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janeiro 16, 2006
Pode não ser doce a arte contemporânea, por Ricardo Resende
Pode não ser doce a arte contemporânea
RICARDO RESENDE
O Museu de Arte Contemporânea do Ceará torna-se a arena ideal para a reflexão diante da repercussão da ação do ARTISTA INVASOR convidado para ocupar o museu de janeiro a março de 2006.
O programa foi pensado como espaço para apresentação períodica de um artista convidado para intervir nas dependências do museu, criando um diálogo com o que há de mais instigante e provocativo na produção contemporânea da arte. O museu como um território livre para a experimentação plástica e conceitual. Sim! Este é o papel de um museu que se quer museu de arte contemporânea. É assim que entendemos o Museu de Arte Contemporânea do Ceará, equipamento do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. E a instituição deve arcar com os riscos desde que estes, obviamente, não agridam fisica e eticamente o público.
A ousadia de Yuri Firmeza, o nosso convidado, talvez seja demais para os nossos padrões institucionais ao questionar e testar os limites do museu e os procedimentos de informação dos meios de comunicação atuais. São questões indigestas, as colocadas para reflexão nesta performance. O artista cearense provoca a discussão sobre o que convencionamos como sistema das artes, da sociedade como um todo na sua superficialidade ao tratar de questões vitais para a humanidade. Neste caso, coloca em cheque o direito à informação isenta de interesses corporativistas, financeiros, de moralismo político-religioso, de opniões pessoais preconceituosas na forma de crítica.
Yuri Firmeza levanta polêmica no meio artístico e de informação da cidade de Fortaleza e do Brasil ao propor o seu falso artista para o Museu de Arte Contemporânea do Ceará, dentro do projeto Artista Invasor, já em sua quarta edição. Já passaram pelo MACCE o cearense Jared Domício (hoje em cartaz como convidado no Salão Paranaense, em Curitiba), a mineira Marta Neves e o cearense Solon Ribeiro. E mais uma vez, estes artistas passaram despercebidos pela mídia local por ocasião de suas intervenções. Só tomaram conhecimento aqueles que vieram expontaneamente ao museu.
Para mudar este quadro de apatia que reina na mídia nacional quando se propõe discutir arte contemporânea, foi necessário ao artista, criar um "famoso" artista japonês. Yuri, para aqueles que não o conhecem, é um dos selecionados para o Rumos Itaú Cultural de 2006, que conta com importantes profissionais na curadoria do evento, entre elas Aracy Amaral, a curadora da Bienal de São Paulo Lisette Lagnado e a carioca Luisa Duarte, do Rio de Janeiro, a responsável por seu mapeamento por ocasião de sua viagem à Fortaleza. As curadoras percorreram o Brasil para conhecerem a produção nacional, traçando este importante mapeamento e propor suas escolhas para esta exposição. Um raio x da produção contemporânea nacional.
Portanto, os comentários dos jornalistas nas últimas edições dos jornais locais evidenciam a incompreensão para os procedimentos da arte contemporânea e também, um preconceito latente para com os jovens artistas da cidade. É novamente a mídia local se fechando para os expoentes da arte cearense como o fizeram com Leonilson, Efrain de Almeida e Luiz Hermano. Por décadas não reconheceram e não os reconhecem ainda hoje. Eduardo Frota, mais um artista dessa geração, personagem chave nos desdobramentos da arte na cidade na década de noventa e neste novo milênio, está com exposição no Museu da Vale do Rio Doce, no Espírito Santo. Já figurou em importantes mostras como a última Bienal de São Paulo, sofre do mesmo apagamento na cidade. Francisco de Almeida, inteligente gravurista, figura entre os artistas do Panorama da Arte Brasileira de 2005 (só no dia 13 de janeiro, quando a exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo já foi desmontada é que noticiam sua participação em um jornal local). A lista poderia ser muito maior quando pensamos na nova geração como Jared Domício, Waléria Américo e Ticiano Monteiro que foram agraciados com a Bolsa Pampulha, do Museu de Arte da Pampulha em Belo Horizonte. Ou os outros quatro artistas que também figuram no Rumos Visuais do Itaú, Bosco Lisboa, Jussara Correia e novamente, Waléria Américo, Ticiano Monteiro e Yuri Firmeza. Artistas que precisaram buscar fora daqui um reconhecimento na esfera nacional e, esperamos, internacional, sem nunca terem recebido no estado o devido reconhecimento como artistas.
O MACCE no entanto, vem tentando cumprir o seu papel como fomentador ao receber em janeiro do corrente ano, a exposição Entre um lugar e outro, proposta por cinco artistas jovens da cidade contemplandas no VI Edital da Secult, são elas Beatriz Pontes, Milena Travassos (que acaba de receber um prêmio no Salão da Bahia), Mariana Smith, Érica Zingano e Waléria Américo. E Yuri Firmeza como o artista invasor. O museu ainda apresenta para o público o resultado do trabalho realizado em 2005 para formação de um acervo, quando conseguimos a doação de 85 trabalhos. Na parede de entrada do museu estão lá duas gerações de artistas cearenses lado a lado: Sérvulo Esmeraldo e Luiz Hermano. As nossas primeiras doações do ano. E muitas estão por vir, entre as quais temos artistas como Albano Afonso, Raquel Kogan, Iran do Espírito Santo, Lina Kin, Teresa Berlinck, Sofia Panzarini, José Guedes, um outro cearense de reconhecimento nacional, o alemão Michael Vesely e Paulo Buennos. Além desta campanha de doações estamos elaborando projetos para os editais de incentivo à cultura que permitem aquisições. Nem só de doações deve viver um museu. Os artistas precisam ter os seus trabalhos comercializados como forma de fomento à cultura. Nestes projetos da primeira fase, estamos propondo a aquisição de artistas como Sérvulo Esmeraldo, artista seminal para a arte concreta nacional, Leonilson, Luiz Hermano, Efrain de Almeida, Sérgio Pinheiro, Francisco de Almeida e Bosco Lisboa.
A discussão que o museu provoca hoje com o público, com os artistas locais e a mídia, é portanto o resultado dessa política que busca refletir os caminhos da arte contemporânea. A instituição em momento algum teve o interesse em denegrir ou desmerecer o trabalho dos profissionais da imprensa que se viram envolvidos no trabalho do artista, mesmo porque, não tínhamos idéia da dimensão que a ação poderia tomar. Tínhamos como exemplo, os eventos anteriores, praticamente nada se comentou na imprensa. Este poderia ter sido apenas mais um.
No entanto, este procedimento artístico adotado por Yuri Firmeza, não é novidade na arte contemporânea. Só para exemplificar, as Cartas ao Sistema das Artes, propostas pela artista paulista Ana Amorin e o alemão Hans Haacke com suas provocações que afetam as instâncias institucionais e cooporativistas, criam esta tensão no sistema da artes, como esta que estamos vivenciando em Fortaleza.
A "mentira" já começava pelo próprio nome adotado Souzousareta Geijutsuka ou artista inventado na língua japonesa. A exposição recebeu o título de Geijitsu Kakuu ou Arte Ficcional. Os nomes já soavam estranhos. No entanto, os jornais imediatamente aceitaram a pauta mesmo diante do desconhecido. Algumas informações foram passadas pela assessora de imprensa também fictícia do artista que o colocava na ponta das artes visuais ao experimentar o que há de mais novo na arte eletrônica, até mesmo um novo experimento foi dito que se intitulou "Shiitake". Resta saber se foi apenas o prestígio da instituição que funcionou, como foi alegado pelos jornalistas que os levou, diante da dificuldade de acesso às informações solicitadas e não disponíveis em sítio de pesquisa eletrônica como o Google, a insistir nas matérias.
O que é certo, é que a mídia e a instituição foram pegas de assalto pela arte.
No entanto, a dimensão ética dos mecanismos desse trabalho, a denuncia subjetiva de suas entrelinhas, a reação da imprensa ao ser checada e o posicionamento da instituição precisam ter ainda, uma maior reflexão diante da repercussão. E isto faz parte do processo artístico proposto por Yuri Firmeza.
A exposição do Artista Invasor está em cartaz no museu até 19 de Março de 2006.
O público é quem deve ser o juiz.
Ricardo Resende é Diretor do Museu de Arte Contemporânea do Ceará
Boa iniciativa do Museu de Arte Contemporânea do Ceará e de Ricardo Resende, diretor técnico em apoiar a proposta de Yuri Firmeza que, na verdade, não aprontou e nem pregou uma peça, apenas disponibilizou parte de sua produção na exposição do MACCE.
Aliás, em 2003, participei da exposição Experimental nesse mesmo museu com o meu coletivo de artistas Los Valderramas, o detalhe que assim como o artista japonês, o coletivo não existia e nem as suas ações...