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abril 13, 2010
Figura animada por Sílas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 12 de abril de 2010.
Livros, reedição de diários e mostras em SP e no Rio marcam os 20 anos da morte do artista pop Keith Haring
Quando Nina fez sete anos, ganhou de presente do amigo Keith Haring um livro com ilustrações para acompanhar o que quisesse colar, desenhar, guardar ou rabiscar nele. Mas seu pai, o pintor Francesco Clemente, não deixou que fizesse nenhuma marca no caderno.
Ela percebeu então que o presente era uma obra de arte e que o homem que frequentava sua casa e passava mais tempo entre as crianças do que com os adultos era um grande artista.
"Meu pai fazia festas incríveis no Réveillon, e o Keith entrava debaixo da mesa comigo para tomar champanhe escondido", lembra Nina Clemente, 28, que cresceu na Nova York dos anos 80, caldeirão do hip hop e ponto de projeção mundial para o grafiteiro amigo de Madonna e Andy Warhol. "Ele gostava mais da mesa das crianças, era ligado nessa inocência."
Agora, 20 anos depois da morte de Haring, em decorrência de Aids aos 31, "O Livro da Nina para Guardar Pequenas Coisas" é editado no Brasil. É o primeiro numa série de lançamentos que marcam essas duas décadas de ausência de um dos maiores nomes da arte pop.
Na cola do livro infantil, seus diários estão sendo reeditados nos Estados Unidos, pela Penguin, e a Cosac Naify lança "Ah, se a Gente Não Precisasse Dormir!", volume em que crianças e adolescentes analisam a arte de Haring. "Acho que essa pessoa é muito grande e forte por fora, mas por dentro ela é bem fraquinha e muito sensível", diz um dos relatos do livro. "Está toda cheia de emoções."
Na verdade, Haring, franzino e com cara de "nerd", não tinha nada de "grande e forte". Quando veio ao Brasil, nos anos 80, mostrou que fortes eram seus traços, combustível para toda uma leva de grafiteiros que então começavam a cobrir os muros de São Paulo, onde o artista participou da Bienal de 1983.
"Rolês pela cidade"
"Tem um vídeo da gente comprando latinha de spray na Teodoro Sampaio", lembra o grafiteiro Rui Amaral, então monitor da Bienal que "fez uns rolês" com Haring pela cidade. "Ele foi em casa, tomamos um cafezinho, ele fez um desenho na parede do meu quarto."
Também fez um painel imenso no pavilhão da Bienal e deixou marcas nos muros da avenida Sumaré e outros pontos da cidade, todos apagados agora. Mas seus bonequinhos dançando, traços sintéticos em cores gritantes, viraram marca registrada de seu estilo, reproduzido agora à exaustão como previa a cartilha pop e seu desejo de manter a arte sempre diante dos olhos do público.
"No dia em que ele pintou o mural dele, vieram as televisões para filmar", lembra o curador Ivo Mesquita, que também trabalhou na Bienal daquele ano. "Ele era uma figura que polarizava as atenções."
Mesmo sem Haring, sua arte estará de volta em julho numa retrospectiva na Caixa Cultural, em São Paulo e depois no Rio, com quase cem de suas obras mais célebres e séries nunca exibidas inteiras no país, como as ilustrações para "Apocalypse", ensaio de William Burroughs, seus desenhos contra o apartheid e toda a gama colorida de obras engajadas em prol dos direitos civis.
"Na faculdade em Nova York, fiquei decepcionado com as pessoas, todo mundo parecia muito comum, até que encontrei o Keith e vi que era um cara diferente", lembra o grafiteiro Kenny Scharf, amigo de Haring, que terá uma individual na galeria Casa Triângulo neste ano em paralelo à Bienal, em setembro. "Ele tinha vontade de levar a arte de volta às pessoas, para as ruas, que não fosse algo só de museu ou galeria."