, tecnológicas, literárias, midiáticas etc.

Trabalhos recentes de Caetano de Almeida e Camille Kachani -e o contraste entre ambos- são ótimos exemplos de como chegamos a essa conclusão.

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Diante dos desenhos que Caetano de Almeida apresentou recentemente na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, o que um crítico de arte precisa mobilizar para poder refletir e produzir um texto concatenado são as referências à história da arte, a estratégia pós-moderna da releitura e da ironia, o uso ou criação de imagens de "segunda geração", a idéia de diluição no pensamento crítico -aqui posta em prática deliberadamente-, a reflexão sobre a condição contemporânea da pintura e a hibridação com a visualidade dos meios massivos e dos materiais nada eruditos do design por atacado; já as pinturas feitas de pelúcia por Camille Kachani e expostas até o começo deste mês no Paço das Artes parecem requerer um outro tipo de mobilização por parte do crítico que pretenda analisá-las: a relação entre atração pelo material e repulsa pela temática que os trabalhos instauram, o regime de invisibilidade de certos componentes da paisagem urbana que as obras explicitam, tornando visíveis caçambas e kombis imundas que costumam passar despercebidas no cotidiano das grandes cidades, tudo isso e mais ainda sobre o olhar sedado dos urbanóides deveria constar de uma leitura crítica das obras do artista. O que se pode concluir da demanda quase oposta por repertórios críticos diversos que estes dois exemplos apresentam?

No limite, a conclusão seria que cada artista, cada conjunto de trabalhos, cada obra, enfim, determina ou mesmo incita a criar os critérios e parâmetros a partir dos quais poderá se fazer a sua crítica.

Bem, mas e se eu não sei que o Caetano de Almeida pintou As Madames (1999), uma série de quatro pinturas -Madame Anne-Henriette de France, Le Feu, Madame Marie-Adélaide, L'Air, Madame Victoire de France, L'Eau e Madame Louise-Elisabeth, Duchesse de Parme (Madame L'Infante), La Terre- que são cópias quase fiéis da série de Jean-Marc Nattier (1685-1766) pertencente à coleção do MASP?; e se eu não sei que esse artista é o grande representante brasileiro da arte pós-moderna?; e se eu não sei que o Camille Kachani vive em São Paulo e fez um trabalho de videoarte em parceria com um catador no qual fica evidente a invisibilidade de personagens como um catador, que, na obra em questão, circulou pela cidade com seu carrinho e todo o conteúdo deste pintados de dourado e, mesmo assim, permaneceu praticamente ignorado pelas pessoas? Ok, angústias todas muito pertinentes, mas vamos por partes: 1. ninguém precisa saber de tudo; 2. ninguém é obrigado a escrever sobre tudo; 3. cada pessoa aqui tem formações e repertórios diferentes e isso é ótimo para o horizonte da crítica de arte: se cada um mobilizar o que sabe, o que pensa e o que pesquisa para tratar de arte contemporânea, isso vai resultar em leituras bastante diversificadas e plurais da produção atual em Fortaleza, o que é sempre muito bem-vindo! Feitas essas ressalvas, voltemos às angústias: um bom corpo-a-corpo com a obra é o primeiro passo, mas a ele se segue uma pesquisa de campo (uma entrevista com o artista, por exemplo, uma visita a uma instituição -ou site- que tenha outras obras do artista etc.) ou de arquivo (livros, catálogos, revistas, jornais etc.), e ao final de toda a reflexão que a obra e as fontes tiverem propiciado segue-se um certo distanciamento -estratégico- para, em meio a tantas vozes, encontrar a sua própria.

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Como exercício final no primeiro dia da oficina, discutimos alguns trabalhos da artista Janaina Tschäpe: por ser menos conhecida, nos auxiliou a aguçar o olhar e o pensamento diante de um trabalho a respeito do qual pouco se sabe. Afinal, a idéia é que, nos próximos dias, possamos percorrer o 58º Salão de Abril e problematizar as obras expostas, mesmo sem ter acesso a maiores informações sobre os artistas e suas respectivas trajetórias; esta é uma situação com a qual o crítico de arte sempre se depara, sobretudo quando trabalho em veículos de jornalismo diário: pouco tempo para escrever e, consequentemente, para pesquisar; quando o tema da resenha é uma individual, vá lá, é menos material para correr atrás, mas se o objeto do texto a ser entregue "ontem" é uma exposição coletiva, então é contar com a experiência, saber eleger um foco para a pesquisa e confiar, depois de uma detida observação do conjunto de obras, nos instintos e insights.

Observando uma série de fotos, stills de vídeos e aquarelas da artista, o grupo fez leituras riquíssimas dos trabalhos: a ligação quase simbiótica entre corpo e natureza; a "naturalização" de elementos artificias nas fotos e vídeos e a "artificialização" de elementos naturais nas aquarelas que representam plantas e flores; o uso da fotografia como suporte sem problematização do meio fotográfico; a coerência do uso da aquarela para tratar de um tema clássico da história da arte; a metáfora ora da destruição ora da exaltação pela figura humana da paisagem ao seu redor; a dubiedade sobre o controle exercido entre homem e natureza; conexões com Iemanjá e com o surrealismo também foram trazidas à baila. E tudo isso sem informação alguma sobre a artista ou sobre as obras que estavam em discussão. A impressão final é que o Salão de Abril vai render muito debate até terça e textos instigantes de terça ou quarta em diante. Espero!

janaina_tschape3.jpg

rodrigo_braga2.jpg janaina_tschape4.jpg

[seleção de perguntas e tentativas de respostas destes dois primeiros dias]

o que deve conter um texto de crítica de arte?
Dependendo do público-alvo, do perfil da publicação e da especificidade da obra do artista a ser analisada, de maneira geral podemos dizer que é desejável que um texto crítico lance questões pertinentes para a reflexão sobre a obra analisada após uma breve contextualização (seja histórica, política, social, biográfica etc.) para situar o leitor e estabelecer um solo comum de discussão. O texto tem como ambição maior ampliar o sentidos da obra e alargar o escopo de leituras possíveis para determinada produção (seja contemporânea, seja histórica).

qual a diferença entre crítica e curadoria?
A crítica é um exercício reflexivo sobre a arte. Nas palavras de Camillo Osório em passagem do livro Razões da crítica que lemos ontem, "é função primordial da crítica procurar compreender as transformações da arte, seus novos processos e materializações, dando voz a manifestações poéticas ainda indefinidas e hesitantes". A crítica tem como missão promover uma constante interlocução com o público, com os artistas e com a história da arte.

Já a curadoria é um trabalho de pesquisa e reflexão sobre a produção artística com o objetivo de formatar o conceito de uma exposição. A interlocução com o público, com os artistas e com a história da arte também ocorre no processo curatorial, mas em geral este envolve também uma atividade de criação (de uma tese, de um recorte analítico, de uma postura em relação à arte) e de negociação com as várias instâncias do sistema de arte.

qual a especificidade do texto voltado para arte-educação?
A contextualização mais completa possível e uma abordagem didática sobre a arte, o que não significa simplificar e sim explorar o maior número de abordagens possíveis na leitura daquela obra (relações entre a arte e a vida cotidiana, rebatimentos da arte no contexto social de atuação destes professores e alunos, paralelos com o universo da literatura, da música, da televisão e do entretenimento etc.) para fornecer instrumentos ao professor e ao aluno que lhes possibilite um contato mais rico e profundo com a arte em questão.

quanto da subjetividade do autor pode transparecer no texto?
Novamente, dependendo do público-alvo, do perfil da publicação e da especificidade da obra do artista a ser analisada, de maneira geral podemos dizer que é salutar ver algo do autor no texto (gosto daqueles atravessamentos em que, por exemplo, o crítico relaciona o trabalho de um artista ao livro que está lendo no momento ou ao filme que viu recentemente: esse tipo de ligação -quando bem fundamentado- enriquece a fruição da obra pelo leitor, além de introduzir um elemento mais "mundano" e autoral no processo de construção de sentidos e de adensamento do pensamento sobre arte). Afinal, a arte tem relação com a vida e nada mais natural que o crítico estabeleça tais relações tomando-se também a si como base do aspecto "vivido" da obra.

Posted by Juliana Monachesi at 9:09 PM | Comentários(1)
Comments

Muito interessante as abordagens utilizadas na oficina... poderíamos ter, também, a oportunidade dos colegas cearenses... oficina de crítica de arte aqui em Brasília, já! rs...

Posted by: Alice Maria Duarte at outubro 5, 2007 12:32 PM
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