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novembro 7, 2008
Novo presidente do Masp é réu em processo judicial, por Mario Gioia, Folha de São Paulo
Novo presidente do Masp é réu em processo judicial
Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 4 de novembro de 2008
Ex-secretário geral do museu e colecionador vence em chapa única e inicia mandato depois de período de 14 anos da direção do arquiteto Julio Neves; Nova administração terá de lidar com dívidas do Masp; Azevedo diz estar em negociações com a operadora Vivo e prefeitura
Depois de uma assembléia geral que durou uma hora, os associados do Masp (Museu de Arte de São Paulo) elegeram o advogado e colecionador João da Cruz Vicente de Azevedo como novo presidente do museu.
Aos 83 anos, Azevedo substitui o arquiteto Julio Neves, 76, que ocupou a presidência do Masp por 14 anos. Não deve, porém, haver ruptura, segundo associados e conselheiros do museu ouvidos pela Folha sob condição de que seus nomes não fossem citados: o novo dirigente é ligado a Neves.
O Masp tem o mais importante acervo da América Latina, com obras primas de Rafael, Van Gogh, Cézanne, Matisse e Picasso.
O novo presidente do Masp é réu num processo em que o Ministério Público do Estado acusa a diretoria do museu por má gestão e pede o afastamento de seus integrantes. Ele é réu porque foi secretário-geral na gestão em que Neves era presidente. O arquiteto também é réu no processo que corre em segredo de Justiça.
Azevedo não quis comentar a acusação de má gestão do Ministério Público nem o fato de ser réu numa ação judicial.
É dono de uma coleção modesta de arte, cujo destaque é uma tela de Benedito Calixto . De família tradicional, seu interesse é a iconografia de São Paulo no século 19. Azevedo encabeçou uma chapa única, "Masp na Ativa", inscrita no processo eleitoral. Ele foi eleito para um mandato de dois anos.
De acordo com comunicado oficial do museu, Neves, "em nome dos componentes da diretoria, cujo mandato se encerrou no final de outubro, agradeceu o irrestrito apoio e confiança recebidos dos associados, dirigentes, funcionários e colaboradores do Masp, durante todo o período de 14 anos no qual exerceu o honroso cargo de presidente de sua diretoria."
Após a eleição, ele respondeu por escrito às questões da Folha. Sobre a dívida de R$ 13 milhões com a Vivo, que está sendo cobrada na Justiça, disse: "Estamos em conversações com a Vivo e com a prefeitura para em breve iniciarmos as obras do novo edifício que abrigará a escola e as atividades administrativas do Masp".
O edifício na avenida Paulista projetado por Lina Bo Bardi, que abriga o museu, pertence à prefeitura e foi cedido em comodato a associação privada que dirige o Masp, com prazo que expirou em outubro. O novo presidente não vê riscos de o museu perder o prédio -a prefeitura já fez, veladamente, essa ameaça: "A relação com a prefeitura é excelente, contamos inclusive com seu apoio financeiro. Acreditamos na continuidade dessa relação. O prédio do Masp está nas mais adequadas condições de funcionamento."
A nova diretoria, que tem mandato até 3 de novembro de 2010, tem como vice-presidente a também colecionadora Beatriz Pimenta Camargo.
Gestão de Neves foi marcada por reforma e furto
O arquiteto Julio Neves fez uma reforma no Masp que estancou a deterioração do prédio, criou uma reserva técnica para guardar obras com padrão internacional, mas deve passar para a história como o presidente que protagonizou alguns dos maiores vexames nos 60 anos de existência do museu.
Dois eventos devem marcar os 14 anos que Neves permaneceu na presidência do museu pelo simbolismo que carregam: o furto de uma tela de Picasso e de uma de Portinari, em dezembro de 2007, e o corte da luz pela Eletropaulo por falta de pagamento, em maio de 2006. O furto evidenciou que o museu, de acervo avaliado em US$ 1 bilhão, não possuía alarme nem sensores em suas obras. A interrupção no fornecimento, retomado três dias depois, comprovou a crise da instituição, para a qual o arquiteto havia sido eleito como salvador financeiro.
Neves chegou à presidência do Masp de uma maneira traumática: venceu o empresário e bibliófilo José Mindlin em 1994 por um voto de diferença, num processo em que os partidários de Mindlin dizem ter faltado lisura.
Esse trauma fez com que o grupo de Mindlin, mais liberal e com ligações mais fortes com a cena cultural, se afastasse do museu. Sem opositores e sem experiência na área, Neves fez o que quis com o museu -para o bem e para o mal.
O ponto alto de sua gestão foram as obras de recuperação do espaço físico. O prédio de Lina Bo Bardi (1914-1992) tinha infiltrações, sua cobertura estava curvando e faltava uma reserva com controle de ar e umidade para abrigar as obras que não ficam expostas -mais de 7.000, segundo estimativa de funcionários do museu.
Com o museu recuperado, Neves começou a desmontar o projeto de Lina: tirou os cavaletes de vidro e acabou com a concepção de sala única, considerada inovadora por alguns museólogos e um desastre para outros. Outra inovação da gestão foi criar uma sala VIP em um museu projetado por uma arquiteta que se definia como comunista -e, portanto, contrária, a esse tipo de estratificação em espaços públicos como o de um museu. O arquiteto tentou fazer uma torre de 110 metros de altura que levaria a marca da operadora de celular Vivo, mas o plano acabou vetado pelo patrimônio histórico.
A torre era apresentada por Neves como a solução para os problemas financeiros do Masp. As dívidas do museu somam cerca de R$ 20 milhões -a Vivo, que comprou o prédio onde seria construída a torre, cobra R$ 13 milhões na Justiça, o INSS informa que o Masp deve R$ 4 milhões à Previdência, e o débito na Eletropaulo é de R$ 3 milhões.
Com tais problemas financeiros, Neves tentou reverter a imagem do museu nomeando em 2006 um curador de prestígio, o crítico e escritor Teixeira Coelho.
Com o novo curador, o nível das exposições melhorou. O acervo passou a ser mostrado de uma maneira menos convencional e as mostras internacionais escolhidas tinham qualidade. A crise financeira e a falta de transparência, porém, continuam intocadas.