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março 5, 2014
Sou um porco, diz artista famoso por perturbar rotina de museus por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Sou um porco, diz artista famoso por perturbar rotina de museus
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 27 de fevereiro de 2014.
Tino Sehgal, Pinacoteca do Estado, São Paulo, SP - 23/03/2014 a 04/05/2014
Tino Sehgal é algo entre coreógrafo e escultor. No comando de 40 pessoas zanzando pelo átrio do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, o artista britânico tenta moldar os movimentos espontâneos que vê surgir ao mesmo tempo em que busca impor um roteiro rígido à ação.
É um ensaio para sua primeira mostra no Brasil, reencenando uma obra que já fez na Tate Modern, em Londres.
Em duas semanas, quem entrar no museu carioca vai se ver no meio de um enxame de gente, entre hipsters e senhorinhas, que anda de um lado para o outro fazendo pausas para contar momentos íntimos aos visitantes.
"Vivemos numa sociedade de massas, com uma população maior do que nunca, e ao mesmo tempo marcada pelo individualismo mais extremo", diz Sehgal. "Então pensei em conjugar as duas coisas. Queria um grupo que pudesse mostrar também as individualidades de cada um." E a dele também. Sehgal virou uma estrela da arte contemporânea criando esses híbridos de acontecimento espontâneo com uma técnica teatral firme e arrebatadora.
Na última Bienal de Veneza, venceu o Leão de Ouro com uma ação em que atores cantavam e dançavam na entrada da mostra principal nos Giardini, criando um alvoroço no meio do resto das obras.
"Há elementos decididos de antemão, mas muita coisa surge na hora. Em todo caso, tudo faz parte de um algoritmo que orienta o trabalho."
Dessa mesma forma, algo entre teatro e "happening", ele instalou uma espécie de discoteca à capela na Documenta, em Kassel, na Alemanha. Era uma sala escura em que o público esbarrava, sem nada ver, em cantores e bailarinos que se esbaldavam numa festa improvisada.
"Era importante bloquear a visão ali", diz Sehgal. "Esse é o sentido mais forte da nossa era, mas queria deixar aflorar os outros sentidos, para criar uma conexão mais potente entre as pessoas."
DIVAS FABRICADAS
Sehgal fala muito da busca por elos invisíveis entre desconhecidos, mas evita qualquer contato maior com o resto do mundo.
Na entrevista à Folha, não respondeu boa parte das perguntas. Ficava em silêncio, olhando para o lado ou o teto, para dizer que "não é o papel do artista falar sobre sua obra", arrematando que o que faz não é arte. "Nem acredito em arte, acredito em rituais. Arte é uma noção gerada por museus", diz Sehgal.
"Sou um porco comigo mesmo, mal me conheço. Artistas são pessoas comuns que se deixam seduzir pelo som da própria voz."
E às vezes se deixam ludibriar pelo momento em que a indústria das artes visuais fabrica divas nos mesmos moldes de Hollywood.
Sehgal é até um cara simpático, mas metódico e difícil. Nada pode ser fotografado sem permissão. Seus assistentes monitoram cada passo de jornalistas ao seu redor e as entrevistas são cronometradas. Só viaja de navio, para não adensar a sua pegada de carbono, e às vezes exige isso de sua equipe.
Uma economista que participa de sua performance no Rio até enxerga seus métodos rigorosos como fórmula para o sucesso. "Ele é superjovem e superpremiado", diz Iaci Lomonaco. "É genial essa estratégia dele, até mesmo do ponto de vista econômico."
Depois do Rio, ele virá de ônibus a São Paulo, onde mostra mais três trabalhos na Pinacoteca do Estado. São ações do início da carreira.
Numa delas, bailarinos imitam cenas de beijos famosos das pinturas do museu. Em outra ação, atendentes da bilheteria vão ler manchetes dos jornais aos visitantes.
Sehgal desestabiliza a ordem com momentos imprevisíveis, dos beijos na galeria a guardas de museu que irrompem em danças e cantorias.
É o que chama de "estrutura dialógica" em sua obra, que depende sempre da reação dos espectadores e busca "a sutileza interior" que a arte parece ter perdido.
O jornalista viajou a convite do Centro Cultural Banco do Brasil.