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outubro 19, 2009
Incêndio destrói 90% da obra de Hélio Oiticica por Eduardo Fradkin e Flávia Lima, O Globo
Incêndio destrói 90% da obra de Hélio Oiticica
Matéria de Eduardo Fradkin e Flávia Lima originalmente publicada no jornal O Globo em 18 de outubro de 2009.
Avaliado em US$200 milhões, o acervo estava na casa do irmão do artista, que tinha sistema anti-incêndio
Um incêndio destruiu pelo menos mil obras do artista plástico Hélio Oiticica — considerado por críticos um dos nomes mais importantes da arte brasileira — na noite de sexta-feira, no Jardim Botânico. O acervo, cujo valor é estimado em US$200 milhões, estava no ateliê localizado no andar térreo da casa do irmão do artista, o arquiteto César Oiticica. Ninguém ficou ferido, mas César estima que 90% da obra de seu irmão tenham se perdido. Ele não soube dizer como o fogo começou, nem por que o sistema anti-incêndio não funcionou. O resultado da perícia é esperado dentro de 30 dias.
A obra do artista plástico estava antes abrigada no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, da prefeitura, mas começou a ser retirada de lá em 2002 pela família, sob alegação de que o prédio não tinha condições básicas de segurança. Mesmo ontem, César reafirmou a crítica:
— Lá, no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica, não há controle de umidade e de temperatura, e nem fiscalização. Aqui, a gente tem temperatura de 22 graus e umidade de 50% o ano todo. Lá, não tem nada disso, só ratos e goteiras.
Desenhos e metaesquemas foram preservados
O fogo começou por volta das 22h. O arquiteto contou que jantava com a mulher e um grupo de amigos quando sentiu forte cheiro de queimado vindo do ateliê. Bombeiros do quartel do Humaitá foram chamados para apagar as chamas, que consumiram obras importantes do artista neoconcreto, como os parangolés — esculturas móveis feitas com bandeiras, estandartes ou tendas, para serem vestidas e movimentadas — e os bólides.
— Quando desci, meti o pé na porta para não perder tempo procurando chave. A fumaça preta já tinha se espalhado. Fui procurar o foco, mas meu primo me disse para sair dali. Não deu tempo de fazer nada. O que se perdeu foram 90% do total das obras de Hélio, pois quase tudo que ele fez estava no acervo. A única parte não afetada foi a mapoteca, onde estavam desenhos e metaesquemas. Os escritos dele foram queimados, mas estavam todos digitalizados. Tínhamos feito imagens de todas as obras para digitalizá-las também, e creio que a grande maioria delas tenham se queimado. No entanto, uma boa parte já está no computador, pois eu as vinha mandando para pessoas que pediam. Os parangolés foram totalmente destruídos. Dos bólides, 99% tampouco resistiram ao incêndio — lamentou César.
Segundo ele, os parangolés estavam todos no acervo, exceto dois ou três que Hélio doou para amigos em vida. As pinturas também se perderam. A casa e o acervo que ela abrigava não tinham seguro:
— Fiz um estudo, mas era um valor muito alto, e ficou inviável. Decidimos arcar com os riscos.
Instalações chamadas penetráveis — que têm esse nome porque o público é convidado a entrar nelas — podem ser reconstruídas.
— Penetráveis podem ter réplicas construídas, mas os parangolés, não. Seriam necessários os originais para servirem de modelos. O penetrável “Tropicália” tem três edições, e uma dela está no museu Tate de Londres. Os penetráveis “Nas quebradas” e “Filtro” têm cinco edições. Há vários penetráveis que podem ser refeitos. Outras obras, como relevos e bilaterais, podem ganhar réplicas com fins didáticos — disse César.
Andando pelos escombros, César disse ter visto algumas obras que podem ser recuperadas: um relevo vermelho, uma ou duas bilaterais e o “Projeto Cães de caça”.
Secretaria diz que ofereceu regime de comodato
A secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali, lamentou o incêndio e disse, em nota oficial: “Este acervo não estava mais no Centro Hélio Oiticica quando assumimos a Secretaria de Cultura em janeiro deste ano. Apesar dos nossos esforços, não conseguimos trazê-lo de volta em regime de comodato, como acontece com o acervo do colecionador Gilberto Chateaubriand no Museu de Arte Moderna e com o acervo do colecionador João Satamini no Museu de Arte Contemporânea de Niterói. (...) A secretaria já está em contato com o Iphan para conseguir técnicos que ajudem e acompanhem o rescaldo para ver o que pode ser salvo.”.
A diretora do Centro de Artes Hélio Oiticica, Ana Durães, disse que a proposta de deixar o acervo em comodato no centro foi rechaçada pela família Oiticica e que há uma sala trancada a chave à qual ela não tem acesso, onde pode haver obras de Hélio.
— Jandira propôs um comodato, mas a ideia foi rejeitada. Nunca foi feita uma contraproposta. A família queria ter todo o poder sobre a obra, recebia R$20 mil mensais e ainda cobrava pelas exposições.
Do outro lado, César — que recebeu a visita e os votos de solidariedade de Ana Durães ontem — afirma que o motivo da briga foi apenas a falta de estrutura do centro:
— Organização estatal não funciona para abrigar arte. Tínhamos até que botar no preço da exposição os gastos com segurança.
Segundo ele, as obras de uma exposição realizada lá este ano continuam na reserva técnica do prédio da prefeitura.
— Todas as obras da exposição “Os penetráveis” ainda estão na reserva técnica do Centro de Artes Hélio Oiticica. Vamos trazê-las para a casa quando ela for restaurada.