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outubro 9, 2012
Para comer com os olhos por Nina Gazire, Isto é
Para comer com os olhos
Matéria de Nina gazire originalmente publicada na seção de Artes Visuais da Revista Istoé em 5 de outubro de 2012
Encontros de Arte e Gastronomia, Museu de Arte Moderna, São Paulo, SP - 04/09/2012 a 16/12/2012
Desde as naturezas-mortas até as mais banais representações da Santa Ceia ao longo da história da arte, a comida sempre foi o símbolo da ostentação ou fartura. O que pouco se discutiu durante esse percurso foi como a maneira de representar artisticamente a mesa e a culinária acabou por reproduzir séculos de tradição gastronômica, quando o ato da refeição passou a ser vigiado por regras de etiqueta. Aquilo que antes se dava em um ambiente de comensalidade vem se tornando, cada vez mais, um ritual solitário e individualizado. Constatações e reflexões como essas regem os “Encontros de Arte e Gastronomia”, projeto pioneiro no Brasil a propor uma ponte entre o mundo da gastronomia e o da arte.
A sala Paulo Figueiredo do MAM-SP foi transformada em um híbrido de cozinha e espaço expositivo que, desde o dia 3 de setembro, vem recebendo chefs e artistas plásticos para o trabalho em duplas arranjadas pelos idealizadores do projeto, o curador Felipe Chaimovich e o professor de culinária Laurent Suaudeau. Mas se engana quem pensa que o museu foi adaptado para um restaurante, apesar de algumas duplas – que trabalham de terça-feira a domingo e são trocadas a cada semana – terem servido refeições para o público. Esse foi o caso da parceria entre o coletivo carioca Opavivará e o chef Leo Filho, que distribuiu marmitas feitas a partir de receitas de sua família. “Essa é uma oportunidade para que as pessoas venham ao MAM e vivam a experiência sem a expectativa de serem servidas como em um restaurante”, esclarece Chaimovich.
O questionamento sobre a redução da culinária ao ato de consumo esteve presente no trabalho da dupla formada pela artista Laura Lima e pelo chef José Barattino, do Hotel Emiliano, de São Paulo. Entre os dias 18 e 22 de setembro, Laura Lima e Barattino produziram uma refeição vegetariana cujos ingredientes passaram por um processo de desidratação, sendo posteriormente embalados a vácuo. A proposta é que a refeição seja doada ao museu, como uma obra museológica, para ser consumida em um jantar marcado para acontecer daqui a 30 anos. Já Caetano Dias, que, no Panorama da Arte Brasileira de 2005, apresentou um Cristo feito com rapadura, realizou, entre 25 e 29 de setembro, uma comemoração ao dia de São Cosme e São Damião. Ao trabalhar ao lado da chef e doceira do restaurante Girarrosto, Amanda Lopes, em uma ação denominada “Jardim das Delícias”, ambos criaram um cordeiro feito de chocolate, rodeado por doces que se estendiam para além da mesa. “O trabalho é uma referência à figura do corpo de Cristo e a outros atos antropofágicos”, explica Dias.
A série de “Encontros” vai durar dez semanas e é também uma oportunidade para o público conhecer o que há de ponta na área da tecnologia gastronômica. Para a ocasião, foram importados dois fogões com sistema de depuradores de fumaça que devolvem o ar limpo ao ambiente, impedindo a fumaça de se espalhar pelo museu (também abrigando atualmente uma mostra de Adriana Varejão). “A gastronomia é uma cultura que tem de ser entendida como criação livre de regras. Nesses termos, criamos essa situação vivencial, sendo meio “Big Brother”, com todos os focos no sentido da cozinha”, explica Chaimovich.
Entre 9 e 13 de outubro, o artista Rodrigo Bueno e a chef Ana Luiza Trajano, do restaurante Brasil a Gosto, realizarão uma ação inspirada nas comidas de santo oferecidas aos orixás. Nina Gazire