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novembro 22, 2007
"Paranóia ou Mistificação?", por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de São Paulo
"Paranóia ou Mistificação?"
Texto de Marcos Augusto Gonçalves, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 22 de novembro de 2007, depois da resposta enviada por Moacir dos Anjos à Folha - É do mundo que a arte trata (Como atiçar a Brasa 20/11 e Ilustrada 28/11), comentando o artigo "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" de Luciano Trigo.
Leia também os artigos:
Entrando na discussão e procurando outras direções de Luiz Camillo Osorio (Como atiçar a Brasa, 28/11)
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela de Laura Vinci (Folha de S. Paulo, Ilustrada 28/11)
Resposta da artista Débora Bolsoni (Máquina de Escrever, 27/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
Ataques atuais à arte contemporânea lembram a crítica conservadora de Lobato ao modernismo
É célebre o artigo de Monteiro Lobato, com o título ao lado, escrito por ocasião de uma mostra de Anita Malfatti, no qual o pai da adorável Emília demonstra seu horror com a reforma da estética promovida pela arte moderna.
As pinturas de Malfatti são vistas por Lobato como reflexos de uma percepção anormal do mundo -e ele lamenta o fato de a artista ter cedido à influência das "extravagâncias" de Picasso e seus colegas.
Em seu livro "Crítica Cultural: Teoria e Prática", Marcelo Coelho toma o artigo do famoso escritor como aquilo que ele é -um modelo de crítica conservadora. E o disseca, para identificar três traços básicos em seu antimodernismo: 1) o método de julgar uma obra nova a partir de critérios já estabelecidos, anteriores e externos à própria obra; 2) a avaliação de que vivemos num período de declínio, decadência, degeneração, doença cultural; e 3) a postulação de que o crítico de arte seria um representante do "homem comum", enganado pelo artista. O autor observa com argúcia: o crítico "é ao mesmo tempo fiscal, médico e promotor de Justiça".
É impossível não pensar nas reinações conservadoras de Lobato ao ler opiniões como as expressas pelo jornalista Luciano Trigo em artigo publicado pela Ilustrada (19/11). O alvo agora não são mais as distorções formais e cromáticas da arte modernista, já institucionalizada. A doença é a arte contemporânea.
O articulista, na realidade, parte das idéias de nossos dois grandes candidatos ao Troféu Paranóia ou Mistificação do Século 21, a saber, os críticos e poetas Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant'Anna. Ambos têm regularmente atacado as extravagâncias da produção artística atual.
Não raro, como no artigo de Trigo, as opiniões aparecem recheadas de preconceitos e rancores em relação ao mercado de arte, ao suposto "descompromisso" das obras e à inevitável interface midiática da cultura no mundo de hoje.
Não falamos de um reconhecimento crítico do território da arte contemporânea, de uma tentativa legítima de discernir o que seriam bons e maus trabalhos, bons e maus artistas. O que temos é a negação "in totum" da produção de nosso tempo, uma vontade perversa e frustrada de anulá-la, em nome dos "verdadeiros" cânones.
Daí a incrível capacidade de generalização do argumento, que segue a linha "tudo é a mesma coisa": uma arte que não apresenta "nada de novo ou original", é "desligada da realidade" e realizada por gente interessada apenas em "fama, viagens e dinheiro". O que é, na melhor das hipóteses, ignorância.
Não concordo com a opinião de Gullar e Trigo sobre as instalações de Laura Vinci e Débora Bolsoni, mas eles, obviamente, como outros críticos, podem detestá-las. Outra coisa é desqualificá-las e tratá-las como sintomas de uma doença maior que precisa ser erradicada.
Não creio que, no futuro, esses ataques venham a ser lembrados. Se o forem, provavelmente servirão apenas, como o texto de Lobato, para ilustrar o anedotário crítico do século.
Também do lado de cá, há grupos com o mais puro preconceito contra os suportes tradicionais do século passado que artistas de hoje ainda usam nas suas produções visuais. É evidente o ressurgir de uma nova ruptura, e isso é inevitável. Naturalmente o discurso corretamente político deixará de existir para dar lugar ao debate identificador de posições de quem é quem no terreno das nossas produções artísticas contemporâneas. Muitos estão confusos com essa aceleração mediatica. É nítido cada vez mais a necessidade de se identificar posições e situar especificidades, em tese "cada macaco no seu galho..." Talvez seja esse um dos apontamentos desse " vazio" oportuno... A comparação do tempo conservador de Monteiro Lobato com o momento presente de Ferreira Gullar é um argumento pouco original, de certo modo apropriado, más não identificador.
Posted by: Roberto Silva at novembro 25, 2007 2:10 AM
Gosto muito dessa saída da toca, desse dar a cara á tapa, que os atores ou pretensos atores das artes visuais brasileiras estão vivenciando, acho, entretanto impressionante a inabilidade de todos, na condução e no desenvolvimento desse fio embrionário de polêmica. Nele há arrogâncias, para todos os gostos, de um lado há acusações, achincalhes insultos desferidos em um bom e articulado português.
Acho muito bacana que um articulista de um Jornal tipo Folha de São Paulo, tenha atirado essa bela casca de Banana, onde a "inteligentsia" esnobe e hermética, foi obrigada a cair, pois para esses curadores elogios a pertinência de artistas e a conceitos por eles enrredados, são sempre muito ben-vindos, só os elogios, isso parece fundamentalismo, mas os curadores podem comportarem-se dessa maneira, afinal eles são atores de um período dos extremos ( era do neoliberalismo). estão muito bem obrigados, nessa tarefa de concentração de talentos e rendas nessa farra hipócrita e pseudo democrática de dinheiro público largamente usado por instituições privadas que arrogam-se a modeladoras de uma arte culta primeiro mundista no Brasil.
Creio que há exageros, muitos e muito fortes e, longe de desinformação e preguiça intelectual, o posicionamento do Luciano Trigo é parte integrante desse processo dialético que a todo custo busca uma saída.
O buraco é muito mais embaixo e esse acalorado bate boca para mim não passa de tentativas de ignora-lo.
Não se pode, nem de longe, comparar aquele espúrio e insensato texto que Monteiro Lobato (a quem devoto, com toda paixão e justiça, entretanto, toda a minha educação e cultura infantis) escreveu para a Anita, aos que Trigo e Gullar oferecem à produção deste nosso tempo. Lobato errou, e feio, ao apontar vícios e desvios até mesmo psiquiátricos - portanto, patológicos - à escola que provavelmente seja a maior reserva moderna de produção visual até hoje, que é o expressionismo.
Agora, maçãs e paçoquinha são um pouco demais, nénão?
O problema todo está em que determinados grupos de artistas se valem tanto das suas atitudes, que imaginam a arte estar tão esvaziada de um apelo de fato coletivo, que mostrar quilos de rapadura para que apenas meia dúzia, os iniciados, os cabeças, os cultos, se tanto (incluindo o próprio artista, entenda, significa boa arte, ou original.
Monteiro Lobato, se vivo estivesse, haveria de produzir - e publicar - matéria favorável à arte das maçãs, da rapadura e da abobrinha, já que em seu - vasto - cabedal de criação literária incluía a Tia Nastácia, doceira de mão-cheia, adorava paçoquinha no pilão,o Marquês de Rabicó, amante das abobrinhas e espigas de milho, e a Emília, que adorava maçãs caramelizadas, mas que nunca as pôde provar.
Talvez sejamos meio Emília, adoramos as maçãs, mas não as (a) provamos numa obra de arte, mesmo que efêmera. Melhor que elas tivessem sido distribuídas imediatamente às crianças visitantes da obra, assim que adentrassem à visitação.
Sou brasileiro que vive na França,mas estou sempre informado do que se passa no Brasil.Eu soube, recentemente,que quase cem pessoas se dirigiram ao Torreão,espaço de arte "contemporânea" em Porto Alegre,há uns 10 dias atrás,para assistir à intervenção que o artista catalão Antonio Muntadas faria naquele espaço.Ao chegarem lá,a única coisa que encontraram foram as 8 janelas do Torreão abertas,dando para a rua.Segundo se soube,alguns "procuravam algo" pelos cantos daquele recinto ,o que quer que fosse, que pudesse ser chamado de intervenção...e nada...A "contemporaneidade da ocasião "se encontrava naquelas janelas abertas,não sem um "discurso" explicativo,lógico! Então ,lembrei da história "A roupa nova do Rei"(conhecem?):nela, a multidão de bajuladores não tinha a coragem de dizer que o Rei não vestia nada e elogiavam sem parar aquele traje que "era nada".Apenas uma criança,que ainda não conhecia a necessidade de "concordar com tudo o que lhe fosse apresentado",apontou para o Rei ,dizendo"-O Rei está nú!!!!"
Penso que Antonio Muntadas saiu de Porto Alegre dando boas risadas!!!!...............
Os artistas que usam linguagens contemporâneas
( e entre eles existem grandes talentos)têm que aceitar que outras pessoas pensem diferentemente deles .A crítica faz parte do "crescimento"e evolução,seja qual for o campo de ação.
Monteiro Lobato, ao menos, defendia padrões estéticos que tinham apenas 50 anos de idade. Marcos Augusto Gonçalves é o ultra-Lobato. Defende a repetição nauseante de uma arte hoje centenária, caduca e sem rumos, que descambou para a impostura e a cara-de-pau.
Querem romper com a tradição? Que tal começarmos rompendo com a "tradição do novo"? Que tal revalorizar a técnica, o trabalho paciente, o talento?