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maio 29, 2006
O Corpo da Arte - É o seu silêncio que permite que tudo isso aconteça, por Bia Medeiros e Daniela Bezerra
O Corpo da Arte
É o seu silêncio que permite que tudo isso aconteça.
BIA MEDEIROS E DANIELA BEZERRA
19:30. 26 de maio de 2006. Brasília.
_ Alô!
_ Seguinte, nossa concentração em frente ao Clube de Golfe não vai ser possível. O local está cercado. São cinco carros da ROTAN. E tem montes de policiais armados. Já sei este é o nosso dia de ser PCC. Talvez a única glória, neste país.
_ Caramba! Onde vocês estão?
_ Estamos no estacionamento no CCBB. Está tudo cercado, mas eles não estão controlando os convites da entrada. Dá para entrar todo mundo. (Os convites para a entrada em vernissages de exposições no CCBB-Brasília são sempre muito controlados e a estratégia 2 era fazer deste controle um engarrafamento.) Avisa todo mundo que dá para entrar.
Muito tarde, muitos haviam desistido de participar por nunca receber os convites do CCBB, restritos às "autoridades" e à elite branca..
_ Esperamos vocês no estacionamento. Vem rápido, estamos cercados.
Mensagens de celular para todo mundo.
Fomos, entramos, éramos 15. Nós-cidadãos acima de tudo. Pagador de impostos, juros, multas e é claro correntistas de banco. Armados sim! De poesia, de arte, de vida e de amor àquilo que a cada dia escorre pelos dedos nos valores de mercado. Liberdade. De ser, de pensar, fazer a simples expressão. Existir sendo artista da vida. Ter um corpo e possuir outras fronteiras que afirmem não começo e término em minha pele. A sagrada ignorância estava e cercava todo o lugar.
É de sentar e chorar. Pura verdade: cinco carros, muita arma e muitas motos de polícia contra artistas protestando contra uma infeliz censura, que se revela cotidiana neste país cristão intimidado e covarde. Substituíram a exposição "Erótica" da qual constavam trabalhos de artistas brasileiros e outros, por uma outra de um artista estrangeiro "Picasso. Paixão e erotismo". Erotismo estrangeiro pode. Criticar a igreja e sua incansável e verdadeira pedofilia, não.
Impedir um artista de mostrar o seu trabalho, formular questões, propor pensamentos outros é destruir o seu trabalho ou torna-lo eterno para sempre.
Tínhamos 30 batas de padre na mala do carro. Aqueles que não tinham camisetas estampadas com as imagens do "Desenhando com terços" da Márcia X, as vestiram. Juntaram-se a nós mais uns 15 artistas e Lilith (Cyntia Carla). Caminhamos para a entrada da exposição: televisão, jornais, entrevistas. Aos poucos fomos pintando terços nas costas das batas de "padres". Diversos presentes se vestiram com as batas restantes. Entrevistas e mais entrevistas: pululavam repórteres e os policias armados olhando de longe. Formamos um grande círculo no centro do qual foram dispostas baguetes e pãezinhos formando dois grandes pênis. "Ave Mariíiiïiïiia", foi entoado repetidamente sem sair destas palavras, pois ninguém conhecia o resto da famigerada canção. Lilith comia bananas, outras pessoas do público pediam bananas e se juntavam a nós vestindo batas. O pão sagrado ao corpo e bananas, fálicas, macaco, homem-mulher nu. Zé Celso ainda não envelheceu. O Brasil teme a sua carne.
O pão foi distribuído: O Corpo da arte. O Corpo da arte. Alguns respondiam "Amém!" O gran final contou com a participação de uma lançadora de fogo, semidespida com um enorme "terço" trançado no corpo.
Numa semana onde o MASP fica, sem luz; numa semana onde se anuncia o provável fechamento do Museu da Pampulha, numa semana onde 40 dos 100 estudantes que participavam do 8º FONEP - Fórum Nacional das Entidades de Pedagogia em Goiânia, e foram protestar na frente do MEC em Brasília, contra a homologação das diretrizes curriculares do curso de Pedagogia, foram presos; numa quinzena onde o filme: "O código Da Vinci" quase foi censurado; numa quinzena onde se discute na Câmara Legislativa de Goiânia da possibilidade de se censurar a mostra "Rumos" organizada pelo Itaú Cultural, num semestre onde o livro "Brazilian Art" recebeu 1 milhão de reais do MINC para produzir um livro que deveria ser vendido por R$ 250,00 cada, ficamos apenas com questões: Um centro cultural que impõe limites à liberdade de pensamento, fazendo cerceamento da expressão por conta de alguns poucos pode ser chamado de
centro? E de centro cultural? Barbárie disfarçada na cultura, barbárie e sangue nas ruas. O que significa política cultural para Bancos que dizem fazer cultura sem integrar, em seus quadros, pessoal especializado em Arte? Qual é política cultural do governo Lula? Qual a posição, de fato, do MINC frente a todas estas realidades?
Lembremos, um novo museu foi construído em Brasília. Projetos curatoriais e políticas públicas para seu real funcionamento são amplamente ignorados.
Outra coisa: Será que a polícia sabe a diferença entre arte, artistas, estudantes e PCC?
Em que país será que vivemos? De que as "autoridades", e sua colega elite branca, têm medo? De tudo. Quando não se está seguro dos passos dados, porque não há rumo nem terreno traçado, a tudo se teme. Esperamos sinceramente que O Corpo da Arte possa leva-los ao paraíso para sempre perdido.
Só o que interessa a elite é comentado. Ela detém os meios e os modos de comunicação para informar o que lhe é conviniente.Esse ato censurado e protestado por um grupo, quer as viceras espostas para que possamos refletir o conteúdo proposto pelas instituições.
Posted by: draquar at agosto 3, 2006 6:35 PM