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julho 5, 2015
Em retrospectiva, José Resende questiona curadoria por Fabio Cypriano, ARTE! Brasileiros
Em retrospectiva, José Resende questiona curadoria
Crítica de Fabio Cypriano originalmente publicada na revista ARTE! Brasileiros em 25 de maio de 2015.
Com 70 anos, 50 deles dedicados à arte, o artista apresenta 12 novas obras monumentais que dialogam com seu percurso
José Resende, Pinacoteca do Estado, São Paulo, SP - 26/04/2015 a 14/06/2015
No Jardim de Esculturas do Museu de Arte Moderna de São Paulo, os visitantes costumam jogar pedras em uma das obras ali instaladas. Não é sinal de vandalismo, tampouco de protesto contra o trabalho: o objetivo é apenas usar a escultura como se fosse um instrumento musical. “A primeira vez que fui lá, estranhei que as pessoas apedrejavam o trabalho. Mas depois gostei da forma como se apropriaram dela”, conta José Resende, o autor da peça.
Criada em 1997, a obra sintetiza algumas das questões recorrentes no processo criativo de Resende, que, aos 70 anos, comemora 50 de carreira com uma retrospectiva na Pinacoteca do Estado. Entre as marcas registradas estão o uso de materiais encontrados no ambiente urbano, como o aço dessa obra sem título, e o equilíbrio como um princípio construtivo, ambas envolvendo a arquitetura, área de formação do artista.
Nem sempre, e na maioria dos casos isso deve ser mesmo evitado, dados bibliográficos explicam a produção de um artista, mas no caso de Resende parece um tanto incontornável lembrar seus estudos em arquitetura na FAU Mackenzie, junto a Decio Tozzi e Ruy Ohtake, entre outros. “No segundo ano da faculdade, eu trabalhei no escritório de Paulo Mendes da Rocha. Aprendi muito lá, pois ele sempre discutiu tudo com todos”, recorda.
Contudo, a formação como artista vem do impulso de outro encontro. Na mesma época, o início dos anos 1960, junto aos colegas Carlos Fajardo, Luiz Paulo Baravelli e Frederico Nasser, Resende, para “aprender a desenhar”, começou a estudar com o artista Wesley Duke Lee (1931-2010). Esse encontro marcaria todo o início de sua carreira. Foi graças a ele que Resende e os colegas (menos Baravelli), junto a Duke Lee, Nelson Leirner e Geraldo de Barros criaram o Grupo Rex, em 1966. O coletivo contou com um espaço expositivo e um jornal, que tinha o sarcasmo com o circuito da arte como marca central.
“Creio que, até 1970, minha obra teve muita influência do Wesley. É só depois desse ano que começo a andar com as próprias pernas”, explica Resende. É em 1970 que ele e os mesmos três colegas fundaram a Escola Brasil:, um centro de formação artística livre, por isso os dois pontos no final do nome. A escola durou até 1974, contou com professores como Claudia Andujar e George Love, e mais de 400 alunos, entre eles as galeristas Regina Boni e Luisa Strina, e os artistas Dudi Maia Rosa e Flávia Ribeiro.
Foi também no ano 1970 que o quarteto que estudou com Duke Lee participou de uma mostra no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo – MAC, e no Museu de Arte Moderna do Rio. Uma das obras na Pinacoteca, Coluna, uma escultura com peças de madeiras sobrepostas que se sustentam por conta da ampla base de metal, reutiliza a mesma solução estrutural, só que em outra escala, de um trabalho exposto nessas mostras de 1970.
Com 12 obras inéditas, essa exposição na Pinacoteca é, na verdade, uma retrospectiva dos procedimentos do artista. E a ironia, provável herança do Rex, não está apenas no paradoxo de uma retrospectiva com novas obras, mas também no questionamento à ideia de curadoria, já que foi Resende quem organizou a própria mostra com um discurso um tanto anticuratorial. “Acho que as narrativas dos curadores determinam muito como se deve olhar para a obra, eu prefiro mais liberdade.”
Para tanto, Resende rompeu com qualquer ordem cronológica ou mesmo sequencial, deixando ao visitante a possibilidade de escolher por onde entrar ou sair da exposição. Nas salas refrigeradas, por exemplo, ele deixou todas as portas livres, sem manter uma orientação fixa de entrada e saída, como costuma ocorrer. “A concepção de retrospectiva me assusta: entra-se por uma porta e antes da última está o atestado de óbito do artista. Eu tenho 70 anos, estou jovem, ainda não quero morrer”, ironiza.
Das 12 obras da mostra, oito foram feitas para a Pinacoteca e quatro, inéditas em São Paulo, estiveram na mostra do artista no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 2011. Todas elas dialogam com outras obras realizadas em sua carreira, como que repetindo estratégias. Macaco nos Galhos, escultura exibida no MAM carioca e alocada em uma das extremidades das salas refrigeradas, por exemplo, suspende-se por uma tração. De modo similar, Resende levantou vagões de trens, em 2002, no projeto Arte/Cidade Zona Leste, um de seus trabalhos mais impactantes.
Outro exemplo é a escultura em formato circular Covo, que lembra aqueles cestos que índios usam para pescar. A estrutura da obra, onde a superfície externa adentra a área interna, é semelhante a outra escultura apresentada por Resende em 1999, na última mostra organizada por Marcantonio Vilaça (1962-2000) na galeria Camargo Vilaça.
Resende também desafia na retrospectiva a ocupação do Octógono: “Por sua dimensão, em geral esse espaço é usado para receber apenas uma grande obra, eu preferi colocar aqui duas”.
O que chama ainda atenção na retrospectiva é como, por meio dessas 12 esculturas, é possível observar o passado e o presente da arte contemporânea. Há uma relação inesperada com artistas como Rivane Neuenschwander, em sua série Conversations. Nela, a artista apresenta fotos de arranjos de objetos em mesas de bar, que parecem pequenas esculturas, o que, no caso de Resende, é o mesmo procedimento ao reunir distintos materiais. A diferença, especialmente no caso da retrospectiva na Pinacoteca, é que Resende trabalha em grandes dimensões.
Há também um evidente paralelo com artistas como Marcelo Cidade, André Komatsu e Nicolás Robbio, por conta dos materiais usados – aço, vergalhões, madeira – e do surpreendente resultado dessas associações.
Finalmente, há um diálogo óbvio com a tradição escultórica brasileira, como em obras que lembram os Bichos, de Lygia Clark, ou as dobras, de Amilcar de Castro. Afinal, como lembra o próprio Resende, parafraseando Willys de Castro, “em arte quem não tem pai é filho da puta”.