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agosto 25, 2009
Tinta fresca por Mario Gioia e Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Mario Gioia e Silas Martí, originalmente publicada no Caderno Mais no Jornal Folha de S. Paulo, em 23 de agosto de 2009.
Renovadores da pintura no país, artistas da geração dos anos 1980 e da década atual falam de suas influências e do papel de destaque que a linguagem ganhou na produção artística brasileira
Nos anos 80, jovens na faixa dos 20 anos ficaram na linha de frente da arte brasileira e tornaram famosa essa década como a da retomada da pintura. Nos anos 2000, um coletivo de jovens na faixa dos 20 anos foi, pouco a pouco, conquistando o mercado, a crítica e o circuito das instituições.
Hoje, nomes da geração 80 e da geração 00 partilham desse bom momento da pintura, que tem provocado reações positivas no meio artístico brasileiro. A Folha reuniu para um debate sobre a pintura destacados representantes dos anos 80 -Fábio Miguez, 47, Paulo Pasta, 50, Paulo Monteiro, 48, e Sérgio Sister, 61- e artistas emergentes da novíssima geração, participantes do coletivo 2000 e Oito -Bruno Dunley, 25, Marina Rheingantz, 25, e Rodrigo Bivar, 27.
No encontro, surgiram influências comuns -Matisse, Albers, De Kooning-, mas os novos artistas já se beneficiam de um mercado mais estável e da própria ascensão do trabalho dos oitentistas. "A pintura chama uma coisa para si que é falsa, a de ser mais afeita ao mercado e mais fácil de ser vendida. Isso é uma bobagem", opina Pasta, com a concordância de seus colegas. "Eu sou um experimental, sim."
Pasta, que reivindica maior atenção da historiografia para sua geração, é um dos artistas cuja obra será catalogada pela produtora Mó Cultural, que planeja colocar até o fim do ano no ar um site com sua obra e as de Miguez, Monteiro, Rodrigo Andrade e Ester Grinspum. A seguir, trechos do debate.
Folha - Há semelhanças entre essas duas gerações de pintura. Para parte da crítica, a geração 80 é uma reação ao experimentalismo dos anos 70. Nos anos 2000, a arte conceitual predomina em boa parte do sistema institucional, e aí surge o coletivo 2000 e Oito. Como veem esses dois momentos?
Paulo Pasta - Eu, por exemplo, pude dar aulas de pintura para o Bruno Dunley. Eu não tive isso. Quando comecei, nos anos 80, já estava muito ligado à pintura. Acho que ela foi favorecida e fez ressurgir a arte brasileira, dentro daquele lugar estagnado no qual estava, com o conceitualismo e a ditadura. Durante um certo tempo, nos anos 70, a arte no Brasil virou sinônimo de luta política.
Os anos 80 tiveram essa "desopressão", essa vontade de a arte não nascer mais do confronto político e de poder nascer de outras fontes. Só que a escola onde eu estudei [ECA-USP] estava identificada com outro tipo de arte. Eu queria pintar, mas era obrigado a não o fazer.
Aí vem essa história do experimentalismo dos anos 70... Fico me perguntando: o que é experimentalismo? Eu acho que faço experimentalismo quando mudo a minha escala, quando mudo meus temas, quando faço experiência com tons -eu sou um experimental.
A gente tem de mudar esse enfoque do experimentalismo, senão vai chegar àquela história de um progresso interno da arte, a uma espécie de teleologia. O destino da pintura vai ser a evasão dela? O destino é a tecnologia? Havia essa certa ideologia, sim, nos anos 70, uma crença ingênua. Essa coisa se perdeu, graças a Deus.
Paulo Monteiro - Primeiro teve a ditadura, que era barra-pesada. Não vinha nada para cá também, as bienais estavam empobrecidas. Embora a volta da pintura nos anos 80 tenha sido um lance de mercado, outras coisas centrais do Primeiro Mundo na história da arte também foram lances do mercado.
A volta da pintura foi importante. Viu-se que um objeto duchampiano deslocado de um lugar para o outro pode ser muito mais reacionário do que uma pintura.
Fábio Miguez - Eu reivindico um estatuto experimental para meu trabalho. Não repito uma exposição. É como se o experimental estivesse em vídeo ou em outras áreas. Você pega essas últimas Bienais, por exemplo. Numa das mais recentes, com curadoria da Lisette [Lagnado, em 2006], 90% das instalações tinham vídeo. Isso é uma "academia".
Nessa última [no ano passado, com curadoria de Ivo Mesquita], nem tinha pintura. Se você tem uma Bienal inteira onde todo mundo faz vídeo, isso é uma coisa escolar.
Bruno Dunley - Acho que com o 2000 e Oito é um pouco diferente. Minha formação já veio com essa arte dos anos 60, 70. Vejo um momento bom para as coisas conviverem.
Rodrigo Bivar - Quando eu tive aula, tive com pintor, tive aula com fotógrafo. Eu podia escolher, não tinha que responder a nada. A gente poderia ter escolhido o vídeo, a fotografia.
Folha - As duas gerações se consolidaram por meio de grupos. Nos anos 80, o Casa7; recentemente, o coletivo 2000 e Oito. Foi mais fácil se afirmar por meio deles?
Miguez - O grupo foi fundamental. Foi uma forma de a gente suprir a falta de escola, algo institucional, porque ninguém fez faculdade de artes lá no Casa7 [formado em 1982 por Miguez, Monteiro, Nuno Ramos, Rodrigo Andrade e Carlito Carvalhosa].
Monteiro - Houve uma reação muito contrária ao Casa7 de cara. Lembro de críticas nos jornais, as pessoas falavam que era fogo de palha, outros falavam que era "centro de dezenovistas", os "novos dezenovistas". Depois, houve mais troca.
Bivar - Acho que nosso caso é diferente do Casa7. Lá, de fato, eles dividiam o ateliê, tinham trabalhos similares. No 2000 e Oito [além de Bivar, Dunley e Rheingantz, integram o coletivo Ana Elisa Egreja, Marcos Brias, Regina Parra, Renata de Bonis e Rodolpho Parigi], a gente se juntou para fazer uma exposição. De certa forma, foi muito mais um fenômeno de mídia do que de crítica.
Marina Rheingantz - Ninguém nem conhecia nosso trabalho.
Pasta- Eu e o Sérgio Sister podemos dar um depoimento diferente, porque não éramos do Casa7. Nasci no interior, vim para São Paulo fazer escola de arte e queria pintar. O pessoal com quem eu mais me identificava era com o Casa7.
Sérgio Sister - Tive uma trajetória completamente autista até 1986. Expus lá na galeria Paulo Figueiredo, já conhecia algumas pessoas em 1983, depois em 1986, mas acho que a coisa mais importante foi quando a gente se juntou em 1987, 88, aí virou um grupo. Eram Casa7, Paulo Pasta, Laura Vinci, Célia Euvaldo, Marco Giannotti. Era legal porque tinha uma conversa de arte.
Folha - E quais são as suas influências ao pintar?
Miguez - Matisse foi uma das razões que me fizeram começar a pintar, sua obra me instigou a pintar. Uma das primeiras coisas que me levaram para a pintura foi ver Giotto. Ele não está tão distante de Matisse, Cézanne ou Morandi ou das coisas mais recentes, não é?
Pasta - Acho que o pintor de que mais gosto, o maior para mim, é o Matisse. Se a gente tem a ideia do Picasso como genial, o grande inventor, o grande revolucionário da forma, a gente não pode esquecer que o Matisse fez a mesma coisa com a cor, houve a cor antes do Matisse e depois do Matisse. Outro na história da pintura é o [Pierre] Bonnard. Ele também estende esses limites da cor. Eu gosto, tendo a me identificar muito com esses pintores que têm o tratamento da cor. Albers, por exemplo, que ganhou mostra no Instituto Tomie Ohtake ["Homenagem ao Quadrado", encerrada em março passado], tem uma obra muito rica para a gente. Aqui no Brasil, gosto muito de [Alfredo] Volpi. Foi um grande pintor.
Monteiro- Eu gostava desses caras, Gauguin, Picasso. Mais ou menos com uns 13 anos, comecei a fazer história em quadrinhos. Adorava o cara do Pafúncio [George McManus, 1884-1954], o dos Sobrinhos do Capitão, o R. Dirks [1877-1968], imitava a assinatura dele. [Philip] Guston me chamou a atenção por causa disso. tinha uma coisa de quadrinhos na pintura. Tive uma identificação forte com ele.
Sister - Eu gostava muito de Modigliani e Picasso. Gostava de copiar aqueles pescoções do Modigliani, gostava daqueles olhos vazados.
Rheingantz - Eu comecei copiando, colecionava rolinhos de papel higiênico para construir umas naturezas-mortas, pensando, talvez, nos carretéis do Iberê [Camargo]. Não tenho essa ligação poética que Iberê tinha com os carretéis, era uma coisa mais para descobrir o que pintar mesmo, para ter o que pintar. O [Willem] De Kooning foi uma descoberta também. E o Nicolas de Staël, uma relação da paisagem com a abstração, que me interessa muito.
Bivar - A primeira relação com arte que eu tive foi pelo cinema. Quando comecei a estudar arte, um artista que era quase que imediatamente próximo, de certa forma, era o [Andy] Warhol, que eu achava que era um mundo que eu já conhecia, dominava. Mas, para mim, quem está no trono é o [Edouard] Manet. Quando eu comecei a estudar arte, não gostava do Richter [Gerhard, pintor alemão], mas é um artista de que você não consegue fugir, aprendi a gostar da sua obra.
Dunley - As influências também são coisas de momento, vão mudando. Mas as minhas primeiras foram coisas que eu fui vendo aqui mesmo, em São Paulo. O que me deixava entusiasmado era arte brasileira. Sempre acompanhei o trabalho do Fábio, do Paulo, do Monteiro, do Sérgio. Mas quando eu descobri a Mira Schendel, fiquei besta [risos].
Folha - A geração 80 reabilitou muitos artistas brasileiros, não?
Sister - Sim, houve uma recuperação do neoconcretismo, de toda uma cultura que vinha da década de 50. A Mira Schendel, que estava praticamente abandonada, voltou a ser lembrada. A gente se aproximou também do Amilcar. Fizemos um livro sobre a obra dele, na raça. Até 1990, não havia nenhum livro do Amilcar de Castro no Brasil.
Miguez - Havia também o Jorge Guinle [pintor fluminense, 1947-87]. O Jorginho fez um trabalho acima do que nós fazíamos, o melhor dos anos 80. E a gente começou a descobrir o [Oswaldo] Goeldi, que foi um cara que apareceu de novo naqueles anos.
Folha - E a relação com o mercado, como vocês a veem?
Miguez - No momento em que a gente surgiu, era um momento bom do mercado. Havia várias galerias em atividade, com um certo vigor. Mas todos nós mais velhos aqui já passamos por momentos de crise. E a década de 90? A Folha decretava a morte da pintura uma vez por semana.
Pasta - A pintura chama uma coisa para si que é falsa, que seria mais afeita ao mercado, mais fácil de ser vendida. É bobagem, porque o que mais vende agora não é pintura.
Miguez - Essa questão de a pintura ser uma coisa de mercado não resiste a um exame básico de números. O problema do mercado é a fugacidade com que as coisas são vistas hoje.