|
março 11, 2009
Obras em balanço por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Revista Istoé, em 25 de fevereiro de 2009.
Duas exposições coletivas em Porto Alegre e São Paulo apontam para as correspondências entre arte, arquitetura e cidades (Vértice / galleria Millan, SP / até 7/3 - Lugares desdobrados / Instituto Iberê Camargo, Porto Alegre / até 8/3)
Obras para pendurar na parede? Nem sempre se encontram entre as propostas de arte contemporânea. Mais comum é deparar-se com situações em que a própria parede é a obra de arte, como ocorre com a instalação de André Komatsu na mostra Vértice. O artista não apenas construiu um muro no centro do espaço expositivo da galeria Millan, em São Paulo, como deixou-o inacabado, com as camadas da construção à mostra. Komatsu está entre os sete artistas expositores da coletiva. Cada um apresenta uma maneira pessoal de relacionar-se com o espaço arquitetônico.
A pintura do paulistano Fabio Miguez se acopla à arquitetura da galeria como uma peça articulável. No trabalho, elementos geométricos encaixam-se como jogos de montar, contribuindo para a sensação de uma construção executada “em balanço”, com tênues apoios sobre as paredes. Já as pinturas do alemão Henrik Eiben não estão exatamente penduradas, mas sim fixadas à parede por meio de ilhoses. “Comecei a pesquisa para uma exposição de pintura, mas o que mais encontrei foram trabalhos arquitetônicos, que exploravam a pintura de forma espacial. Por isso, acabei focando esse vértice entre a pintura e a arquitetura”, explica a curadora Cristina Candeloro, que também selecionou para a exposição obras de Emannuel Nassar, Lucia Laguna, Thomas Vinson e Lia Chaia. No vídeo Cidade pictórica, de Lia Chaia, uma São Paulo chuvosa é vista através do vidro do carro. A imagem se dilui à medida que as gotas incidem no vidro e a ilusão da cidade impressionista de desfaz na passagem do limpa-párabrisa.
A relação entre arte e cidade também é o fio condutor de Karin Lambrecht, na coletiva Lugares desdobrados. Seus trabalhos com sangue de carneiro nasceram da observação da cidade de Jerusalém e seus abatedouros de carne. Na mesma mostra, Lucia Koch dá seguimento à sua pesquisa com luz ambiente e posiciona filtros coloridos nas janelas e clarabóias do edifício. Já a construção de Elaine Tedesco coloca o Instituto Iberê Camargo no lugar de obra. Sua instalação não é um objeto para ser observado, mas para servir de observatório, na medida em o público é convidado a entrar ali para olhar para o que se passa fora da obra.
Crítica
O eterno retorno da cópia
Por Marisa Flórido Cesar
Vik / MAM RJ, até 8/4 / MASP, de 23/4 a 12/7
A reprodutibilidade e a manipulação infinitas das imagens, sua sedução e poder, são reflexões constitutivas da obra de Vik Muniz. Afinal, a que se deve a fascinação que exerce sobre o público? Fascínio que não se justifica apenas pelo virtuosismo da técnica (no duplo sentido, da “mão” e da máquina), por seus recursos ilusionistas, mas talvez porque o artista introduza no circuito da reprodução e simulação algo que vem transtornar os jogos da representação e da duplicação. Que vem interrogar como somos afetados no mundo da aparição fantasmática da imagem sem rastro, de um original cada vez mais obscurecido. Apagamento que a imagem digital e os programas de manipulação, como o photoshop, só fazem intensificar.
Andy Warhol já havia mostrado o eterno retorno da cópia: no lugar do original, a superfície sem fundo da série, da indústria, da publicidade, reluzindo em sua oca repetição. Investigando a fotografia, Vik Muniz insere, entretanto, outras questões: no lugar das imagens repetidas e rasas da pop art, camadas que se sobrepõem e se anulam incessantemente. É assim que vemos uma imagem da arte, cuja reprodução circula pelo mundo, copiada pela mão do artista com materiais diversos, para ser outra vez reproduzida em uma imagem técnica, uma fotografia; ou percebemos que as relações insólitas das escalas nas fotografias não nos permitem conhecer a proporção do “original”; ou que o uso simbólico dos materiais tanto pode aludir ao que está ali figurado como ao fazer artístico (a exemplo dos catadores de Gramacho feitos com lixo). As imagens extraviam-se em um jogo hiperbólico de espelhamentos e diferenças. O artista exacerba as armadilhas do trompe l’oeil.
Se à cena representada sobre a tela correspondia um sujeito capaz de dominar as aparências, o trompe l’oeil viria perturbar, na fascinação do duplo, as regras da imitação pictórica. As armadilhas de Vik Muniz não nos serenam, encadeiam-se. Não nos devolvem um sujeito apto a julgar a verdade, a distinguir o original: operam o eterno retorno da cópia como conduzem a representação à sua própria desmedida. Fazendo-a voltar-se contra si mesma, implode-a em seu poder alucinante.
Marisa Flórido Cesar é critica de arte e curadora