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Como atiçar a brasa

 


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fevereiro 27, 2009

Resposta de João Loureiro sobre retirada de obra no CCSP

Carta de João Loureiro, de 13 de fevereiro de 2009, enviada ao Canal Contemporâneo em resposta às matérias CCSP retira obra após reclamações de funcionários, de Silas Martí, e Para diretor do CCSP, decisão é resultado de diálogo e reflexão, de Martin Grossmann, para a sessão Ilustrada da Folha de S. Paulo.

Gostaria de fazer alguns comentários sobre a matéria publicada ontem, na Ilustrada, que trata da retirada de exposição da minha obra “O fantasma”, que estava instalada no acesso à área administrativa do Centro Cultural São Paulo. Acho que ocorre uma omissão fundamental nos textos publicados, que favorecem uma leitura tendenciosa do trabalho. Em nenhum momento, nesses textos, é questionada a interpretação de que o trabalho teria como objetivo mostrar os funcionários do setor administrativo como “funcionários-fantasma”. Foi essa interpretação limitada e um tanto persecutória, justamente, que deu origem à reação dos funcionários.

Para que seja dada ao leitor a possibilidade de julgar por si mesmo, acho necessário contar como pensei o trabalho. Recebi o convite da curadora Carla Zaccagnini para participar, junto com os artistas Marcelo Cidade, Fernando Limberger e Jarbas Lopes, do Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo como artista convidado. A idéia da curadora era que os convidados criassem trabalhos específicos para outros espaços do CCSP que não os destinados tradicionalmente às artes visuais, de modo a favorecer a integração entre os diversos setores da cultura que o lugar contempla.

Minha proposta inicial era realizar uma intervenção na Biblioteca Volpi, que abriga os livros de arte. A idéia era reorganizar a Biblioteca de acordo com a cor das lombadas dos livros, formando um critério catalográfico baseado na experiência visual. Para criar o sistema de catalogação por cor e programar a logística da intervenção de modo a não causar prejuízo ao público, contei com o auxílio das bibliotecárias Rejane Alves e Dina Uliana, da Biblioteca da FAU-USP. Mesmo com o sistema montado e com a confirmação de que o acesso ao acervo da Biblioteca não seria prejudicado, a proposta foi recusada, com intransigência, pela direção da Biblioteca do CCSP.

Pensei então que uma nova proposta, necessariamente, teria que ser feita com consciência desses acontecimentos. A primeira idéia era instalar nos porões do CCSP um trabalho ainda não realizado, um “fantasma mecânico”: um pano branco com olhos pretos depositado sobre uma esfera, formando a representação mais codificada possível de um fantasma, que circularia suspenso por um trilho montado no teto. O fantasma mecânico se amparava na ambigüidade entre uma imagem meio cômica e declaradamente artificial e um certo grau de terror, de desconforto com a circulação desenganada do objeto no subsolo, à revelia da vida que ocorre no seu entorno. Não era, como acredito seja possível perceber, uma crítica objetiva aos funcionários que trabalham no porão. O que havia aí de reativo era fazer o trabalho circular escondido, longe da vista do público para o qual ele seria, em teoria, destinado, já que, quando foi proposto um trabalho de maior visibilidade, ele foi rechaçado.
Seguindo essa linha, pensei em propor que os guardas noturnos do CCSP circulassem, entre o horário de fechamento e o de abertura do prédio, vestidos de fantasmas. Outra vez, interessava o clima meio melancólico e meio cômico da proposta, e também que o trabalho fosse secreto, que ocorresse em silêncio.

Durante todo esse processo, estive no setor administrativo diversas vezes. E a visão que se tem a partir da escada de acesso ao setor, de onde se avistam todas as mesas organizadas em linha até o fundo da sala, foi se tornando cada vez mais interessante para mim, o que me levou a desenhar situações com fantasmas ali. A fotografia que, afinal, resultou desse percurso é coerente com as intenções de causar estranhamento, melancolia e comicidade que existiam nos projetos que a antecederam. Preserva, também, a idéia de um acontecimento que ocorre longe da nossa vista, um acontecimento que não presenciamos – e, nesse sentido, tira partido do caráter documental que a fotografia pode carregar. Minha intenção com a fotografia “O fantasma” foi criar uma imagem de forte carga narrativa, uma cena com pequenas situações do cotidiano de trabalho de qualquer repartição ou empresa. Criar uma situação ficcional aberta, onde não parecesse possível localizar o motor da imagem. É uma cena sobrenatural? Nós aceitamos os elementos que aparecem na cena como fantasmas? Ou, se não, o que teria feito essas pessoas e objetos se vestirem assim? Por que a imagem é tão rebaixada? Por que não há drama?

Trata-se de uma situação ficcional. A câmera apresenta a cena de um ponto de vista externo, mais alto, frontal, descolado do que ocorre na imagem. A fotografia é, portanto, notoriamente planejada e construída. Todos os fantasmas “humanos” executam funções condizentes com o dia-a-dia de um escritório. Com exceção de um – que assombra. O fantasma.

É preciso considerar que o trabalho se refere mais diretamente às dificuldades da minha relação com o CCSP quando “achata” a expectativa de uma intervenção de sítio-específico nos espaços do edifício. Ao invés de uma intervenção de grande impacto visual, como a que eu havia proposto para a biblioteca, o trabalho se tornou uma imagem, emoldurada e pendurada na parede. Um “sítio-específico” de espessura mínima, instalado em local de acesso público restrito, junto à entrada para o setor administrativo. Local este que, a despeito da grande atividade, permanece invisível aos freqüentadores do CCSP. Por que se associa “fantasma” à ausência, e não ao silêncio, à invisibilidade? É que é muito mais fácil se apegar a um trocadilho – “funcionário-fantasma” – do que olhar com cuidado uma imagem, examinando as relações que ela, de fato, propõe. A polêmica entre os funcionários começou antes mesmo da foto estar pronta. Era a idéia de “funcionário-fantasma” que apavorava, e não a situação criada pela foto – que, ademais, segue pouco examinada.


Posted by Ana Maria Maia at 2:38 PM | Comentários(2)
Comments

Antes de comentar quero saber se entendi direito.
Uma proposta é de arte que ninguém vê? (lembra 28ª Bienal)
Nas outras: pessoas devem se fantasiar mesmo que a contragosto, ou uma biblioteca deve mudar sua forma de se organizar, ou pessoas devem ser obrigadas a participar, seja emprestando sua imagem ou de outra forma, em benefício da visão de arte de uma ou duas pessoas (ou 20)?

Posted by: Daniel Allenstrat at março 3, 2009 3:41 AM

Não meu caro, você não entendeu direito. As pessoas não tem de participar a contragosto: como o artista indicou, ele convidou. Por outro lado, ele foi convidado a fazer um trabalho e proibido e rechaçado em jornal. Deu para ver a diferença ?

Finalmente o funcionário fantasma é o artista, que é forçado a morrer na instituição. E voltar como espetáculo, sem obra, apenas para alimentar o jornal.

O que se prova é que o CCSP é uma instituição que abriga a arte apenas como entretenimento, a exemplo do CCBB-RJ, que em situação semelhante agiu ainda mais tolamente.

Posted by: Cezar Bartholomeu at março 10, 2009 11:45 AM
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