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abril 13, 2010
Os véus da imagem por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 9 de abril de 2010.
Arthur Omar desconstrói olhar antropológico em três séries fotográficas
Arthur Omar dedicou grande parte de sua obra ao questionamento do ato documental. Antropólogo de formação, nunca exerceu a profissão, mas também nunca abriu mão da primeira premissa da antropologia moderna: a saída a campo para travar contato direto com o outro. Mesmo assim, como antropólogo, Omar sempre foi um ótimo artista. Em trabalhos de fotografia, cinema, vídeo, instalação, música e ensaios sobre arte, seus métodos nunca foram científicos, mas procuraram contribuir para o pensamento antropológico. “Meu método básico de operação é colocar o conhecimento entre parênteses e intensificar a experiência estética”, diz ele. “A contribuição que posso dar à antropologia é a singularidade da minha experiência.” Por essas e outras, Omar é reconhecidamente um precursor do impulso documental que domina a arte contemporânea.
“Um Olhar e Sete Véus”, sua primeira individual em uma galeria de arte carioca, apresenta três séries fotográficas em que o artista-antropólogo exercita diferentes maneiras de posicionar a câmera em relação ao objeto documentado. Os trabalhos aqui expostos são variações de “Antropologia da Face Gloriosa”, definida por Omar como um projeto de exploração exaustiva do rosto humano, durante o transe carnavalesco. Exibido originalmente na 24ª Bienal de São Paulo, em 1998, esse projeto de viés artísticoetnográfico ganha agora desdobramentos em duas novas direções, ou, como diz o artista, outros “véus”. “Estou trabalhando com a ideia do véu como filtro necessário que me dá acesso às coisas. Véus que não puramente escondem, mas filtram.”
Em “Antropologia Suprematista”, o intuito é incorporar um véu modernista ao trabalho antropológico. Isto é, observar temas essencialmente realistas como um folião em transe ou uma índia em aldeia remota através do filtro da não objetividade do suprematismo – movimento sistematizado pelo pintor russo Kasimir Malevich em 1925, que promovia o apagamento da imagem figurativa em prol de uma arte de pura visualidade plástica. Mas mesmo que, a exemplo de Malevich, Omar coloque sua figura no limite entre a aparição e a desaparição, ele não se desfaz de seu interesse antropológico. “A dissolução dos detalhes identificatórios da figura vai proporcionar a emergência da ideia de distância ou pode sugerir a desaparição de uma raça indígena amazônica, por exemplo”, diz ele.
É nas fotografias da série “Antropologia Solúvel” que Omar efetivamente se aproxima do projeto suprematista de chegar à “forma pura”, suprema, sem vinculo com o mundo real. Isso se dá quando o fotógrafo procura dissolver completamente o objeto fotografado a partir do movimento de sua câmera. Sua ideia, com isso, é criar um novo objeto. “Imagino que, no futuro, quando os objetos não existirem mais – não haverá mais tribos para serem documentadas – e quando nós só tivermos acesso ao mundo através da imagem, vai ser necessário desenvolver uma ciência de análise da imagem. Então, já estou propondo aqui objetos que são pura imagem”, diz ele. Cem anos depois do suprematismo inventar um novo mundo formal através da pintura, Omar procura fazer o mesmo com a fotografia e o cinema.