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abril 23, 2014
Antonio Dias experimenta novos gestos e cores em sua pintura por Nani Rubin, O Globo
Antonio Dias experimenta novos gestos e cores em sua pintura
Matéria de Nani Rubin originalmente publicada no jornal O Globo em 19 de abril de 2014.
Artista tem trabalho em evidência na revista ‘serrote’ e em mostras em São Paulo e Porto Alegre
RIO — Antonio Dias diz não ser um artista que produza intensamente. Esta não é, contudo, a impressão que se tem ao se percorrer seu ateliê ou olhar a agenda cultural à volta. Até o dia 18 de maio, a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, apresenta a exposição “Potência da pintura”, uma panorâmica de seus trabalhos realizados entre 1999 e 2011. Outra mostra sua, com nove telas produzidas em 2013 e 2014, ocupa até 3 de maio a galeria Nara Roesler, em São Paulo.
O artista nascido na Paraíba e radicado no Rio desde os 14 anos está em evidência também na revista “serrote”, editada pelo Instituto Moreira Salles — o número 16 da publicação traz um ensaio visual inédito de 30 páginas, com desenhos feitos antes de sua partida para a França, no fim de 1966, para usufruir do prêmio de pintura recebido na Bienal de Paris do ano anterior — “É quase tudo o que levei daqui quando fui embora”, diz o artista, cujo único plano, como escreve na revista, era “desejar estar longe da ditadura”.
E, finalmente, está na reta final de produção um projeto acalentado desde os anos 1970 com o poeta Haroldo de Campos (1929-2003), e que finalmente vem à tona, pelas mãos da designer e editora Lucia Bertazzo: um grande estojo artesanal, “Galáxias”, com dez objetos de Dias acompanhados de dez páginas do texto escrito ao longo de 13 anos por Campos. O múltiplo, todo feito à mão, terá edição de 93 exemplares numerados e mais 23 de A a Z.
— Não tenho muita organização para trabalhar, não — diz o artista, que ainda está na capa do último número da revista colombiana “ArtNexus”, a mais importante publicação de arte da América Latina, editada em inglês. — Às vezes a ideia fica incubada durante alguns meses, algo detona, e aí saem vários trabalhos de uma vez. Às vezes vai saindo devagar.
Agora mesmo, tem saído mais rápido. No amplo apartamento onde mora em Copacabana, e no qual seu ateliê ocupa dois cômodos espaçosos e iluminados, as telas se avolumam, encostadas na parede. É lá que o artista tem trabalhado regularmente, desde que, há quatro anos, quando soube que estava com um câncer — agora em remissão —, decidiu não manter mais sua casa em Colônia, na Alemanha, mudando o domicílio fiscal para o Brasil.
— Tenho experimentado muito. Tenho me dedicado, por exemplo, a explorar a cor, que nunca foi uma matéria minha. Algumas vezes não dá certo; em outras, fico feliz com o resultado — diz ele, de costas para uma imensa tela numa das paredes da sala, formada por quatro módulos; num deles se sobressai uma cor arroxeada, até há pouco tempo inédita em seu trabalho.
A tela em questão fará parte de uma exposição que o artista, 70 anos recém-completados, está preparando, ainda sem nome, sem local definido ou data provável.
— Uso o trabalho para mim mesmo, para fazer uma espécie de pensamento sobre minhas ideias, criticando, vendo o caminho errado, mudando — observa.
Outra novidade no trabalho de Antonio Dias é o uso mais aquarelado da tinta, que implica uma gestualidade que o artista não tinha antes:
— Antigamente eu planejava muito a pintura, hoje é diferente. É curioso, porque sempre detestei a pincelada, parece que se está passando manteiga na tela.
Sobrevivendo às “mortes” da pintura
O uso mais diluído da tinta e as pinceladas aparentes surpreenderam o crítico e historiador da arte Paulo Sergio Duarte, curador da mostra na Iberê Camargo, autor do ensaio na “ArtNexus” e, atualmente, escrevendo um livro sobre o artista, cuja produção acompanha desde 1964. Ele observa, no entanto, que todas essas novas pinturas aparecem numa combinação com outras telas, formando contrastes e volumes quando superpostas.
— Nenhuma obra dele recente é um chassi único, é sempre uma montagem, como numa edição de cinema, no sentido velho do termo, de corte com tesoura. Elas provocam no espectador a questão da diferença — afirma o crítico. — Mas o mais importante no Antonio, o que atravessa toda a sua obra, é a preocupação com o resultado final. Nos anos 1980, quando ficou na moda fazer uma má pintura, seguindo a transvanguarda italiana, ele trabalhou sempre com qualidade e potência poética, sobrevivendo a várias “mortes” da pintura.