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novembro 20, 2007
É do mundo que a arte trata por Moacir dos Anjos
É do mundo que a arte trata
MOACIR DOS ANJOS
Resposta ao artigo "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" de Luciano Trigo enviada à Folha de S. Paulo, em 20 de novembro de 2007, com cópia para o Canal Contemporâneo (Como atiçar a Brasa 20/11 e Ilustrada 28/11).
Leia também os artigos:
Paranóia ou Mistificação? de Marcos Augusto Gonçalves (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 22/11)
Entrando na discussão e procurando outras direções de Luiz Camillo Osorio (Como atiçar a Brasa, 28/11)
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela de Laura Vinci (Folha de S. Paulo, Ilustrada 28/11)
Resposta da artista Débora Bolsoni (Máquina de Escrever, 27/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
Sob o pretexto imodesto de discutir "os rumos da arte contemporânea", o Sr. Luciano Trigo condensa, em artigo publicado na Ilustrada em 19.11 ("É de fama e dinheiro que se trata a arte?"), um número significativo de equívocos e de lugares-comuns sobre as artes visuais. Por ser exemplar de outras manifestações semelhantes e recentes em jornais e revistas do país - em seu conteúdo simplista e em sua arrogância formal -, julgo ser necessário tecer alguns comentários sobre o referido texto, ainda que pontuais.
O autor se apóia, para formular seu juízo depreciativo sobre a arte contemporânea, em uma caracterização pueril do processo de atribuição de valor à produção recente das artes visuais, em que artistas corrompidos subordinariam o trabalho que fazem à obtenção de uma inserção dócil no "sistema" mercantil. Para o Sr. Trigo, isso se deveria ao fato de os artistas há muito terem dado as costas para críticos íntegros capazes de identificar o "valor intrínseco" do que produzem (e aqui os nomes por ele invocados não poderiam ser outros senão os de Affonso Romano de Sant'Anna e Ferreira Gullar, notórios detratores da arte atual), aliando-se a curadores e galeristas empenhados em construir a sua "fama" e em garantir, assim, o seu "sucesso" financeiro. Sem desconhecer que existem artistas, curadores e galeristas inescrupulosos, assim como existem profissionais corruptos em quaisquer outras áreas de atuação humana (seja a advocacia, o jornalismo, a política ou o sacerdócio), a generalização proposta em seu artigo só se justifica por preguiça intelectual ou por má fé dissimulada.
O articulista esquiva-se, portanto, de modo grosseiro (em ao menos dois sentidos da palavra), de buscar entender os complexos mecanismos de valoração simbólica e monetária da arte contemporânea, fundados no conflito irresoluto entre instituições diversas, tais como a mídia, as universidades, os museus e as galerias. Conflito que gera, através de intervenções legitimamente interessadas dos representantes daquelas instituições - críticos, historiadores, curadores, galeristas -, convenções instáveis sobre qualidade e preço de obras, as quais, por sua própria natureza, estão fadadas a serem recorrentemente rompidas e substituídas por mais outras. Ao contrário do que o autor sugere, é justamente do atrito constante entre juízos distintos que se constroem, a cada momento, acordos sobre o que é ou não é arte e sobre os valores com que as produções simbólicas circulam no mundo da riqueza, inapelavelmente satisfazendo alguns e frustrando outros. A recusa em reconhecer a impossibilidade de atribuir valores inequívocos e estáveis a um trabalho de arte no mundo contemporâneo - definidos, de preferência, por críticos que partilham a sua visão de mundo - faz com que o Sr. Trigo se conceda o direito de aplacar a sua legítima discordância do reconhecimento social detido por artistas contemporâneos (quer em termos simbólicos, quer em termos monetários) atribuindo-lhes, de modo vulgar, um comportamento supostamente venal.
A determinação do autor do texto em desqualificar a produção recente em artes visuais leva-o, ainda, a associar as criações dos artistas contemporâneas a repetições descontextualizadas do que foi já feito pelos "movimentos de vanguarda do século 20". Tais trabalhos seriam pouco mais, em sua visão, do que o fruto do esforço ultrapassado de "chocar" as pessoas, constituindo-se em componentes de uma estratégia "desesperada" de destacar-se frente a potenciais competidores e de ganhar maior espaço de mercado. Por estarem desconectadas de seu tempo, as obras feitas por esses artistas seriam auto-referentes e incapazes, por isso, de articularem-se às questões culturais e sociais da contemporaneidade, tal como fizeram, em sua época, os ... "movimentos de vanguarda do século 20".
Para além da contradição do argumento utilizado, em que uma presumida vinculação da arte contemporânea com os tais movimentos de vanguarda é ora denunciada como "empulhação" e ora cobrada como pertinente, o que mais chama a atenção aqui é a incapacidade do Sr. Trigo em notar a maneira como a produção artística atual vincula-se criticamente ao tempo e ao lugar onde foi criada: não somente por meio da representação de um contexto específico (cultural, político, social, econômico), mas também evocando esse contexto na própria materialidade com que se apresenta ao mundo. Incapacidade que impede o autor de considerar o roçar entre maçãs vermelhas perecíveis e a solidez branca e esculpida do mármore (parte do trabalho de Laura Vinci recentemente exposto na Galeria Nara Roesler) como locução simbólica do momento e do espaço em que vivemos nós todos. Assim como o inibe a ponderar que o fato de um quebra-molas ser construído de paçoca, matéria que desmorona mesmo ao contato físico mais delicado (instalação de Débora Bolsoni ainda exposta no Museu de Arte Moderna), pode muito dizer sobre a fragilidade do ambiente social que nos acomoda.
Que fique claro, entretanto, que a questão aqui posta não é a de cobrar adesão do articulista a essas obras, mas a de abrir-se a elas tal como elas se abrem ao mundo. Ainda que o autor do texto continuasse a não partilhar aquilo que é evocado por esses e tantos outros trabalhos contemporâneos; e ainda que contraditasse os modos como esses sentimentos de estar no mundo são neles enunciados. O fundamental, ao fim e ao cabo, é apenas não buscar medi-los e julgá-los com o metro e as razões que não lhes cabe mais e não lhes entendem o bastante.
Por fim, e ao contrário do que o Sr. Trigo afirma na primeira frase de seu texto, as exposições a que se refere e sobre as quais tece comentários críticos estiveram ou estão em cartaz apenas em São Paulo, o que lança dúvidas acerca do articulista ter-se dado ao trabalho, ao menos, de ver in loco as instalações comentadas. Ou se, como já havia decidido de antemão que as obras de Laura Vinci e Débora Bolsoni eram destinadas tão-somente a "trazer fama, viagem e dinheiro" a suas autoras, não seriam sequer dignas de um olhar atento antes de desqualificá-las do modo desrespeitoso como o faz.
Moacir dos Anjos
Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e curador de Contraditório - Panorama da Arte Brasileira, exposição em cartaz no Museu de Arte Moderna.
É realmente importante elucidar o valor dos artistas citados no texto do Sr. Luciano Trigo, ressaltando sua expressiva insuficiência sob às expressões artísticas atuais. Entretanto, Sr. Moacir dos Anjos, é importate também perceber que o que denomina generalização, no texto do Sr. Trigo, é uma questão de interpretação e de contextulização na apreensão idiossincratica de cada leitor. Penso que, com todo respeito à sua opinião, o compreendimento de uma obra de arte efêmera, permeada por subjetividades e contida subjacentemente no tempo e no lugar em que a mesma foi criada é, também, uma questão de interpretação. Portanto, e citando Marcel Duchamp "Apenas o artista, equanto artista, possui o dicernimento de qualquer objeto como obra de arte" - o que talvez o senhor Trigo não tenha tomado o devido cuidado para discernir - eu diria que a aceitação de uma estética e o compreendimento da mesma, é proveniente de um argumento conciso. Pois como já dizia O filósofo grego Theodor Adorno "hoje, na arte contemporânea, não há criação desprovida de uma discussão sobre a mesma", logo, penso que, muito embora possua razões em seu argumento, o sr. Trigo também manifestou algo espressivo nas criações das artes visuais atuais, sobre a linha tênue entre o vanguardismo e o ridiculo. Além disso, sabemos que os donos das grandes galerias do Brasil, em sua maioria são economistas. O que para mim, reforça um maior direcionamento das carreiras dos artistas emergentes, para o mecado e não para grandes fomentos que explorem, sobretudo, essa questão.
Posted by: Tito Oliveira at novembro 26, 2007 10:05 PMobrigada pelo seu comentário lúcido e pertinente sobre a matéria em questão.
Posted by: helen faganello at novembro 27, 2007 11:03 PMMoacir,
todas as pessoas envolvidas com arte contemporânea devem agradecer a publicação do seu texto. É realmente impressionante o quanto de preconceito o texto de Luciano Trigo contém. Um grande deserviço para quem trabalha seriamente todos os dias em instituições honestas interessadas em ampliar o entendimento da arte contemporânea.
O pior de tudo é que desconfio que o texto de Trigo é um plágio de uma matéria publicada no início do mês na revista IstoÉ que se utilizava dos mesmos argumentos e trabalhos para denegrir a arte contemporânea. E o Jornal Folha de São Paulo publicou sem se dar o trabalho de conferir.
Diante deste panorama triste do jornalismo brasileiro, só nos resta esperar que leitores conscientes saibam formar uma opinião crítica a despeito do que é veiculado na grande imprensa.
Um abraço,
Taisa Palhares
Pesquisadora e curadora - Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Posted by: Taisa Palhares at novembro 30, 2007 11:17 AM
Ceis tão por fora!
Há de se leir Heiddeger!
Posted by: zÉ at abril 16, 2008 4:15 AMConcordo com Ferreira Gullar, nem toda expressão é arte. A arte não pode ser feita pensando no lucro, mesmo que faça parte de um mundo capitalista. A arte sempre terá sua razão de ser, independente da manipulação do mercado, que conseguiu encaixar expressões não-artísticas no conceito de arte. Isso acabou gerando uma confusão em muita gente, que acabou pagando ao que o mercado indicava como arte. Mas no fundo sabemos o que é arte, pois seu sentido não é racional, mas sensível. E por isso saberemos quando estivermos diante de uma verdadeira obra de arte.
Posted by: Manoela Bowles at março 17, 2009 1:09 PM