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outubro 20, 2009
Ministro refuta críticas sobre inexistência de política de aquisição de acervo por Miguel Conde, O Globo
Matéria de Miguel Conde originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 19 de outubro de 2009.
Juca Ferreira: é “irresponsabilidade” criticar agora o governo
O governo federal vinha conversando com a família de Hélio Oiticica para ajudar na criação de um espaço adequado à preservação da obra do artista. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, diz que faltam recursos para a preservação do patrimônio artístico e cultural do país e reage irritado ao questionamento sobre a política de aquisição de acervos do governo: “Dizer nesse momento que não existe política de acervo é uma irresponsabilidade”, afirma por telefone, de Brasília. Criticando a imprensa por se opor às contratações de servidores feitas pelo governo Lula, o ministro diz que na hora da tragédia as pessoas correm para culpar o Estado.
Um comentário feito por críticos e artistas é o de que se houvesse uma política pública de aquisição de acervos...
JUCA FERREIRA: Espera, mas a imprensa não pode acender uma vela para Deus e uma para o Diabo no mesmo assunto. Desde que nós entramos no governo, temos dito que o Estado tem a responsabilidade de proteger nosso patrimônio cultural, tem que racionalizar o uso dos recursos. Não é que não tem política. Isso está na rua há muito tempo. Quando a gente pede recursos para política de patrimônio, acervo e preservação aparece gente dizendo um bando de coisas irresponsáveis, que o Estado está inchado. Dizer nesse momento que não existe política de acervo é uma irresponsabilidade.
Mas essa é uma demanda de pessoas do setor.
FERREIRA: Na hora que acontece uma tragédia, as pessoas correm para culpabilizar o Estado. A gente está há sete anos dizendo que o Estado tem que assumir responsabilidade. Não temos excesso de funcionários, pelo contrário. Deve ter em outros lugares, mas aqui falta gente, é um ministério pequeno, esquálido. Nós aumentamos em 1.000% os recursos dos nossos museus, recuperamos boa parte dos nossos museus. Encontramos uma estrutura falida e implantamos um conceito de política pública de cultura.
Qual é o principal entrave para a aquisição de acervos de artistas brasileiros? Esse é então um problema de pessoal?
FERREIRA: Não, não depende de pessoal, depende de recursos. Essa demanda está na rua há muito tempo. Nós estamos perdendo parte da arte contemporânea brasileira e moderna para colecionadores internacionais. Junto ao crescimento econômico e geopolítico do Brasil, há um interesse crescente pela cultura e pela arte brasileiras. Muitos críticos dizem que é o país mais promissor, profundo e diverso na produção da arte contemporânea no mundo, mas estamos correndo perigo de repetir o que acontece no futebol brasileiro: temos os melhores jogadores e a melhor técnica, mas ficamos reduzidos a fornecer mão de obra para jogos na Europa.
E por que o governo não destina mais verbas para isso?
FERREIRA: O Orçamento passa pelo Congresso, que é muito influenciado pela opinião pública. E às vezes a discussão fica colocada de uma forma simplória, atrasada, que acaba nos levando a atrasar muito o processo de criação de uma infraestrutura adequada no Brasil, fica uma discussão da Guerra Fria sobre o estatismo do governo. Nós não somos estatistas. Estou fazendo um convite para superarmos essa guerra de trincheira e fazermos uma pactuação pública pela preservação do nosso patrimônio cultural.
O ministério elaborou algum modelo de gestão para isso?
FERREIRA: Isso terá que ser feito por instituições federais, estaduais, municipais, privadas. O problema não é falta de instituição. O que a gente está precisando é que o Brasil assuma sua responsabilidade diante da sua produção cultural e dos seus artistas. Está tramitando no Congresso uma proposta de emenda constitucional que destinaria pelo menos 2% do Orçamento à cultura. Vejo com muita simpatia essa proposta. Aí, sim, você tem politica de acervo, modernização tecnológica, bolsas para artistas, como há em todos países importantes culturalmente.
O ministério já tinha oferecido alguma ajuda à família de Oiticica?
FERREIRA: Fomos procurados por eles e estávamos conversando há muito tempo. Temos consciência da importância do Hélio Oiticica. Os artistas fazem suas obras para serem expostas, para que tenham um efeito, cumpram um papel. As conversas têm ido muito bem, no sentido de fazer desse acervo um acervo público.
O senhor telefonou ontem para a família de Oiticica. Qual a importância das obras que se perderam?
FERREIRA: Meu primeiro trabalho remunerado foi como monitor da Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, em 1968, e tomei conta da sala de Lygia Clark, Franz Krajcberg e Iberê Camargo. Junto com a Lygia, o Hélio Oiticica é o grande expoente da revolução estética e cultural que o Brasil viveu nos anos 1960, líder de todo o processo que estimulou o Tropicalismo e tudo que veio depois nas artes brasileiras. Ele merece e precisa ter um tratamento especial, acho que merecia um acolhimento nacional.