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outubro 21, 2009
Muita discussão e... "até o próximo incêndio?" por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 21 de outubro de 2009.
Na madrugada do dia 8 de julho de 1978, a quase totalidade do acervo do Museu de Arte Moderna do Rio foi consumida por um incêndio. Pinturas de Di Cavalcanti, Portinari e Ivan Serpa viraram cinzas ao lado de obras de Picasso, Miró, Dalí, Magritte e do grande artista uruguaio Joaquín Torres-García -que figurava numa ampla exposição no museu e teve a maior parte de sua obra destruída pelo fogo.
O incêndio no MAM foi um trauma, uma espécie de chacina cultural ocorrida numa instituição criada para evitá-la. Num lance de trágica ironia, alguns anos depois ardeu o apartamento de Niomar Moniz Sodré, fundadora do museu. Desapareceram obras de Mondrian, Chagall e Volpi, entre outros artistas da coleção.
Incêndios nunca mais? Bem, há poucos anos o curador Paulo Herkenhoff deixou a direção do Museu de Belas Artes depois de denunciar riscos de incêndio. E sexta-feira, foi a vez de Hélio Oiticica. Culpa da família? Culpa do poder público?
É fácil sair atirando na hora da fúria -e não é de todo mal que se atire, mesmo com a chance de errar o alvo. A energia da revolta ajuda a criar movimento. O risco é conhecido: indignação nos botequins, discussões na imprensa, promessas de autoridades e... "nos vemos no próximo incêndio?".
Seria desejável que essa tragédia ajudasse a transferir para o plano das medidas práticas a reflexão sobre o papel dos museus de arte no Brasil já elaborada por críticos e curadores como Paulo Sergio Duarte e o próprio Herkenhoff.
O sistema de instituições é irracional, invertebrado e pobre, embora no meio artístico circule bastante dinheiro. Abrem-se centros culturais como lanchonetes, empresas bancam mostras com renúncia fiscal, mas os museus vivem com pires na mão. Alguns deles nem sequer possuem acervos próprios -apenas coleções particulares em regime de comodato. Aliás, é preciso pagar para expor em instituições como o Masp ou o MAM-Rio. Essa é a realidade.
A produção de arte se expande e os problemas vão se avolumando. Já é hora de criar meios para financiar e qualificar essas instituições -e o que é básico: fazer da aquisição de acervos uma rotina cultural no país.