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julho 30, 2009
Crítica ao mercado dentro de uma galeria por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno no jornal O Globo, em 23 de julho de 2009.
Iran do Espírito Santo expõe no Rio pintura que questiona as íntimas relações entre a arte e o comércio
Em sua primeira exposição numa galeria comercial do Rio, o artista paulistano Iran do Espírito Santo critica o ritmo desenfreado do mercado de arte. Os objetos e desenhos mais vendáveis estão lá, numa segunda sala, mas o salão principal da galeria Arthur Fidalgo (no shopping dos antiquários, em Copacabana) tem suas duas principais paredes ocupadas por uma pintura que, em 54 tons de cinza, passa gradativamente do branco ao preto. Aberta hoje ao público, essa é a quarta versão da obra "En passant", que já foi apresentada em duas outras galerias - em São Paulo e em Nova York - e está exposta em Inhotim, uma das mais importantes instituições brasileiras de arte contemporânea, em Minas Gerais. Para o artista, não se trata de uma briga com o mercado, mas um comentário sobre a contaminação da produção de arte pelas exigências de feiras e galerias.
- Foi uma resposta bastante pessoal em relação à voracidade do mercado. É até irônico fazer esses trabalhos em galerias, mas estava bastante cansado dessa velocidade do consumo, apesar de depender dele - diz o artista, que não limita a obra a essa motivação. - É claro que não se explica de maneira tão simplista. Existe uma articulação formal com o espaço arquitetônico e com a pintura.
Iran do Espírito Santo começou a trabalhar como artista nos anos 1980, alternando pinturas de parede, desenhos e esculturas como as exibidas na galeria, em que reduz objetos do cotidiano, como um copo ou uma lata, a seus elementos essenciais. Mas o artista só entrou para o circuito comercial na década seguinte.
Segundo ele, foi boa essa demora para conseguir se manter com a própria arte: - Esse tempo criou uma distância necessária, deu para experimentar bastante. Cada vez mais cedo se deve estar inserido no mercado. Toda essa loucura das feiras cria uma pressão sobre os artistas que segue o tempo do mercado, da bolsa, não o tempo da arte.
Artista se decepcionou com a última Bienal de São Paulo
Na exposição, o jogo de sombra e luz de pretos, brancos e cinzas também é explorado em quatro desenhos, parte de uma série de mais de cem, e num fotograma, que resgata as experiências do artista num laboratório fotográfico, onde trabalhou quando era adolescente.
E esculturas das séries de latas, copos e espelhos mostram a relação do artista com os objetos do cotidiano, que, reduzidos a linhas e volumes, exigem atenção do espectador, que muitas vezes se pergunta: "Isso é uma obra de arte?". ? Na minha primeira exposição, em São Paulo, uma mulher passou pela galeria e perguntou: "Onde estão as obras?" ? lembra ele, que não gosta da classificação "minimalista", frequentemente usada para esses objetos. ? O minimalismo exclui qualquer representação, mas ela existe no meu trabalho, apesar de ele ter uma estética reducionista.
Espírito Santo estará na próxima Bienal do Mercosul, em outubro, em Porto Alegre, também com uma pintura de parede que lida com gradações de claro e escuro. Já participou de duas bienais de Veneza, em 1999 e 2007, e esteve na última Bienal de São Paulo, no ano passado.
Para ele, em geral as bienais também têm se contaminado com as exigências do mercado, aproximando-se de feiras e galerias, e sendo mais influenciadas pelo discurso de curadores do que pelas obras dos artistas. O artista acreditava que a última Bienal de São Paulo, apelidada de "bienal do vazio", pudesse ser uma crítica a essa multiplicação sem freio de obras de arte.
Mas se decepcionou: ? A exposição acabou tendo uma mão muito pesada da curadoria. O que havia de arte ficou tímido, entulhado. As obras não conseguiram falar por si só.