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fevereiro 28, 2011
A quatro mãos por Paula Alzugaray, Istoé
A quatro mãos
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 25 de fevereiro de 2011
A galerista Luisa Strina faz papel de artesã e vira assistente do artista Alexandre da Cunha na exposição "Fair Trade"
É certo que toda economia deveria ser regida por preceitos éticos de equilíbrio e sustentabilidade. No entanto, existe apenas uma modalidade específica de comércio internacional em que a regulação de preços garante ao produtor uma remuneração justa por seu trabalho. Trata-se do “comércio justo” (fair trade, em inglês), que também dá nome à individual do artista Alexandre da Cunha na Galeria Luisa Strina, em São Paulo.
O artesanato e os produtos agrícolas, duas das principais categorias contempladas pelo fair trade, são também a matéria-prima da recente série de trabalhos do artista. Para representar esse mecanismo que estrutura a economia sustentável, Cunha convidou ninguém menos que Luisa Strina para trabalhar como sua assistente na realização da série.
“Há alguns anos, descobri que a Luisa tinha o bordado como hobby e desde então isso sempre me intrigou”, conta ele. “Decidi então me apropriar da Luisa bordadeira e convidá-la a ser minha assistente.” Com o convite, Alexandre da Cunha exercita o que já vem praticando há mais de dez anos: a apropriação de objetos do cotidiano. Se em trabalhos anteriores ele se valia de vassouras, esfregões, garrafas pet, tecidos de barracas e cadeiras de praia para reinventar um mobiliário artístico, dessa vez foi mais fundo e voltou-se para o hobby de sua galerista. “Gosto muito de trabalhos manuais, me relaxa muito”, conta Luisa Strina. E foi assim que Cunha ofereceu para sua assistente Luisa uma série de pedaços de tecidos de juta – utilizados originalmente para ensacar produtos agrícolas de exportação – para serem por ela bordados.
“Ele me pagou por isso, deu um trabalho enorme”, continua Luisa. Como pagamento, a marchande recebeu uma das obras do artista. Mas, como as regras de um autêntico fair trade mandam, a relação entre artista e assistente foi se modificando e Luisa acabou por ser promovida ao status de “artista colaboradora”. Os trabalhos em exposição são, portanto, assinados por ambos. A parceria implica a divisão de 50% do preço da obra para cada “artista”, o que em realidade corresponde à divisão entre artista e marchande.
Na mostra “Fair Trade”, marchande e artista discutem as regras do mercado de arte. A presença de Luisa Strina na feitura das obras não modificou seu preço de mercado. Mas a assinatura da conceituada marchande, responsável pela mais antiga galeria de arte contemporânea de São Paulo, sem dúvida contribuiu para que as obras fossem vendidas antes mesmo da abertura da exposição, no sábado 19. “Nesses trabalhos, eu não sou artista, mas artesã”, insiste Luisa. “Estamos discutindo aqui de quem é a criação. Até onde o artesão pode infringir o trabalho do artista?”
Além dos tensionamentos entre os papéis do artista, do galerista e do artesão, a proposta de Alexandre da Cunha nesta exposição é também pensar outras inversões de papéis. Os quadros de juta bordada e as duas esculturas de chão expostas confrontam as consistências do duro e do mole, do masculino e do feminino, do doméstico e do industrial, do minimalismo e do artesanato.