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novembro 5, 2007
Centro de Arte Hélio Oiticica em questão, O Globo
Hélio Oiticica
Resposta de César Oiticica à matéria de Luiz Camillo Osorio, originalmente publicada na seção Cartas, do Segundo Caderno do Jornal O Globo, do dia 3 de novembro de 2007
Hélio Oiticica
Em relação à crítica de Luiz Camillo Osorio publicada no Segundo Caderno de 28/10/2007, cabem alguns esclarecimentos;
1) O Centro de Arte Hélio Oiticica (CAHO) não foi construído para abrigar a coleção de Hélio Oiticica. O prédio foi restaurado pela prefeitura, que, em 1996, depois de pronto e após outras tentativas de utilização, resolveu fundar o Centro de Arte Hélio Oiticica, no qual foi previsto um espaço para abrigar o Projeto Hélio Oiticica e o acervo de obras e documentos que são propriedade privada de César e Cláudio Oiticica.
2) Nunca foi obrigação da prefeitura restaurar, preservar, pesquisar, expor ou divulgar a obra e os documentos do artista. Essas são as finalidades do Projeto Hélio Oiticica, tal como formuladas em seu estatuto, feito em 1981, pelos irmãos do artista e que é do conhecimento de todos. O Projeto Hélio Oiticica é uma associação sem fins lucrativos, privada, que tem seu regulamento próprio e cujo compromisso é somente com a obra do artista. Seu desempenho tem sido inigualável nesses quase 26 anos de trabalho, como atestam suas inúmeras realizações.
3) Não é finalidade da prefeitura nem do CAHO manter a coleção em mãos de quem quer que seja. Aliás, de quem serão as "nossas mãos" a que o Sr. Luiz Camillo se refere?
4) O "museu americano", citado pelo articulista, é o Museum of Fine Arts, de Houston, que restaurou as obras, as expôs em Houston e na Tate Modern, em Londres. A exposição na Tate constituiu um momento único para a cultura brasileira com o reconhecimento explícito de Hélio como um dos maiores artistas do século XX em todo o mundo. O Projeto Hélio Oiticica é o único responsável pela política de exposições de Hélio Oiticica. E sua obra continuará a ser exposta no exterior.
Quais serão os reais interesses do Sr. Luiz Camillo? Substituir o artista que dá nome ao CAHO por um artista mais do seu agrado? Faz sentido: coincide com a última estratégia de uma parte da crítica de arte no Brasil, que é dizer que Hélio Oiticica e Lygia Clark estão superexpostos, que há uma mistificação de curadores internacionais sobre a importância da obra de Hélio. Impedir que a obra de Hélio Oiticica seja exibida em outros países ou até em outras cidades?
César Oiticica, diretor do Projeto Hélio Oiticica
José Oiticica Filho: Centro Hélio Oiticica exibe uma das produções mais importantes da história da fotografia brasileira
Matéria de Luiz Camillo Osório, originalmente publicada no Jornal O Globo, no dia 28 de outubro de 2007
A exposição de fotografias de José Oiticica Filho, no Centro de Arte Hélio Oiticica, é maravilhosa, porém lastimável. Explico-me: a produção do pai de Helio Oiticica é das mais importantes da história da fotografia brasileira, merecendo, há tempo, uma retrospectiva como esta. Todavia, daí a nota negativa, está sendo visitada por um público inexpressivo, no espaço quase abandonado que deveria abrigar a coleção do seu filho.
É inexplicável o que se passa no CAHO. Deveria ser dos pontos culturais mais prestigiados da cidade, construído para abrigar a obra do artista brasileiro mais respeitado internacionalmente - que acaba de ter uma retrospectiva no museu de Houston e na Tate Modern de Londres. Por que a obra de HO não "mora" no centro que tem o seu nome e que foi feito com dinheiro público para ter tal finalidade? Não há contrato obrigando as partes - a prefeitura e o projeto HO - a um conjunto de obrigações no sentido de restaurar, preservar, pesquisar, expor e divulgar a obra - e os documentos - do artista? Se algo não foi cumprido, isto deveria ter sido explicado e negociado de modo a se resgatar o compromisso com este acervo.
Nossas políticas culturais estão sempre correndo atrás do prejuízo. A prefeitura do Rio, por exemplo, propôs criar uma filial do Guggenheim aqui na cidade. Independentemente do mérito da proposta, como defendê-la se não se consegue manter uma coleção que já esteve em nossas mãos e que tem muito mais a ver com o Rio do que o museu americano? Restam explicações: da prefeitura, em relação ao que pretende fazer com o CAHO e do projeto HO se tem vontade de manter algum vínculo com esta cidade que está tão entranhada na poética do artista. Sem negociação possível, isto seria uma pena, desfaz-se o contrato e procura-se uma nova identidade para aquele espaço. O que não pode é ficarmos nesta enganação de que se tem na cidade um Centro de Arte Hélio Oiticica. A memória do artista e a população carioca não merecem isso.
Voltemos a José Oiticica Filho, que não tem nada a ver com a história. O rigor do entomólogo, reconhecido na comunidade científica pelas pesquisas com borboletas, deslocou-se da análise de insetos para a construção da imagem fotográfica. Para além do registro de uma cena ou de algum objeto, sobressai nas fotografias de José Oiticica uma incansável pesquisa de laboratório, buscando encontrar texturas e luzes singulares. As microfotografias da década de 40 revelam que a atenção científica e o encantamento artístico combinavam-se. Saindo da documentação de microorganismos, temos na mesma década fotos memoráveis como "Luz dançante" de 1942, "Na praia" de 1948, "Triângulos semelhantes" de 1949 e "Um que passa" também de 1949, que mostram toda a sua sensibilidade no manuseio da luz.
Na década de 1950, sua fotografia embarca na abstração, em perfeita sintonia com os encaminhamentos do concretismo que corria em paralelo - que ele certamente acompanhava de perto através de seus filhos César e Hélio. A série Derivação de 1958, por exemplo, é muito próxima dos "meta-esquemas". O trabalho de textura, que singulariza sua poética, surge na série Ouropretense de 1956 e nos magníficos reflexos em vidro das fotografias abstratas intituladas Formas também de meados da década de 50.
Se as Derivações partiam de uma cena fotografada e desconstruída pela combinação de positivos e negativos, a série seguinte, "Recriações", parte de algo criado pelo próprio artista e retrabalhado no laboratório. Este é o momento mais original de sua obra, em diálogo aberto com o melhor da fotografia abstrata internacional. Acompanhando de perto a urgência expressiva do começo da década de 1960, suas Recriações vão fugir da geometria e ganhar um aspecto informal, seja com uma grafia solta e automática, seja partindo de grossas pinceladas brancas.
Completa a exposição algumas tentativas de José Oiticica com a pintura, também deste começo dos anos 60. O uso da madeira como suporte enfatiza as pinceladas de cor. Entretanto, não é como pintor que sua obra se afirma. A fotografia é o seu instrumento poético, o meio pelo qual ele contribuiu definitivamente para a história da arte brasileira. Não fosse a indigência do CAHO, esta era a ocasião perfeita para se fazer uma publicação decente e à altura desta obra. Apesar das nossas dificuldades institucionais, o público não deve perder esta exposição.
Seria interessante que o Canal publicasse a tréplica que o Luis Camilo Osório publicou no jornal O Globo do dia 8 de novembro deste ano, dando continuidade ao assunto da matéria.