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março 24, 2006
Livro capta R$ 1,1 mi, pede doação de obras e é vendido a R$ 280, por Fabio Cypriano
Livro capta R$ 1,1 mi, pede doação de obras e é vendido a R$ 280
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha Online, no dia 23 de março de 2006
Projeto "Brazilian Art Book VI" pediu trabalhos a artistas sem revelar recursos públicos
Como fazer de um livro de arte um negócio da China? Inscreva o projeto na Lei de Incentivo à Cultura para arrecadar R$ 1,3 milhão. Depois, convide bons artistas plásticos para participarem do livro, sem mencionar o valor que está sendo captado. Para maximizar recursos, peça aos artistas a doação de uma obra "para ajudar nos custos" -além de fotos e textos sobre o próprio autor, pagos também por eles.
O que seria uma das partes mais caras da publicação, já saiu de graça. Depois, com o dinheiro arrecadado de fato, no caso R$ 1,1 milhão, lance o livro e o coloque no mercado a R$ 280. Bem, isso é um caso real, e os valores da publicação estão no site do Ministério da Cultura.
Trata-se de "Brazilian Art Book VI", publicação da editora Jardim Contemporâneo, que é lançada hoje. "Sinto-me lesado. A Nair Barbosa Lima [diretora curadora do livro] falou que ela não tinha verba. Os artistas pagaram tudo, das imagens ao texto que as acompanha", diz Gustavo Rezende, um dos 43 artistas no livro.
"Não foi bem essa a conversa. O que a gente sempre pede é uma obra do artista para apresentarmos nas mostras de lançamento. Como essas obras viajam, a doação é para evitar preocupação do seguro. Mas, quem não está de acordo, não participa", diz Lima. A diretora confirma que fica com as obras. "Estamos montando um instituto para facilitar isso."
"Estou muito surpresa por saber que o projeto captou todo esse montante, pretende vender os livros a um preço lucrativo e ainda conduziu a relação com o artista na base da permuta. Para nós, fica a palavra de que a permuta seria para ajudar nos custos. Fico constrangida de ter feito isso", diz a artista Ana Maria Tavares.
"Isso é valor de cinema", disse à Folha um editor que pediu para não ser identificado. Por solicitação da reportagem, uma gráfica elaborou o orçamento de uma publicação com as mesmas especificações de "Brazilian Art Book VI". Resultado: R$ 720 mil. "Nós pagamos cerca de R$ 900 mil para a gráfica, mas há outros custos altos envolvidos", diz Álvaro César Ferrari, diretor executivo da Jardim Contemporâneo.
Tunga, Waltércio Caldas e Dora Longo Bahia estavam na lista apresentada aos artistas como convidados. Nenhum está no livro. "Eu não aceitei. Há muitos anos, alguém teve uma idéia parecida e fui com o Leonilson conhecer o projeto. Ele saiu "p" de lá, disse que aquilo era absurdo, que mais uma vez o artista não ganhava nada. Fiquei pensando: é igual", conta Dora.
Não foram só artistas que se recusaram a tomar parte do livro. O curador Cauê Alves, do MAM de SP, foi convidado a escrever a introdução do livro e organizar a mostra. Não aceitou. "Ofereceram R$ 10 mil, mas não concordei com o modelo de financiamento do livro; o correto seria comprarem os trabalhos dos artistas, afinal o livro está sendo realizado com verba pública", disse Alves.
"Esse é mais um vício do circuito da arte e a gente nem tem tempo de checar essas distorções. Eles deveriam abrir as contas", afirma Tavares. No site do Ministério da Cultura, já consta o orçamento para a próxima edição do "Brazilian Art Book", cerca de R$ 1,2 milhão, com R$ 731 mil já captados.
O lançamento do livro acontece, hoje, às 19h, no andar térreo do Pavilhão da Bienal (parque Ibirapuera), na mostra "As Muitas Geografias do Olhar", com curadoria de Angélica de Moraes, que também escreve o texto introdutório da publicação. A mostra fica em cartaz até domingo, com entrada franca.
OUTRO LADO
Editora afirma que investiu na publicação
"O livro, a exposição no Brasil e as exposições no exterior formam um todo, nós não diferenciamos uma parte da outra", afirma Álvaro César Ferrari, diretor executivo do projeto, que se integrou à equipe recentemente, embora cada uma dessas partes esteja inscrita em projetos distintos, no Ministério da Cultura.
"Nosso objetivo é divulgar a arte brasileira aqui e por todo o mundo. Nós pedimos que artistas doem obras para expor em outros países e, agora, pela primeira vez, expor aqui também", afirma Ferrari. Nas edições anteriores, a mostra passou por espaços como a Britto Central, do brasileiro Romero Britto, em Miami, em 2000.
Entretanto, com a sexta edição do livro e a nova exposição, Ferrari afirma que o projeto entra em um novo patamar: "Este é um momento que representa um "turning-point" (momento de mudança); é a primeira vez que se faz um recorte mais específico na publicação; nas outras edições havia muita diversidade".
A curadora Angélica de Moraes diz que não considera adequado doar ou trocar obras, "mas esse projeto tem um potencial de se inscrever no calendário de artes da cidade. Temos a obrigação de mudar as coisas, mas elas não podem ocorrer todas ao mesmo tempo". (FCy)
Se tudo isto procede, afirma a necessidade de mudança das leis de incentivo. Em que os critérios de julgamento se dêm também pelo mérito do projeto e sejam analizadas as relações custo-benefício. Isto é um aspecto, outro é, dos artistas terem sido omitidas informações. E o que estes artistas fazem agora? Ou deveriam fazer? E o que nós devemos fazer, se tudo isto procede? Entrar com um mandado de segurança? Exigir explicações do MINC? Fazer passeata? Que bom, que há os que conseguem dizer não, vide os exemplos citados. Viva Leonilson! VIVA!!!
Posted by: Ana Glafira at março 24, 2006 7:17 PMEu considero da maior importância que o jornalismo cultural no Brasil seja mais crítico e combativo e, por conta disso, achei corajosa a reportagem da Folha ao denunciar o comportamento no mínimo desrespeitoso (se não criminoso) desta editora para com os artistas participantes do projeto; entretanto, desde a publicação da reportagem, tive a oportunidade de conversar com alguns artistas que integram o livro e a exposição e soube deles que o contrato previa a doação de uma obra para a constituição de um acervo aberto ao público e não para viabilizar a publicação do livro os artistas com quem conversei me disseram, inclusive, ter conhecimento de que a verba para a publicação já havia sido captada; vejo que os artistas ouvidos pela reportagem da Folha afirmam algo diferente disto e não sei explicar como alguns sabiam e outros não dos termos exatos deste contrato, que, na minha opinião, deveria agora vir a público para o conhecimento de todos. Apesar de apontar os problemas, e com propriedade denunciar que um livro feito com recursos de isenção fiscal seja vendido pelo valor ultrajante de 280 reais, creio que a reportagem comete uma grande injustiça com a curadora da exposição. Angélica de Moraes é das profissionais mais íntegras e sérias que conheço trabalhando no meio de arte no Brasil, e a maneira como o jornal contrapõe maliciosamente, na minha opinião, a recusa de um outro crítico a participar do projeto e a aceitação por parte de Angélica de Moraes de realizar a curadoria sugere falta de integridade de sua parte, não dando voz à curadora, não perguntando a ela quais foram os termos de sua contratação (que bem podem ter sido diversos daqueles apresentados ao crítico que recusou o projeto), nem reconhecendo o mérito do interessante recorte da arte contemporânea brasileira que ela realizou em sua curadoria. É importante denunciar os abusos no campo quase sem lei de nossa cultura? É claro que sim, mas não à custa de denegrir o trabalho de profissionais sérios e mais do que comprovadamente idôneos. Vale lembrar que Angélica de Moraes foi uma das poucas jornalistas que teve coragem de denunciar as tramóias de Edemar Cid Ferreira muito antes de o banqueiro ter sua fortuna confiscada, no tempo, aliás, em que vários outros jornalistas viajavam pelo mundo a convite da BrasilConnects, desfrutavam das "cortesias" do banqueiro, com isto demonstrando falta de integridade, uma vez que já era conhecido o esquema de Edemar. Vamos fazer denúncias? Sim, o jornalismo cultural deve isto ao público, mas vamos fazê-lo com mais responsabilidade.
Posted by: juliana monachesi at março 28, 2006 6:19 PMNão posso afirmar sobre as atuais inteções da Editora; no entanto, tive a oportunidade de conferir dois lançamentos de edições anteriores, em Belo Horizonte, em Galerias comerciais, e posso afirmar que os trabalhos dos artistas estavam a venda. Concluo, então, que o objetivo da doação das obras não tenha finalidade ilustrativa, e sim, lucrativa. Uma Lástima e uma vergonha!
Posted by: Cássio Monteiro at março 30, 2006 2:34 AM
"Sinto um frescor,
Olho para os céus
Não são aves
São anjos caídos que,
Com seu bater de asas
Se fazem inocentes."
Muito me espanta que até hoje nada tenha sido feito para garantir que a lei de incentivo fiscal seja cumprida. Quantos livros vemos nas livrarias com o selo no MinC e não nas bibliotecas de nossas universidades? Quem quiser comprar livros de arte deve ir ao Largo do Machado,no Rio de Janeiro onde tem uma feirinha bem simples,beira de calçada, que vende livros que dois jornalistas recebem, livros de arte e com selo do governo. Ah, vendem caro, muito caro.
Abraços
Cristina Pape