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julho 30, 2009
É permitido fumar e ter delírios na galeria surrealista de Laura Lima por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada por Suzana Velasco no Segundo Caderno no jornal O Globo, em 29 de julho de 2009.
Artista reconfigura espaço de exposição e cria um fumódromo em frente ao mar
Esqueça o que você conhece por uma galeria de arte. Na exposição “Nuvem”, de Laura Lima, a galeria da Casa de Cultura Laura Alvim ganha paredes tortas, fotografias penduradas em desnível, além de uma orelha e mãos (reais) como suporte de obras. Um dos corpos presentes — coberto, como os outros, por paredes — revela apenas as mãos, que, a partir de amanhã, enrolam fumo e acendem cigarros para os visitantes, numa sala de frente para o mar de Ipanema, de janelas abertas, para quem quiser fumar.
— Existe uma oscilação na disposição das obras, relacionada à própria fumaça, que num momento é tão concreta, mas logo se dissipa — diz Laura. — O que se discute na exposição são questões razoavelmente formais: a altura em que se penduram as imagens, a apropriação das fotos de alguém, o status da galeria, que é um lugar tão formal, mas, aqui, apresenta mistérios que saem das paredes.
As fotos apropriadas por Laura foram retiradas de um livro sobre art nouveau, e alteradas por photoshop. A artista fez delas cenários para pequenas exposições, num jogo com o espectador sobre o que é original e o que foi alterado. Imagens de obras da artista se misturam aos objetos de uma tabacaria, cadeiras ganham novas pernas, esculturas voam, a fumaça se espalha pelos ambientes.
Laura já expôs mulher dopada com comprimido para dormir
A manipulação digital de imagens de outra época, em preto e branco, a disposição das obras na galeria, a fumaça e os membros de corpos humanos dão um clima surrealista à exposição. Laura reconhece a relação, mas diz que não quis transportar qualquer influência direta do movimento para a galeria. Para ela, muitas das propostas da mostra estão ligadas a discussões sobre escultura, inclusive o fumódromo, que reúne elementos com o objetivo de criar fumaça. Charutos, cachimbos, fumo de rolo e cigarros estão à disposição do público, que tem um banco para se sentar, ao lado de um grande cinzeiro, onde as cinzas podem ser apagadas num castelo de areia — uma escultura tão temporária quanto a fumaça que se forma no ambiente.
Os oito homens e mulheres que cedem seu corpo como suporte de quatro peças são divididos em dois turnos, revezando-se em cada peça. O uso do corpo — que, para Laura, é o pilar desta exposição — é constante na obra da artista, que nunca usa a si mesma. Em “Dopada”, da série Homem=Carne / Mulher=Carne, ela expôs uma mulher adormecida depois de tomar um comprimido, uma obra hoje pertencente a Inhotim, em Minas Gerais. Em “O puxador”, da mesma série, cordas saem de uma mochila, vestida por um homem como sua única roupa, e são presas em árvores do lado de fora do espaço de exposições.
— Não são performances. Se for necessária uma classificação, têm mais a ver com a esculturas — afirma Laura, que, apesar disso, foi a primeira artista a ter um trabalho considerado performance comprado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. — O corpo é visto como matéria para se construir algo.
Não só o corpo, mas a ideia de elemento vivo perpassa suas obras. Vencedora do Prêmio Marcantonio Vilaça de 2006, a artista já reuniu pavões e faisões que comiam uma refeição preparada por um chef, com louças que criou, e 70 pássaros num viveiro em que se transformou a galeria A Gentil Carioca, da qual é sócia, desde 2003, com os artistas Márcio Botner e Ernesto Neto.
Além de ser galerista, a artista, que já participou da Bienal do Mercosul de 2003, será uma das curadoras da exposição deste ano, inaugurada em 16 de outubro, em Porto Alegre. Ela diz que está montando uma surpresa, que vai reunir dez artistas, como Cabelo, Romano, Márcia X. e Ricardo Ventura, em torno do absurdo:
— O delírio é fundamental.