|
julho 17, 2009
“Não deixo mais vocês brincarem” por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 12 de junho de 2009.
Em entrevista, Nelson Leirner diz que esta é sua exposição mais séria e repleta conceito
Ocupação Nelson Leirner/ Itaú Cultural/ até 28/6
Quando Nelson Leirner enviou seu “Porco” para o 4º Salão de Arte Contemporânea de Brasília, em 1966, fazia parte da obra – alem do porco empalhado, propriamente dito – uma peça de presunto que desapareceu no trajeto São Paulo-Brasília. Mas a suposta devoração do presunto não estava totalmente fora dos planos do artista, que naquela época dedicava sua criação à participação do público. Hoje, na revisão que fez do trabalho, o presunto está engradado e inacessível. A obra integra a “Ocupação Nelson Leirner”, novo projeto do Itaú Cultural que convida artistas veteranos, dando-lhes liberdade para ocupar o primeiro andar do edifício na av. Paulista. Leirner decidiu por fazer uma revisão contemporânea de alguns de seus clássicos. Depois do artista plástico, será a vez do diretor teatral José Celso Martínez.
A citação, especialmente a Fontana ou a Duchamp, sempre foi importante em seu trabalho. Mas como é citar-se e recriar–se a si mesmo?
A idéia é conversar comigo mesmo e mostrar para o público esse diálogo: o Nelson, de quase 50 anos atrás, sentado numa cadeira, e o Nelson hoje, de cabelo branco, barba branca. Eu fico mudando de cadeira e conversando comigo mesmo.
Você fez versões contemporâneas das obras dos anos 60?
É um dialogo entre obras com 50 anos de diferença entre si. As intenções que eu tinha não são as mesmas. Aliás, são totalmente opostas. Há 50 anos, eu propunha o interativo: o trabalho tinha que ser mexido, tocado, violentado. Hoje eu dialogo com esses trabalhos dando-lhe a impossibilidade dessa interatividade.
Realmente, é impossível interagir com obras como “Homenagem a Fontana”, que contem zíperes que não podem mais ser abertos.
Mas eu não fiz com essa intenção. Esse é o efeito do valor comercial que a obra adquiriu. O dono da obra pede, pelo amor de deus, não me deixem abrir o zíper. Então o que eu faço? Uma série de obras que mostram zíperes que não mexem. No “Porco”, você não pode saborear o Pata Negra. Originalmente, a obra tinha um presunto que foi comido. Hoje eu coloquei o presunto de tal maneira que você não pode mais comer. Na cadeira (de “Tronco com cadeira”, de 1964), você não pode sentar. É como se eu dissesse pra vocês: eu quis que vocês brincassem, mas minha vontade não foi respeitada. Agora eu não deixo mais vocês brincarem.
Mas ao substituir o presunto comum pelo Patanegra, o presunto mais caro do mercado, você não está sugerindo que nesses 50 anos “evoluímos” para um consumismo selvagem?
O próprio “Porco”, se estivesse hoje na minha mão, seria o grande item de consumo. Se me devolvessem o porco hoje, a sociedade me compraria por uma fortuna.
Por que naquela época fazia sentido declarar guerra ao sistema de galerias e instituições e hoje não mais?
Porque não existe mais esquerda e direita, não existe mais bifurcação. Hoje você anda numa linha reta, você não tem mais escolha de lado. Você é um andarilho solitário numa estrada.
Por que não temos uma discussão pública nos jornais como a que tivemos entre você e Mario Pedrosa no jornal “Correio da Manhã”, sobre o “Porco”?
Porque a discussão era provocada pelos artistas e hoje ela é provocada pelas próprias instituições, o artista não tem palavra. O artista não está mais envolvido, como estava antes.
Mas ainda temos gestos como a retirada do Cildo Meireles da 27ª Bienal em protesto à reeleição de Edemar Cid Ferreira ao conselho da Bienal.
Mas não tem mais efeito. O consumo dismistifica. Ele faz isso hoje, mas, na próxima Bienal, quando for convidado, ele pode estar lá. Pergunte-se se hoje em dia um artista pensa antes de aceitar qualquer coisa. Todo convite de instituição ou de galeria deveria ser rejeitado, se você se posicionasse. Mas aí você morreria. Duchamp já falava: trabalho sem interlocutor não existe. E a instituição virou nosso interlocutor.
Antes você ainda tinha o mail art, o outdoor, o jornal, todos outros meios para fazer o trabalho existir fora da instituição. E hoje?
Tudo é consumido. Faça um outdoor hoje, se consome. Faça uma performance, se consome. Faça o grafiti, veja o que aconteceu com o grafiteiro hoje. Já começou com Basquiat.
Mas a pixação parece que ainda não foi consumida.
Mas já está em livros, já está documentada. Você vai na livraria, já existe uma sessão especial de livros de pixação. Enorme.
Mas os pixadores que invadiram a 28ª Bienal argumentam que a única maneira da pixação entrar numa instituição de arte é através da invasão.
Até o dia que o Agnaldo Farias (curador da mostra “Ocupação: Nelson Leirner) for curador e fazer uma Bienal toda pixada. Aí os pixadores vão lá pixar. Assim como o grafiti entrou. É só ter alguém que tenha coragem de fazer a Bienal da pixação.
Com quantos gigabytes se faz uma torre
47º SALÃO DE ARTES PLASTICAS DE PERNAMBUCO - O LUGAR DISSONANTE/ Torre Malakoff, Recife / até 26/7
Em Recife, na Torre Malakoff, um dos mais antigos observatórios astronômicos das Américas, acontece a exposição de arte-tecnologia “O lugar dissonante”, parte da programação anual do 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Com curadoria de Lucas Bambozzi, esta é a segunda mostra do Salão, que no início de 2009 concedeu 21 bolsas para pesquisa e produção e 24 prêmios para pesquisas teóricas em artes visuais.
As cinco obras que integram a mostra “O lugar dissonante” enfatizam a presença e interação do público com a obra de arte. “Ouvidoria”, de Lourival Cuquinha em parceria com o Grupo Hrönir, usa a tecnologia e a interatividade para relativizar a autoria. Os artistas instalaram cinco orelhões em frente à Torre, com um aviso: “Você me cederia sua informação pela possibilidade de não pagar para emiti-la?”. A proposta é trocar ligações gratuitas pelo direito transmitir as conversas em caixas de som espalhadas numa sala escura de exposição. “O público não paz parte da obra, ele é a obra”, diz Thelmo Cristovam, do Grupo Hrönir.
Em “Suíte 4 Mobile Tags”, a artista Giselle Beiguelman também usa o telefone, mas para fazer música. Quadros com imagens de QR-code – código com informações – são interpretados por câmeras de quatro celulares usados pelo público. Essas imagens são, então, enviadas para outros aparelhos, posicionados sobre os quadros. Cada aparelho tem um ringtone especialmente composto para o ocasião. “O mais gostoso é trabalhar com a possibilidade de uma suite composta de forma aleatória e espontânea entre os quatro ringtones”, diz Giselle.
Motivação similar guiou o uruguaio Fernando Velázquez em “Your Life, Our Movie”. O visitante escreve uma palavra no computador que gera uma busca na internet. E em cada uma das três telas, colocadas lado a lado, se intercalam três imagens selecionadas de páginas do Flickr. O resultado é um filme interativo, criado coletivamente, em tempo real. Para o curador Lucas Bambozzi, “Teia” de Paulo Nenflídio simboliza o mote da exposição. “É uma obra que usa de tecnologia rudimentar e se torna instrumento de interação do público com o espaço através do som. Além disso, a imagem de teia é um símbolo da construção colaborativa”, explica.
Fernanda Assef