|
fevereiro 3, 2010
O Sentido De Re-Ligar por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 22 de janeiro de 2010
Com exposição no Mosteiro de São Bento, José Spaniol, Marco Giannotti e Carlos Eduardo Uchôa investigam o papel da espiritualidade no mundo contemporâneo
Entrar em uma instituição religiosa é, por si só, um convite a silenciar – especialmente se localizada no caótico centro de São Paulo, como é o caso do Mosteiro de S Bento. Este estado de calma interessa profundamente a Carlos Eduardo Uchôa, José Spaniol e Marco Giannotti, que ocuparam o edifício, fundado em 1598, com instalações, pinturas, fotografias e um vídeo. “A arte sempre teve uma relação transcendente com a realidade, mas essa dimensão espiritual se perdeu. Nós sentimos vontade de resgatar esta característica religiosa da arte, no sentido de ‘re-ligar’: criar uma comunhão entre as pessoas e algo invisível e universal”, diz Giannotti. A conversa que surgiu entre os três artistas e o íntimo conhecimento do espaço por Uchôa – que é monge do Mosteiro de São Bento – tornaram a presença de um curador dispensável. Além de artistas, os três são também professores – profissão que, como a de um religioso, exerce o ensinamento, o aconselhamento.
Essa similaridade foi explorada nas instalações de Spaniol, que ocupa o parlatório – local de encontro entre os monges e a comunidade – com novas obras de suas séries “Lousas” – quadros negros com desenhos feitos a giz – e “Balanças”, que explora a relação entre imagem e palavra. Para isso, ele se apropria de livros e móveis do mosteiro, que são suspensos no ar por colunas de eucalipto. “A ascensão é um tema central na religião.E um objeto fora de seu lugar de rotina nos permite novas possibilidades de contemplação”, diz ele. As colunas guiam o público pelos corredores até as salas que abrigam pinturas e fotografias de Uchôa e Giannotti. O catolicismo aparece como tema nas 14 pinturas de cada um deles que abordam a via crúcis – caminho de Jesus Cristo com a cruz. Há ainda claras referências à sociedade atual nas pinturas de Giannotti, com grafismos que remetem a grades de proteção.
Essa união entre a realidade social e a espiritualidade é ainda mais pulsante na última obra da exposição. No piso superior, dentro de uma acolhedora capela, até então fechada ao público, está a videoinstalação de Uchôa. Livros espalhados pelos bancos e um tapete branco conduzem o público até o altar, onde em meio às imagens católicas barrocas do espaço uma tela mostra cenas captadas na Cracolândia e no Viaduto do Chá. “Meu trabalho apresenta as mazelas da sociedade, do nosso tempo, mas ao mesmo tempo evidencia a possibilidade de uma redenção. Há sempre o desejo de permitir a reflexão”, diz o artista-monge.
COMO OLHAR O CÉU - Fernanda Assef
Léxico – Angela Detanico e Rafael Lain/ Galeria Vermelho, SP/ até 20/2
Na fachada da Galeria Vermelho, a obra “Eclipse” anuncia o tema que rege a nova exposição da dupla Detanico e Lain: a conjunção. Nas oito obras expostas, cruzam-se e relacionam-se pelo menos duas grandes áreas do conhecimento: a astronomia e a linguística. Entrar na galeria, nesse caso, é como entrar em um observatório dos sistemas que criamos para descrever o mundo. Conhecidos por levar a cabo um trabalho de organização, catalogação e codificação de informação que beira o da pesquisa científica, os artistas propõem aqui diferentes maneiras de olhar para o céu. Em seu ato minucioso de observação, usam diferentes lentes, mas sempre com o intuito de formar novos desenhos e constelações. Em “Analema”, o traçado do deslocamento do sol no céu durante um ano é redesenhado por uma frase criada com 365 letras. Já os mapas estelares dos Hemisférios Norte e Sul constituem as tramas originais trabalhadas em “Léxico”, “Constelações do Alfabeto” e “Estrelas do Sul”. Nos três casos, estrelas são substituídas por letras gregas que, a partir do século 17, passaram a classificar a ordem de grandeza dos astros, segundo o sistema desenvolvido pelo alemão Johann Bayer. Em “Léxico”, os mapas estelares dão forma a palavras de origem grega, como hemisfério e simetria. Há muita complexidade na obra de Detanico e Lain e cada trabalho requer dos artistas muito tempo de pesquisa e aprendizado. Mas há também um aspecto lúdico que a aproxima de jogos tão simples como ligar pontos ou caçar palavras. “Uma criança de 5 anos, alfabetizada, pode ler nossos trabalhos. É questão de propiciar ao espectador o aprendizado de novas leituras”, desafia Rafael Lain.