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maio 8, 2013
Sob suspeita de falsificação, Christie’s retira dez obras brasileiras de leilão por Audrey Furlaneto, O Globo
Sob suspeita de falsificação, Christie’s retira dez obras brasileiras de leilão
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 7 de maio de 2013.
Casa diz que vai investigar telas de Ivan Serpa e Mira Schendel, entre outros, que seriam vendidas em Nova York, no fim do mês
A maior casa de leilão de obras de arte do mundo, a americana Christie’s retirou às pressas dez obras de artistas brasileiros da venda que fará nos próximos dias 29 e 30, em Nova York. São quatro trabalhos de Ivan Serpa e os demais de Amílcar de Castro, Roberto Burle Marx, Mira Schendel, Hércules Barsotti, Ione Saldanha e Ubi Bava, que foram apontados por colecionadores e especialistas brasileiros como falsificações.
O alerta chegou à Christie’s na semana passada, quando a casa começou a atender telefonemas dos clientes que receberam o catálogo do leilão (uma ampla publicação que tradicionalmente antecede as vendas). Além de imagens e preços, o livro traz a procedência de cada uma das obras a serem negociadas — neste caso, são ao todo 320 trabalhos de arte latino-americana, sendo 50 de brasileiros.
Chamou a atenção dos compradores de posse do catálogo o fato de as dez obras sob suspeita terem a mesma procedência: como indica a publicação, pertencem à “Ralph Santos Oliveira collection” — coleção que, como apurou O GLOBO, é desconhecida entre os principais negociantes de arte do Rio.
Numa pesquisa simples no Google, os poucos registros para a busca do termo completo “Ralph Santos Oliveira collection” levam ao site da própria Christie’s e ao ArtNet, que repete os dados publicados pela casa de leilões.
Segundo a representante da Christie’s no Rio, Candida Sodré, a empresa ainda não concluiu se as dez obras em questão são ou não falsas e decidiu retirá-las do leilão para uma “análise profunda”.
— Quando mais de uma pessoa telefona e levanta suspeitas sobre essa ou aquela obra, nós retiramos e fazemos todas as pesquisas — afirma.
Há, completa Candida (sem detalhar), um trabalho prévio, que antecede a escolha das obras que irão a leilão.
— Nós pesquisamos, sim. Colecionadores vêm a nós e nós vamos a eles, às vezes são conhecidos, às vezes, não. Nós erramos, e não é a primeira vez que isso acontece, embora seja raro. A grande vantagem é que isso foi percebido antes do leilão. Foi tarde para o catálogo, mas cedo para o leilão — defende.
A simples presença das obras sob suspeita no catálogo, porém, já serve para que tenham alguma chancela no mercado de arte, e, agora, a preocupação de colecionadores de arte brasileira diz respeito ao próximo passo da Christie’s. Questiona-se se a casa irá avançar nas pesquisas de autenticidade e denunciar, caso seja comprovada a falsificação, ou se devolverá, sem mais buscas, as peças ao mercado — se o fizer, as obras agora terão o prestígio de terem sido registradas em catálogo internacional e poderão, assim, ser negociadas.
— Não sabemos o que fazer. A lei brasileira é confusa, e nós somos uma casa americana — diz Candida.
Para Haruyoshi Ono, que foi sócio de Roberto Burle Marx desde os anos 1960 até sua morte, em 1994, e que responde pelo acervo do artista, a casa agiu com “irresponsabilidade”.
— Não fui consultado e conheço o trabalho de Burle Marx há mais de 30 anos. Só de olhar eu sei o que é dele. E a falsificação (da obra que seria vendida pela Christie’s) é completamente grosseira — afirma ele, que foi procurado pela casa na semana passada, quando o catálogo já havia sido publicado e as obras do leilão, selecionadas.
Filho de Amílcar de Castro (1920-2002) e à frente do instituto que leva o nome do artista, Rodrigo de Castro também conta que foi procurado pela Christie’s na última semana.
— Me mandaram a imagem da obra por e-mail, mas não dou certificado de autenticidade só por uma foto e pedi para ver a obra, e eles não me procuraram mais — diz Castro. — Numa pesquisa rápida, vi que a obra em questão nunca participou de nenhuma exposição, não está em nenhum catálogo. Isso causa um certo grau de estranheza.