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julho 12, 2010
Consumo e selvageria por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de julho de 2010.
Mostra traz à tona caráter predatório do capitalismo e credita desequilíbrio ambiental ao consumismo.
Com alta concentração de cores vivas e profusão de quinquilharias por metro quadrado, a exposição “Ecológica” anuncia, já à primeira vista, seu tema de abordagem: o poder de sedução do objeto de consumo. As composições com flores artificiais do japonês Haruka Kojin; os painéis de fotografias de praias paradisíacas da instalação “Cortina de Vento”, de Rodrigo Matheus; ou a prateleira de santos de gesso e de bonequinhos de plástico do “Armazém”, de Nelson Leirner, tomam partido de uma estética da inutilidade e da artificialidade. Mas em nenhuma dessas obras o discurso se esgota na beleza do artifício. O observador atento haverá de notar que a maioria dos santinhos de Leirner lhe dá as costas. E que as flores do “Jardim Fotográfico”, de Jardineiro André Feliciano, assumem a forma de pequenas câmeras que “olham” para os visitantes, invertendo a lógica da fotografia turística. Essas obras, de grande apelo visual, abrem a mostra e preparam terreno para a crítica que o conjunto de trabalhos selecionados pelo curador Felipe Chamovich assume contra a irracionalidade do consumo fácil.
A moda, o turismo, a publicidade, a tecnologia e a arte contemporânea não escapam à crítica da exposição. Até mesmo “o frágil mobiliário popular torna-se objeto de desejo, ao ser transformado em obra de arte”, aponta o texto de parede explicativo da obra de Rivane Neuenschwander, composta por reproduções de banquinhos de madeira. Outro grupo de trabalhos incorpora essa crítica de forma ainda mais dramática. É o caso do vídeo “Flooded McDonald’s”, do coletivo dinamarquês Superflex, uma paródia do cinema-catástrofe, em que a réplica em tamanho natural de uma loja da rede de fast-food é inundada até o teto. Em “Arquipélago”, de Marcius Galan, um pequeno canteiro de grama é sitiado por um sistema complexo de equipamentos urbanos aparentemente inúteis.
“Ecologia não é a manutenção de um jardim privado”, argumenta o curador. Os efeitos resultantes de uma natureza sitiada pela civilização consumista são visíveis na montanha de entulho com que Marcelo Cidade esculpe uma fonte ornamental ou na forma como o artista amazonense Rodrigo Braga busca desesperadamente reencontrar sua natureza selvagem, se equiparando a um bode, em uma série de fotografias. A obsolescência da tecnologia também é vilã dessa história, no vídeo “Lançamentos”, em que Marcelo Zocchio passa 55 minutos descartando objetos eletrônicos ultrapassados.
Mas a curadoria não é tão catastrofista quanto o vídeo do Superflex e propõe novos modelos de sociabilidade como alternativa à sociedade de consumo. Começa por criar ao longo do percurso da exposição vários nichos para descanso, contemplação e convivência. A instalação de madeiras e plantas de Rodrigo Bueno é um desses espaços. Muitos outros são criados pela distribuição dos banquinhos populares de Rivane e dos “sofás de praia” do coletivo carioca Opavivará, que fazem de “Ecológica” uma grande praia para usufruto coletivo.