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agosto 7, 2009
Exposição debate valor monetário atribuído à obra de arte por Monique Cardoso, Jornal do Brasil
Matéria de Monique Cardoso originalmente publicada no Jornal do Brasil, em 10 de julho de 2009.
Na exposição que abre neste sábado na galeria A Gentil Carioca, no Centro, o artista plástico Carlos Contente parece que resolveu abrir o jogo. Explica tintim por tintim o que acontece na cena da arte contemporânea. Na narrativa visual, composta por desenhos, telas objetos e esculturas, mais uma vez insere seu personagem autobiográfico – a carinha em estêncil que faz trocadilho com seu nome – como condutor da história. Compradores de mundo mostra como funciona o universo em que ele, originalmente conhecido por seu trabalho em grafite e outras intervenções urbanas, se inseriu, depois de ultrapassar a fronteira das ruas e muros da cidade para entrar nas galerias pela porta da frente. Além de si mesmo, na figura do artista, Contente retrata uma série de outros personagens-chave que simbolizam as etapas da cadeia produtiva da arte. A escolha do tema não é difícil de explicar: ele mesmo, um jovem artista, está se percebendo dentro deste sistema.
– As obras formam um jogo de tabuleiro, como um Banco Imobiliário, onde se compra e vende arte – sintetiza Contente. – Resolvi falar diretamente sobre este sistema a partir do momento em que fui percebendo como ele funciona. Não que eu não soubesse, mas uma coisa é saber, outra é saber estando dentro dele.
Passado há pouco dos 30 anos, Carlos Contente está rotulado na categoria dos “jovens artistas” e, dando-se conta do papel que lhe coube, começou a criar a partir do incômodo e da inquietação causados pela certeza de estar, desde que passou a viver de arte – trocando em miúdos, quando entrou no circuito das galerias – sendo avaliado o tempo todo.
– É sua criação, sua tela, ou o que seja, que vai para o mundo e ganha preço. Seu valor vai ser medido e julgado ao lado do trabalho de outros artistas que eu gosto, ou que eu não gosto. O valor financeiro não é o valor romântico que a gente atribui – conclui.
Por mais que pareça irônico, o fato de estar sendo, como ele diz, avaliado o tempo todo, é o que demonstra sua inserção neste mercado. Ele tem obras nas principais coleções privadas e públicas do Brasil e do exterior como a do MAM do Rio, a de José Olympio Pereira, de Luiz Augusto Teixeira, de Julio Verme (Lima, Peru), entre outros. Suas obras têm viajado para importantes feiras como a Arco, de Madri, a SP Arte e a feira de Buenos Aires.
O pouco entendimento sobre como o mercado de arte pôs o artista, cujo suporte principal é o desenho, para pensar. A reflexão, que foi se aprofundando nos últimos dois anos, resulta na série de trabalhos que, mais que do criticar o sistema, propõe uma discussão aberta sobre um tema sempre tratado de maneira velada.
– Sempre achei isso muito esquisito, se fala bem pouco sobre como o ciclo funciona. Nas escolas menos ainda. A gente ouve sobre história da arte, sobre quem foram os grandes nomes, mas não se explica como se criou valor para artistas lá fora, desde Duchamp.
Uma das figuras mais recorrentes nas obras é uma espécie de Pac-Man, aquele mesmo do video game, que aparece incorporando o papel do colecionador de arte, cujo maior prazer é algo quase que insaciável, coleções nunca estão completas. Os desenhos também mostram a relação financeira estabelecida: com a boca ele pega as obras, com a mão oferece moedinhas.
– A relação do colecionador com a obra é conceitual, por causa da apreciação estética, da paixão e, ao mesmo tempo, financeira. Arte é um investimento – explica Márcio Botner, diretor da Gentil.
Apesar de a parceria com Botner estar de pé há três anos, nem ele escapou deste raio x – uma “crítica carinhosa ao sistema”, nas palavras do artista. Nos desenhos, das bocas do crítico e do curador saem um interminável blablablá. Em outras cenas, o galerista é visto como o coelho de Alice no País das Maravilhas, acompanhado ora de uma balança que atribui valor, ora de um bolo partido ao meio.
– Há muitos intermediários. O crítico, o curador, o galerista, muita gente que vive da fala em torno da obra, se alimenta da expressão poética do artista. O que tem mais valor, este discurso todo em volta, ou a obra em si? – questiona.
Apesar das constatações, Contente não adotou o tom de reclamação. Faz questão de frisar que não se vê, e que não vê o artista em geral, na condição de vítima. É uma peça no tabuleiro.
– Esta série de desenhos saiu de maneira meio catártica. Não há muito como fugir, é uma situação paradoxal. Cada vez mais estes meus autorretratos passaram a mostrar como eu estou me sentido.