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agosto 31, 2009
No país das maravilhas por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 26 de agosto de 2009.
Curiosidades e fantasias sobre o corpo humano aproximam as poéticas de Fernanda Chieco e de Laura Lima ao espírito surrealista
Visitar as exposições individuais de Fernanda Chieco e de Laura Lima é como penetrar em dois gabinetes de curiosidades sobre o corpo humano. Em "Os Catamoscas", a paulista Fernanda Chieco desfia sua dupla verve de enciclopedista e ficcionista ao criar uma série de desenhos que representam indivíduos cujas línguas se prolongam para o infinito.
"Foram apelidados catamoscas por apresentarem características semelhantes a suportes para fitas pega-moscas, quando agrupados em duplas", escreve a artista em um texto que integra a exposição na Galeria Leme, em São Paulo. Em cada um dos desenhos, ela desenvolve uma nova situação coletiva envolvendo o uso das línguas. Projetadas de corpos humanos nus, as línguas criam teias, campos magnéticos e outros vínculos.
A "ficção" de Fernanda parte de informações científicas "reais": "Existem estudos que apontam a língua como o músculo mais forte e flexível do corpo humano. É um órgão que se regenera muito rapidamente. Quando morremos, naturalmente recolhemos a língua. E numa morte súbita essa língua se desconecta do corpo. Enfim, dá para se criar muita coisa em cima dessas informações reais", diz. No gabinete de curiosidades de Laura Lima, na Galeria Laura Alvim, no Rio de Janeiro, quatro salas expõem objetos e imagens que parecem saídos de um mundo à parte, digno de Lewis Carrol, Magritte ou do grupo surrealista de André Breton.
Oito homens e mulheres colaboram na exposição, oferecendo mãos e braços que atravessam as paredes, segurando objetos. Em uma das salas, fotomontagens apresentam imagens de monólitos em levitação, pinturas voadoras e esculturas de fumaça. Na sala anexa, uma incrível coleção de esculturas em forma de cachimbos, cigarros e charutos.
A exposição é arrematada pela instalação "Fumoir", autêntico fumódromo, em que o visitante é convidado a fumar cigarrilhas enroladas por braços que saem da parede. "Além da fumaça produzir um estado inebriante, estão sendo discutidas também as noções de escultura e de concretude. Como a fumaça, a arte tem momentos de concretude e de dissipação", diz Laura, que concebeu a mostra "Nuvem" antes de o cigarro ter sido banido do convívio social pela lei antifumo que entrou em vigor em São Paulo e depois foi aprovada no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
"Há muito tempo não se pode fumar no interior de uma galeria. Com a exposição, faço uma citação aos estados de comportamento que não são totalitários", diz. Dentro da obra de Laura, é impossível esquecer a célebre pintura "Ceci n'est pas une pipe" (1929), de Renné Magritte, e todo seu efeito de implosão sobre os padrões de comportamento e de representação artística do mundo.
Mas, muito além de Magritte, ambas as exposições guardam forte relação com os traços literários, oníricos, subversivos e sexuais do surrealismo. Diria-se que ambas são estimuladas por um impulso surrealista que se dissipa tão rapidamente quanto nasce.
Roteiros
Tamanho não é documento OBRA MENOR/ Ateliê 397, SP/até 1º/9
Como o título anuncia, a ideia dessa exposição coletiva é reunir "obras-miniaturas", ou seja, em formatos pequenos, mas também obras em suportes e linguagens pouco experimentados por seus autores. Albano Afonso, que tradicionalmente trabalha com fotografia e instalações luminosas, investiga aqui um suporte pouco explorado anteriormente: o vídeo. Na coletiva "Obra Menor", ele apresenta uma videoinstalação com diversos canais comunicantes. Já Paulo Almeida ocupa o espaço com um trabalho quase imperceptível. São pinturas instaladas nos cantos superiores da sala e que simulam espelhos. Espalhados pelo Ateliê 397, as obras dialogam entre si, mas também com os diferentes cômodos da casa. Lucas Arruda, por exemplo, ocupa a cozinha com pinturas. A coletiva serve aos objetivos do Ateliê 397, que são favorecer a experimentação e permitir a troca entre artistas consagrados e aqueles que ainda não frequentam o circuito das galerias. Ao lado de obras de veteranos como Sérgio Sister (foto) aparecem jovens recém-formadas como Patricia Brandstatter e Paula Coelho. "Essa convivência faz o Ateliê virar um ponto em que o artista se sente super à vontade para discutir o próprio trabalho. Ele pode experimentar e até testar um trabalho para depois desenvolver a ideia e levá-la para uma galeria com mais segurança", explica a artista Sílvia Jábali, uma das idealizadoras do espaço.
Fernanda Assef