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outubro 19, 2009
Obra não era preservada como merecia por Fabio Cybriano, Folha de S. Paulo
Obra não era preservada como merecia
Análise de Fabio Cybriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.
Por mais triste, lamentável e trágica que possa ser, a perda de praticamente todo o acervo do artista Hélio Oiticica representa, finalmente, o fim do fetiche pelo material em suas obras e a libertação de suas ideias.
Oiticica foi um dos mais originais e importantes artistas do século 20. Sua defesa em romper os limites entre arte e vida foi das mais radicais, mas apenas nos últimos 20 anos passou a ter o merecido reconhecimento e repercussão.
Dois momentos fundamentais nesse percurso foram a Documenta, em Kassel (Alemanha), em 1997, que mostrou muitos de seus projetos e obras, e a 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, organizada por Lisette Lagnado a partir de conceitos do artista, mas que já nem exibiu objetos do artista, para atestar que suas ideias estavam proliferadas no circuito da arte.
No entanto, enquanto suas ideias ganhavam importância, um certo desvio de suas propostas também crescia. Oiticica queria que os Parangolés, um de seus mais importantes conceitos, que tinham nas capas uma de suas materializações, fossem usados por todos.
No entanto, o fetiche pelo original -que em seu caso é o menos importante, acabou dominando e em muitas mostras essas capas eram vistas penduradas como tristes espectros de algo muito mais vital.
Do ponto de vista do mercado, algo semelhante ocorria. As obras passaram a subir de preço exponencialmente, enquanto para o artista, durante sua vida, isso não era o fundamental, e seu trabalho passou a ser engessado naquilo que justamente ele criticava: o objetual.
Claro que é inacreditável que tudo tenha se esvaído dessa forma, até porque é a segunda vez que um incêndio destrói um acervo importante no Rio: foi assim que grande parte da coleção do Museu de Arte Moderna do Rio foi perdida, em 1978.
Claro que é lamentável que o precioso acervo de Oiticica não estivesse preservado da forma como merecia, numa instituição, mesmo que já existisse o Centro de Arte Hélio Oiticica, criado pela Prefeitura do Rio, palco de recentes polêmicas.
Durante um bom tempo, parte do que se queimou esteve lá armazenado e poderia estar a salvo. Mas isso faz parte da precariedade institucional que é típica no Brasil e das dificuldades que envolvem herdeiros em casos do tipo.
Recentemente, o Ministério da Cultura havia iniciado contatos para a criação de um museu Hélio Oiticica. Mas, essa institucionalização, se por um lado seria fundamental para preservar sua memória, poderia representar um risco ao institucionalizar sua obra, algo sempre contestado pelo artista.
Em Porto Alegre, artistas que participam da 7ª Bienal do Mercosul lamentavam ontem a perda desse acervo, mas também comentavam que parecia ser uma estranha vingança pelo tratamento que sua obra vinha ganhando.
Agora, se já não há mais original, então todos podem criar seu Parangolé. Felizmente, grande parte de seu acervo foi digitalizado e encontra-se disponível no site do Itaú Cultural, num dos mais importantes projetos de memória da arte brasileira. Os originais -e são milhares deles, pois tudo o que Oiticica pensava era obsessivamente descrito em seus cadernos- podem estar queimados, mas conseguiram sobreviver na internet, onde todos podem ter acesso, como o artista queria que fosse sua obra.
REPERCUSSÃO
"Oiticica é tudo. Estou em estado de choque. É uma fatalidade"
LISETTE LAGNADO
curadora da 27ª Bienal
"É uma perda lastimável para se entender a arte internacional. Oiticica deixou as fronteiras da arte brasileira"
TADEU CHIARELLI
curador e professor da USP
"É como se um pedaço de cada artista brasileiro tivesse se incendiado também. É uma tragédia cultural"
CILDO MEIRELES
artista
"A única forma de sair dessa tragédia é replicar as obras conceituais"
ROBERTO AGUILAR
artista plástico
"Não sei quais eram as condições da casa. Vamos pedir um laudo para fazer um diagnóstico"
JOSÉ DO NASCIMENTO JÚNIOR
presidente do Instituto Brasileiro de Museus, ligado ao MinC
"É desastroso. Mais um fato que mostra como é frágil a relação entre o privado e o público. Por que as famílias têm tanto poder sobre o legado de um artista já morto?"
MARTIN GROSSMANN
diretor do Centro Cultural São Paulo
"O lamentável nesse incêndio é que destruiu uma das contribuições mais originais, inventivas e audaciosas da arte brasileira"
FERREIRA GULLAR
poeta e companheiro de Oiticica no neoconcretismo
"Acho lamentável. O Hélio tem uma importância fundamental"
LEDA CATUNDA
artista plástica
minhas lagrimas na manha de domingo evaporaram com as rispidas e certeiras palavras de cipriano.
nada, ninguem a nao ser a alma do artista, leve e limpida...quase toda a obra consumida pelo fogo, chama que queima, tambem liberta e purifica, resta o consolo virtual