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outubro 26, 2016
Laura Lima: ‘O trabalho é provocativo, mas não escandaloso como sugerem’ por Nani Rubin, O Globo
Laura Lima: ‘O trabalho é provocativo, mas não escandaloso como sugerem’
Entrevista de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 10 de julho de 2016.
Artista diz que ficar quebrando tabus ‘seria um exercício muito superficial’
RIO — A primeira individual da artista carioca Laura Lima numa instituição americana, The inverse, causou polêmica nos principais sites de artes visuais do mundo depois que uma das seis performers contou ter feito uma penetração vaginal com uma corda de nylon da instalação na noite de abertura, supostamente induzida pela artista. Leia abaixo a entrevista com Laura, que nega a acusação e fala sobre a controvérsia em torno da obra.
Uma das participantes da instalação “The inverse” acusou-a de tê-la induzido a fazer uma penetração vaginal com as cordas de nylon da obra. É verdade?
Cada participante tem a liberdade de decidir a maneira como vai aderir à obra e isso foi explicitamente dito durante as múltiplas preparações nos encontros do projeto. Nenhuma participante foi forçada ou pressionada a nada.
Como foi feita a seleção das participantes? E como você as orientou a atuar?
Primeiro, uma chamada distribuída em lugares de arte e universidades. Ao encontrar com as pretendentes, sempre em reuniões de grupo, é feita uma explicação minuciosa da construção da obra, seus contexto e conceito, e a maneira como pode ser realizada. Espaço para discussão e preparação é sempre fundamental. Só é possível construir a obra a partir da prerrogativa do livre arbítrio e da vontade.
Essa mesma participante disse que você pôs uma camisinha na extremidade de uma corda e lhe deu um lubrificante. Isso aconteceu?
Não. Nunca tive essa conversa com a participante.
Essa performer a procurou para tirar dúvidas?
Fiquei à disposição dos participantes para que entrassem em contato comigo quando quisessem. Nós primeiramente ouvimos sobre esse assunto através da repórter de um jornal. O museu se ofereceu prontamente a encontrar-se com a participante, e não teve resposta.
A polêmica foi assunto dos principais sites de artes visuais. Como você se sente com isso?
É constrangedor e infeliz ver como o trabalho foi distorcido dessa maneira, particularmente porque propõe visões de natureza distintas a estas, sobre a ideia de corpo e a participação de pessoas.
Na sua opinião, a polêmica faz parte da arte contemporânea, pelo que ela tem de intrigante e original?
O trabalho é provocativo, mas não é escandaloso como sugerem. Para mim, a integridade da obra vai sobreviver a essa reação. Uma obra de arte e a reação que causa podem criar diálogos, sublinhando os preconceitos que existem sobre o corpo, a nudez e até a arte contemporânea. Eu não tinha intenção de causar uma reação desse porte, e a qualidade do que está sendo discutido não toca em questões que realmente existem no meu trabalho.
Nudez e interação com objetos há muito deixaram de ser novidade na arte. Há ainda tabus a serem transpostos?
Acho que não pode haver tabus na arte. No entanto, não construo minha obra para ficar quebrando tabus, porque seria um exercício muito superficial. Tabus surgem e são quebrados por processos sociais, a arte pode ajudar nesse processo. No entanto, a noção de sexualidade tem muitas nuances, e é uma construção mais complexa, portanto, assumir que a nudez equivale somente a sexualidade é deixar de perceber que o humano faz muitas coisas nu que não são sexo.
A performance tem tido uma espécie de renascimento, com espaço em feiras de arte e disciplinas de formação em escolas. A que você atribuiria isso?
Não denomino meus trabalhos de performance. É preciso lembrar que as discussões sobre a materialidade sempre se reatualizam nas artes visuais. A participação de pessoas numa obra nem sempre precisa acessar o vocabulário disponível. Esse é o ponto nevrálgico que proponho no meu trabalho e que gera tanta curiosidade.