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outubro 17, 2008
Projeto Acervo vende pacote de obras de arte sem o intermédio de galerias, por Suzana Velasco, O Globo
Projeto Acervo vende pacote de obras de arte sem o intermédio de galerias
Matéria de Suzana Velasco, originalmente publicada no Globo do dia 17 de outubro de 2008
Criador da série, Leonardo Videla diz que deseja estimular a circulação extra-oficial
Desafiando a consolidação das galerias de arte como o intermediário entre artistas e colecionadores, Leonardo Videla decidiu reunir dez artistas, incluindo o próprio, para venderem, juntos, uma obra de arte de cada um. Exposto por um fim de semana, o pacote seria vendido previamente a um colecionador por R$ 5 mil, divididos igualmente entre os artistas. No início do ano, a idéia se transformou no Projeto Acervo, que chega à sua quinta edição com uma exposição de hoje a domingo, no Espaço Bananeiras, em Santa Teresa, com obras de Arjan Martins, Ricardo Ventura, Pedro Meyer e Bianca Tomaselli, entre outros.
- Existe uma insatisfação no ar entre os artistas. Há muita coisa boa acontecendo que não está sendo mostrada pelo circuito oficial - diz Videla. - O mais importante é o trabalho circular e se relacionar com outros. A insatisfação começou pelo próprio Videla, em relação à representação que algumas galerias fizeram de sua obra. O projeto reúne artistas que são representados por galerias, ainda que muitos não tenham exclusividade, o que facilita a venda fora do espaço oficial.
- Tirando alguns artistas muito reconhecidos, o compromisso da galeria é zero no desenvolvimento dos trabalhos. Para a maior parte, o mecanismo é muito cruel - dispara ele, que questiona o percentual de 50% que elas recebem sobre as vendas. O projeto reúne artistas que vêem na iniciativa uma forma de democratização das coleções de arte. Para Ricardo Basbaum, que já participou de três edições, um dos aspectos mais atraentes é o fato de o colecionador - geralmente alguém que não teria dinheiro para comprar em galerias - adquirir as obras sem vê-las previamente, apostando na produção dos artistas. - Acho totalmente equivocado o colecionador que fica escolhendo porque gosta disso ou daquilo. O papel dele é estimular a produção do artista, confiar que ele vai produzir um trabalho importante de ser arquivado ou protegido numa coleção - afirma Basbaum.
- O projeto é um estímulo a formar novos colecionadores, que, se tiverem mais interesse, vão procurar uma galeria depois. Por isso não acho que haja um conflito. O Projeto Acervo é uma pequena plataforma de ação de um artista, não dá a chance de o comprador conhecer um período de produção. Isso é papel da galeria. Basbaum é representado pela galeria A Gentil Carioca, a mesma de Alexandre Vogler, Guga Ferraz e Simone Michelin, que já participaram do projeto ou participam desta edição. Com um perfil mais aberto, a galeria costuma fazer parcerias com outros projetos e instituições, e um de seus sócios, Márcio Botner, vai participar do próximo Acervo, previsto para novembro.
Também artista, ele vai incluir uma das obras que cria com Pedro Agilson, na dupla Botner e Pedro. - Quando participa de um projeto, o artista agrega um valor de cultura à obra dele e, conseqüentemente, será mais valorizado, filosófica e economicamente - afirma Botner, que aposta na galeria como um meio de estímulo à produção e ao pensamento de um artista. - É um casamento. Você divide a produção das exposições, das obras, e também na hora da venda.
Galeristas não se vêem como simples comerciantes
Basbaum, entretanto, acredita que a divisão deveria, pelo menos simbolicamente, ser de 51% para o artista e 49% para a galeria. Para a maior parte dos galeristas, a conta não é tão simples assim. Silvia Cintra, da galeria de mesmo nome, e Ricardo Rêgo, da Lurixs, destacam a tal relação de casamento entre galerista e artista, que tornaria reducionista a visão de que 50% é muito para o primeiro. Eles lembram que a galeria arca não apenas com custos fixos - espaço, salários, contas, equipamento e IPTU -, mas também com um investimento direto na carreira dos artistas, levando-os a feiras e aos colecionadores, além dos prejuízos com apostas que não emplacam e exposições que não vendem. Para Silvia, é uma união solidificada, que não sofre ameaças.
- Minha galeria tem uma parceria fortíssima com os artistas, um acredita no trabalho do outro. Duvido que algum participasse de um projeto desses - afirma ela. - Mas o mercado está tão saturado que as pessoas acabam tendo que criar outros meios. Aqui, toda a carreira dos artistas está sendo acompanhada, eles não precisam disso.
Ricardo Rêgo, que também é colecionador, não sabe se permitiria que um representado pela Lurixs entrasse no pacote dos “dez por R$ 5 mil”: - A princípio não sou contra nada, mas teria que ver o caso concreto para refletir a respeito. O artista precisaria ter um propósito muito bom.