|
julho 19, 2010
Janelas do cinema por Paula Alzugaray e Nina Gazire, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray e Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 16 de julho de 2010.
Artistas derrubam fronteiras entre cinema, vídeo e artes plásticas em três exposições
CINEMA – Eder Santos/ Luciana Brito Galeria, SP/ até 31/7
Quando o cinema se desfaz em fotograma – Solon Ribeiro/Galeria Virgilio, SP/ até 30/7
A grande ilusão – Sara Ramo e Cinthia Marcelle/ Galpão Fortes Vilaça, SP/ até 21/8
Em “Histoire(s) du Cinéma” (série para televisão francesa produzida entre 1988 e 1998), Jean-Luc Godard cantou a bola: “O cinema sempre quis ser mais real do que o real.” Mas se o cinema é uma máquina de ilusão que quer criar um mundo à imagem e semelhança do real, o artista que faz cinema insiste em desvendar os dispositivos dessa máquina e mostrar que um filme de guerra não é a própria guerra. Esse é o argumento de “A Grande Ilusão”, no Galpão Fortes Vilaça. Além da instalação de Sara Ramo e Cinthia Marcelle, duas outras exposições em cartaz em São Paulo flertam com estruturas narrativas do cinema clássico, tensionando seus limites e explodindo as fronteiras imaginárias que sustentam a distinção entre arte e cinema.
Embora não tenha começado sua trajetória como cineasta, mas sim como realizador de vídeo, nos anos 80, Eder Santos sempre teve o cinema como um horizonte a ser contemplado. Ele introduz em seus vídeos ruídos e interferências bastante similares aos do cinema antigo e, como Godard, constrói uma linguagem híbrida, resultante da soma entre as duas gramáticas. No início, produzia esses ruídos manualmente. Hoje, utiliza softwares que simulam os efeitos da celulose no vídeo. Em “Cinema”, na Luciana Brito Galeria, Santos apresenta quatro trabalhos que operam no registro de um casamento – às vezes perfeito, outras vezes conflituoso – entre imagem digital e analógica.
“Enredando Pessoas” (2004) é o ponto de partida da mostra. “Esse é o último vídeo de uma série em que brinco com os suportes do cinema, falsificando sua imagem e incluindo o barulho de um projetor”, comenta Santos, para quem o vídeo ainda não alcançou a maturidade. Consequência dessa reflexão sobre o desenvolvimento dos suportes cinemáticos é a instalação “Distorções Contidas II” (2010), que resgata o mecanismo da lanterna mágica e faz uma homenagem à tela de Duchamp “Nu Descendo a Escada”, um desdobramento da imagem em movimento, em forma de pintura. Mas o destaque é a videoinstalação “Cinema” (2009), que, embora projetada em formato cinemascope, não é passível de ser classificada dentro das categorias “vídeo” ou “cinema”. O esgarçamento dos limites faz-se particularmente presente na imagem da cerca de arame farpado, uma citação do clássico experimental “Limite”, de Mário Peixoto.
Outra exposição que importa acervos analógicos para os termos da cultura digital é “Quando o Cinema se Desfaz em Fotograma”, de Solon Ribeiro. O trabalho se dá a partir de um duplo procedimento de corte efetuado sobre filmes hollywoodianos, que eram projetados pelo avô do artista, dono de sala de cinema no interior do Ceará. Em um primeiro corte, estrelas como Rodolfo Valentino, Lauren Bacall e Liz Taylor eram recortadas de seus filmes pelo projetista do cinema, para logo serem organizadas em álbuns. Na segunda operação de corte, Ribeiro se debruça sobre esses acervos e inicia novos procedimentos de edição e aproveitamento das imagens. O resultado é um cinema que se desfaz não só em fotogramas, mas em performance, projeção, colagem, videoinstalação.
Solon Ribeiro se apropria de fotogramas hollywoodianos para construir novas narrativas
Os arquivos de Ribeiro ganham uma dimensão performática que altera a aura glamourosa das estrelas de cinema. Semelhante desconstrução pode ser experimentada na instalação “A Grande Ilusão”, em que Sara Ramo e Cinthia Marcelle fazem uma releitura do filme de Jean Renoir. O trabalho é uma videoinstalação atípica, que descarta o recurso da projeção em loop, mas se apoia num recurso básico da narrativa cinematográfica: a estrutura linear de começo, meio e fim. A presença de um projetista – figura tradicional da sala de cinema –, responsável por acionar o filme, é outro elemento importante, que demarca a identidade desse território como cinema. Todos esses elementos corroboram para criar uma ilusão que será colocada em suspensão. A revelação do dispositivo, oculto durante toda a projeção, acaba com a ilusão de que o cinema seja, afinal, imitação da vida.