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outubro 30, 2008
Arte brasileira e Londres, velhos amigos, por Leonardo Lichote, O Globo
Arte brasileira e Londres, velhos amigos
Matéria de Leonardo Lichote, originalmente publicada no Globo do dia 30 de outubro de 2008
Curadora da Tate Modern, Ann Gallagher fala no CCBB sobre o diálogo que vem desde os anos 60
A relação entre a arte brasileira e a Inglaterra, da década de 60 até estes anos 2000, foi revista anteontem por Ann Gallagher, curadora da Tate Modern, em palestra no Centro Cultural Banco do Brasil. Em sua aula - parte da mostra “Nova arte nova”, inaugurada no último dia 20 -, Ann abordou também os critérios da Tate ao lançar seu olhar sobre os artistas brasileiros. - Vemos milhares de trabalhos antes de chegar perto de comprar algo, os curadores discutem, e levamos em conta a verba, sempre menor que nosso interesse nas obras. Nunca compramos artistas muito jovens.
As exposições que visitamos são importantes para conhecermos os artistas suficientemente e comprarmos suas obras antes que elas fiquem caras demais. Geralmente, são artistas de 30 anos, não de 20 - disse, respondendo a perguntas do público. - É preciso cuidado (ao assumir posturas ousadas). Um museu fazendo coisas experimentais é estranho, é como ver seu pai dançando. Não é o melhor ambiente para isso.
Oiticica e Cildo Meireles fazem sucesso na Tate
Dentro de seus limites de segurança, porém, Ann nota que a Tate cultiva certa porção de ousadia. Mesmo exposições montadas no museu com artistas reconhecidamente de renome, como Hélio Oiticica, em 2007, e Cildo Meireles, aberta este mês, trazem algum risco. - Oiticica era desconhecido do público de Londres, mesmo seu nome é de difícil pronúncia para os ingleses - contou a curadora.
- Mas sua exposição foi um sucesso de público, superando todas as nossas expectativas. A crítica, sem exceção, aprovou a mostra. Um resultado que nos estimulou a seguir apostando na arte brasileira e em artistas pouco conhecidos. A retrospectiva de Meireles, conta Ann, também teve resposta maior que a esperada: - Cildo Meireles, que também é um nome difícil de falar para os ingleses, tem mais visitantes que esperávamos. Há uma instalação que achei que fosse ser proibida pelas autoridades, por ter vidro quebrado, mas na verdade se tornou um sucesso, as pessoas mergulham nela. Esta (apontou para a imagem projetada no telão, da instalação “Desvio para o vermelho”, um quarto com todos os objetos pintados de vermelho) só pode ser visitada por quatro pessoas de cada vez, e os visitantes formam fila para vê-la.
A curadora apontou que a conversa da arte moderna brasileira com a cidade começou nos anos 60, com a galeria Signals - uma iniciativa de artistas com postura vanguardista: - A Signals era um ponto de encontro dos artistas. David Medalla (artista plástico filipino) conta que os Beatles iam lá. Havia muito interesse na arte brasileira nessa época. Sergio Camargo expôs na Signals, e a Tate comprou um de seus trabalhos na ocasião. Lygia Clark também expôs, mas a Tate não foi tão aventureira e não comprou nada, o que lamento muito. Para marcar a proximidade da arte brasileira com a Tate, Ann citou ainda episódios como a exposição “Century city”, de 2001 - na qual uma das cidades retratadas foi o Rio dos anos 50, na visão de nomes como Camargo, Oiticica e Lygia -, e a pintura das paredes do restaurante do museu, que teve participação de Beatriz Milhazes.
Na platéia, a artista plástica Anna Bella Geiger chamou a atenção de Ann (“Falando em meu nome e em nome de muitos outros artistas”) para que a Tate esteja atenta ao fato de que “a arte brasileira é um cenário mais complexo que apenas três ou quatro artistas”. - Reconhecemos que temos lacunas no nosso acervo de arte brasileira, não podemos contar sua história. Estamos preocupados em preenchê-las, sem deixar de comprar artistas novos - respondeu Ann.