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março 30, 2011
Exposição do pernambucano Carlos Melo inaugura nova galeria de arte em São Paulo, diariodepernambuco.com.br
Exposição do pernambucano Carlos Melo inaugura nova galeria de arte em São Paulo
Matéria originalmente publicada no caderno Viver do jornal Diario de Pernambuco em 28 de março de 2011.
A Galeria Mariana Moura (Recife) e a Galeria Laura Marsiaj (Rio de Janeiro) inauguram, nesta segunda-feira, um novo espaço para a arte contemporânea em São Paulo: a Galeria Moura Marsiaj. A exposição de abertura reúne trabalhos do artista pernambucano Carlos Melo, com curadoria de Cristiana Tejo (também de Pernambuco).
A Moura Marsiaj trabalhará com artistas que já são representados pelas duas galerias em suas cidades, mas que ainda não possuíam um espaço para mostrar suas obras permanentemente em São Paulo. Alguns artistas que trabalham com a Mariana Moura no Recife, como Marcelo Silveira e Gil Vicente, ficarão de fora do novo empreendimento, pois já estavam ligados a alguma outra galeria paulista. A proposta, portanto, é lançar novo nomes no mercado de arte paulistano.
Veja a lista de artistas representados em São Paulo pela nova Galeria Moura Marsiaj:
1. Alice Vinagre (PB Brasil)
2. Amanda Melo (PE Brasil)
3. Ana Elisa (SP Brasil)
4. Ana Miguel (RJ Brasil)
5. Arnaldo Antunes (SP Brasil)
6. Barbara Wagner (PE Brasil)
7. Bruno Vilela (PE Brasil)
8. Carlos Melo (PE Brasil)
9. Celina Yamauchi (SP Brasil)
10. Cristian Silva Avaria (Chile)
11. Daniel Murgel (RJ Brasil)
12. Edgar Martins (Macau)
13. Eduardo Kac (RJ Brasil)
14. Eudes Mota (PE Brasil)
15. Fabio Baroli (MG Brasil)
16. Gabriela Machado (RJ Brasil)
17. Jeanine Toledo (AL Brasil)
18. Kilian Glasner (PE Brasil)
19. Lucia Laguna (RJ Brasil)
20. Marta Chilindron (Argentina)
21. Paulo Vivacqua (ES Brasil)
22. Renata de Bonis (SP Brasil)
23. Waleria Américo (CE Brasil)
24. Walmor Correa (SC Brasil)
Leia texto da curadora Cristiana Tejo sobre a exposição de Carlos Melo:
O Corpo Barroco
"Sempre se pretende que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de nos liberar das imagens primeiras, de mudar as imagens." Bachelard
O Corpo Barroco não nomeia esta exposição, titula apenas um dos trabalhos presentes, mas por sua capacidade singular de sintetizar as questões encarnadas em cada obra, ele é a via de entrada deste texto e da mostra individual de Carlos Mélo. Por sua vez, o todo da mostra é uma espécie de cume de um trajeto, um sumário amadurecido das discussões que movem esse artista. A pista mais óbvia é a própria forma eleita, o anagrama, que já evidencia um enxugamento das palavras que constantemente ocorriam em suas obras do início da década de 2000, por meio dos diagramas.
Palavras e imagem emparelhavam-se formando dípticos para mapear sentimentos e irradiar sentidos, e não para canalizar interpretações. A inversão das palavras, engendrada pelo recurso do anagrama, gera composições que vão enriquecendo a potência de sua proposição, estratégia indubitavelmente mais sofisticada. E esses enunciados estão por si, não se sustentam em nenhuma imagem nem dão sustentação a qualquer imagem.
Agradam-me sobremaneira a expectativa que essas palavras de ordem suscitam nos visitantes e seu consequente desmanche com o confronto com o que se apresenta. Não há referências explícitas ao Barroco histórico. Nem exuberância, nem rebuscamento, nem dramaticidade pungente e muito menos cromofilia. Todavia, subjazem alusões transversais a essa forma de sentir o mundo. Podemos entender, a partir do trabalho de Carlos Mélo, o Barroco como retomada de consciência do corpo em várias dimensões e tudo o que isso acarreta no embate com uma moralidade opressiva. A fricção de contrários que expressa desassossego e o enfrentamento da finitude e da imperfeição.
Sim, as tensões dos antagonismos sublinham os trabalhos e por vezes sentimos uma sensação de familiaridade (até mesmo de déjà-vu) e, ao mesmo tempo, de estranhamento com as imagens construídas, mas o resultado é ambiguidade, e não oposição. A limpeza e a mudez sugeridas nas fotos são uma aparente contradição com o que o Barroco representava. Não se trata de entulhamento de detalhes ou ornamentos, mas justamente abarrotamento de significados e densidade dos simbolismos.
Porém, lembremos que estamos diante de um anagrama, e Barroco pode se transformar em barro oco. O Corpo Barroco pode também ser corpo oco barro. Tanto o barro quanto o oco carregam matizes de voltagens semânticas. Podemos seguir por uma via universalista e rememorar que o barro tem uma conotação religiosa muito forte (como é notório o dito bíblico que afirma que o homem veio do barro) e que sua utilização para se construir artefatos é milenar e comum a muitas civilizações. Outro caminho nos leva a identificar o lugar de pertença de Carlos Mélo: a cidade de Riacho das Almas, nas cercanias de Caruaru, cidade bastião de marca identitária nordestina muito significativa, em que o barro é matéria de expressão concretizada em bonecos e esculturas. O mesmo procedimento de universalização e de localização pode ser adotado com a palavra oco. No dicionário significa vazio por dentro (poderia ser uma citação indireta ao conceito de corpo sem órgãos de Gilles Deleuze e Félix Guattari?) e também fim do mundo (novamente uma menção ao sentimento de deslocamento e de desterritorialização após o ato migratório do artista para a capital de Pernambuco). O famoso painel de Cícero Dias Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife não nos deixa esquecer que enxergamos a existência e o mundo a partir de nosso local de origem e formação. Entretanto, o mundo não se encerra no local de origem, já que nossa perspectiva vai se adensando e se desdobrando com a incorporação de novos repertórios, novas paisagens e experiências no avançar da vida.
Esta mostra parece ainda apontar para um reencontro de questões que estavam sutilmente encobertas na produção de Carlos Mélo nos últimos anos: a espessura catártica de seu corpo. Tendo escolhido a performance como eixo de investigação principal sobre o corpo, o artista dedicou-se ultimamente a explorar as múltiplas formas dessa linguagem, em especial a transferência do fazer performance para atores ou pessoas dirigidas por ele. Essa vertente de experimentação está presente neste apanhado, mas impera sua presença física. Dessa maneira, fica ainda mais patente o desejo de performance, encontrado até mesmo nos desenhos. Importante salientar que a performance parece ser compreendida por Mélo como mecanismo ritual, uma forma de expurgar o que o desassossega, de materializar imagens internas e sentimentos, por vezes selvagens, por outras enformados na cultura do contemporâneo. Performance como vestígio. O tom ritualístico é enaltecido na sugestão de oferenda de um cão e da comida no dia da abertura e numa sequência de imagens que insinua um diálogo com a morte. Não é demais lembrar que oferenda também significa oferecer, inspirar um sentimento e agenciar. Por sua vez, oferecer pode ser desmembrado como apresentar sem proteção. Eu apenas acrescentaria apresentar-se sem proteção. Não é exatamente isso o que Carlos Mélo faz com este conjunto de trabalhos? Desnudar-se em todos os sentidos? Expor cruamente quais são suas intencionalidades artísticas? Nesse caso, o vídeo Nova Arte Moderna, feito em 2004, é exemplar tanto em oferecer um contraponto no tempo a esse rol de discussões como em evidenciar sua ética perante o corpo e a imagem. A tentativa de gerar formas com seu corpo no enquadramento precário do vídeo transparece uma singeleza de meios e uma complexidade de resultados que contrasta fortemente com a normalização e o consequente esvaziamento do uso do corpo e das tecnologias em boa parcela da produção artística atual. Observando o entorno, nota-se que a jornada informacional e tecnológica dos últimos anos tem desembocado numa horizontalização de questões que superficializa a produção. Voltando a observar Carlos Mélo, fica evidente que seu percurso tem firmado um lugar dissonante na Arte Contemporânea recente do Brasil.
Cristiana Tejo
Recife, março de 2011