|
janeiro 17, 2016
Crise financeira do governo do Rio ameaça escola de artes do Parque Lage por Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo
Crise financeira do governo do Rio ameaça escola de artes do Parque Lage
Matéria de Anna Virginia Balloussier originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 15 de janeiro de 2016.
Não foi exatamente um presente de Natal: no dia 23 de dezembro, os 70 funcionários que trabalham na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage e na Casa França-Brasil receberam o aviso prévio.
Se o governo do Rio não repassar R$ 6 milhões aos polos culturais -metade nunca paga do orçamento de 2015-, todos poderão ser demitidos no dia 23, quando o prazo expira.
Na terça (19), conselheiros da Oca Lage, uma OS (organização social) contratada pelo governo para gerenciar as duas instituições, se reunirá para decidir os passos a seguir e tentar contornar a situação.
"Espero que o Estado se comprometa e que eu não precise dispensar ninguém", diz Marcio Botner, presidente da Oca Lage, sócio da galeria A Gentil Carioca e ex-professor e ex-aluno do Parque Lage.
Embora mencione a crise do Rio, que no fim de 2015 paralisou hospitais, ele não aceita conjecturar o que acontecerá caso o governo não deposite o montante devido (todos irão para a rua?) -isso sem falar nos R$ 12 milhões previstos para 2016, ainda incertos. "Não tenho bola de cristal."
Questionada sobre os orçamentos de 2015 e 2016, bem como o risco do parque -um dos principais formadores de artistas do país- e da Casa França-Brasil fecharem, a Secretaria de Cultura se limitou a responder que a pasta da Fazenda "ainda vai definir o cronograma de desembolso dos restos a pagar do ano passado".
No domingo (10), cerca de 40 alunos e professores do parque, encrustado numa área verde de 175 mil m² na encosta do morro do Corcovado, promoveram o "Ocupa Lage".
Protestavam contra o atraso de sete meses dos repasses e contra a proposta de cobrar entrada para o local -a alternativa para a secura financeira, ventilada pela Oca Lage, já foi descartada, afirma Botner.
GERAÇÃO 80
Fundada em 1975 por Rubens Gerchman (1942-2008), a escola pariu nove anos depois a exposição "Como Vai Você, Geração 80?", com 123 artistas (de Beatriz Milhazes a Leonilson) e obras que incluíam gaivotas de papel e uma tela reproduzindo a embalagem do bombom Sonho de Valsa.
Seria menos alentador perguntar como vai a geração 2010. Com 1.400 alunos em 2015, a EAV atualmente oferece cursos de verão como "#SelfiePerformance" (R$ 380). Mas periga adiar e até cancelar projetos neste ano. Já a Casa França-Brasil postergou uma mostra do artista Ângelo Venosa.
Diretora da EAV e curadora da Bienal em 2006, Lisette Lagnado diz estar "apreensiva" por não ter lançado nova convocatória para o PAC (Práticas Artísticas Contemporâneas), programa de bolsas que em 2015 contemplou 140 alunos.
"Podemos nos adequar à contenção do Estado", ela diz. "Se não for possível um seminário com 20 convidados de fora, faremos com três. Não dá para editar o livro com fotos coloridas? Não tem problema."
O jeito, por ora, tem sido procurar outras fontes de financiamento. Marisa Monte e Rodrigo Amarante já fizeram shows de graça no Parque Lage para arrecadar fundos.
Em 2016, a delegação olímpica da Grã-Bretanha terá o Parque Lage como sede (o "aluguel", segundo Botner: R$ 2 milhões), e a da Finlândia ficará na Casa França-Brasil.
Leia na íntegra o depoimento de Lisette Lagnado, diretora da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, à Folha:
Antes de tudo é preciso afirmar que existe aqui uma consciência plena da crise existente do Estado e da necessidade de unir forças para que possamos sair dela da melhor maneira possível em favor da EAV.
A história dessa Escola é maior do que qualquer gestão que aqui esteve ou está. São 40 anos, que incluíram momentos de luta, de trabalhos prestados com imensa relevância na formação da cena artística do Rio de Janeiro e do país.
Em 2015, a convocatória para o programa de formação gratuita, re-estruturado e renomeado Práticas Artísticas Contemporâneas (PAC), recebeu 1.687 inscrições para 80 vagas novas (além de dar continuidade à formação de quase outros 60 alunos egressos do programa anterior), o que representam 720 horas/aula no total, em nove meses de imersão continuada. Além das gratuidades, é importante ressaltar que os estudantes mais necessitados tiveram acesso a auxílio alimentação e transporte.
Existe uma demanda por continuidade de um projeto que ainda pode ser melhorado. Mas agora existe, também, uma urgência por preservar a existência de uma Escola cujo valor ultrapassa qualquer projeto ou pessoa. Trata-se de uma hora na qual se deve entender tantos os méritos de tudo que foi realizado nesses quase dois anos como também da compreensão de que futuro queremos.
Hoje não somente a continuidade de um programa de ensino bem-sucedido está em risco. Duas exposições do programa Curador Visitante tiveram de passar para este ano. Sendo breve, o atraso nos repasses do Governo do Estado nos impede de quitar dividas contraídas com prestadores de serviço nos últimos meses de 2015, paralisando a relação intrínseca entre projeto pedagógico e programação expositiva.
Estou muito apreensiva por não ter podido ainda lançar a convocatória deste ano para o programa gratuito do PAC. Podemos adequar à situação de contenção do Estado: se não for possível uma formação com 360 horas concentradas em um ano, daremos 180. Se não for possível realizar um Seminário internacional com 20 convidados de fora, faremos com três ou quatro. Não dá para editar o livro com pesquisa ampla e geral e fotos coloridas? Não tem problema.
Quero dizer que na crise a gente inventa melhor e se adapta às circunstâncias. Só não pode se perder de vista um programa rigoroso e condizente com as práticas artísticas contemporâneas e colocar tudo a perder.
Em um cenário que sofre justamente pela dinâmica que repete a construção e desconstrução de ciclos em suas instituições, temos a obrigação de resguardar a continuidade, preservando as diferenças de opinião sobre o rumo que está sendo traçado.
Para contornar a falta de repasse do Estado nos últimos seis meses, a OS Oca Lage fez um trabalho ímpar e persistente de promoção de eventos pagos. Se não fossem os eventos, a crise teria estourado antes e de maneira mais grave. A OS acreditou na sinalização do Estado de que o repasse demoraria porém chegaria, e por isso não interrompeu as atividades de ensino e de atividades culturais, mesmo tendo havido um corte de 25% no início do ano da nossa equipe para se adequar a uma nova realidade.