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fevereiro 25, 2010
Criador e criatura por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 19 de fevereiro de 2010
Eduardo Kac celebra 30 anos de carreira com um trabalho de bioarte, que mistura seu próprio material genético com a flor petúnia
O espectador desavisado, diante dos quatro “Biotopos”, estruturas de acrílico e metal que compõem a série “Espécime do Segredo sobre Descobertas Maravilhosas” (2006), exposta no Oi Futuro do Rio, poderia pensar tratar-se de pinturas abstratas, realizadas em algum momento da década de 50 do século XX. Talvez uma abstração lírica. Mas, ao saber que, em vez de feitos de tinta e pigmentos, esses trabalhos estão sendo “pintados” em tempo real por microorganismos vivos, a coisa muda de figura. Descobre-se que se está diante de um exemplar autêntico de bioarte. Seu autor, o brasileiro Eduardo Kac, professor titular do Departamento de Arte e Tecnologia do School of Art Institute de Chicago, e referência mundial na área, polemiza: “Não me vejo como um artista pesquisador, mas como um artista contemporâneo.
Da mesma forma que um pintor precisa comprar tinta para pintar, eu acesso o laboratório de engenharia genética para criar.” Com três exposições simultâneas no Brasil, esse é o momento para conhecer dois extremos de sua carreira: os primeiros anos, em que fazia performance, poesia digital e “pornopoemas”, e o novo trabalho em bioarte e arte transgênica, no qual se destacam as “Edúnias”, mistura da flor petúnia com material genético do artista. “O projeto genoma revelou que nós sempre fomos transgênicos, nosso gene vem de outros seres, como bactérias, plantas e animais.
Nesse sentido, a monstruosidade do transgênico passa a ser nossa também”, diz o criador da polêmica coelha Alba, o animal concebido em laboratório com genes fluorescentes de água-viva, em 2000. Nas “Edúnias”, exibidas no Brasil em fotografias, graças à mudança da lei sobre transgênicos no País, Kac aplicou o DNA extraído de seu sangue às veias da flor. Aqui, ele é criador e criatura. O resultado, segundo a curadora americana Christiane Paul, é um novo conceito de autorretrato. Efetivamente, Kac propõe novas formas para antigos conceitos. Esse é o caso de um dos projetos da série “Lagoglifos”, em que o artista transmite mensagens gráficas para uma constelação longínqua, que será atingida só em 2038.
Esse projeto sem materialidade física na Terra, mas em movimento no espaço, atualiza conceitos de land art que, nos anos 60, projetavam a obra de arte na paisagem natural, longe dos centros urbanos e das instituições de arte. Ainda segundo Christiane, os “Lagoglifos” são parte de um “sistema de signos criado para um alienígena”. Mas nem só cientistas e alienígenas são os interlocutores de Eduardo Kac, que afirma que sua linguagem é fundamentalmente poética. Em Belo Horizonte, uma seleção de seus poemas gráficos e sonoros, feita pelo curador Alberto Saraiva, mostra de que forma a atividade poética de Kac deixou de ser verbal para abranger muitas outras linguagens.