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outubro 20, 2009
Secretária e família batem boca por Adriana Chiarini, O Estado de S. Paulo
Matéria de Adriana Chiarini originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 20 de outubro de 2009.
Jandira Feghali culpa herdeiros por perda das obras em incêndio e sobrinho do artista ameaça processá-la.
Falta um marco regulatório no País que dê mais condições ao Estado de garantir acesso público e cuidar de obras de artistas mortos, defendeu a secretária municipal de Cultura do Rio, Jandira Feghali. Pela legislação atual, as obras são propriedade privada dos herdeiros. "Como a propriedade é privada, só se tem acesso se for permitido. Temos várias situações no Brasil em que a família impediu livros, interrompeu exposições, guardou acervos inadequadamente", afirmou.
Jandira está há dois meses estudando como outros países lidam com o tema, que ganha força com o incêndio que atingiu maior parte do acervo do artista plástico Hélio Oiticica, na sexta-feira à noite, na casa do irmão dele, César Oiticica.
"Meu lamento é profundo, até porque tentamos que fosse de outro jeito. Eu pessoalmente conversei com o sobrinho dele (César Oiticica Filho, curador do Projeto Hélio Oiticica) para a gente ter a cessão do acervo para o Centro Hélio Oiticica, por comodato. A gente não tem orçamento para comprar US$ 200 milhões. Há que haver uma nova forma de lidar com isso", afirmou. "Na minha opinião, nós perdemos um acervo por uma atitude fechada do herdeiro, particularmente."
Por contrato fechado na gestão do ex-prefeito Cesar Maia, não renovado, o Projeto Hélio Oiticica ficaria abrigado no Centro Municipal Hélio Oiticica e receberia R$ 20,5 mil por mês. "Não era o projeto, que recebia R$ 20,5 mil por mês, era o Cesinha, que montou um escritório privado num espaço público. Essa relação do Cesinha com a gestão anterior é no mínimo polêmica e obviamente não pudemos manter. O acervo não estava lá desde 2002", acusou Jandira. "Ele recebia em nome de um projeto que não se cumpria."
César Oiticica Filho respondeu que, se a declaração de Jandira fosse publicada, ele processaria a secretária: "É impressionante como ela mente. Ela tem o contrato com o Projeto Hélio Oiticica." Ele afirmou que o projeto gasta muito mais que R$ 20 mil por mês e que fez exposições premiadas no centro. E ironizou a declaração da secretária de que, na França, o Estado tem prioridade na compra da obra quando um artista morre: "Quem dera que o Brasil fosse como a França. Acredito que a Jandira quase nunca deva ir a exposições."
O ex-prefeito Cesar Maia respondeu que Jandira "está tentando fugir das responsabilidades que são dela por não renovar o contrato".
Irmão do artista e pai de Cesinha, César Oiticica passou o dia tentando recuperar peças no local do incêndio, com representantes do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). "Eu não entendo o que ela (Jandira) diz. Ela fala coisas que não confirmo. As pessoas que são verdadeiramente ligadas às artes chegam aqui e choram quando veem o que aconteceu. O resto é o resto."
Hélio Oiticica, que morreu em 1980, se notabilizou por deixar os quadros de lado, criando penetráveis (obras em que as pessoas podem entrar) e parangolés (obras para vestir). Foi um dos inspiradores do movimento musical tropicalista.
ACUSAÇÕES
Jandira Feghali
Secretária de Cultura
"Perdemos um acervo por uma atitude fechada do herdeiro"
César Oiticica Filho
Curador do Projeto Hélio Oiticica
"É impressionante como ela mente"