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janeiro 6, 2006
Arte renovada, por Suzana Velasco
Arte renovada
Matéria de Suzana Velasco, originalmente publicada no Jornal O Globo no dia 6 de janeiro de 2006
Eles são jovens e são artistas. Mas não seria apropriado dar-lhes o rótulo de jovens artistas. Melhor dizer que eles são criadores, já expõem, têm projetos. E têm todos menos de 30 anos. Jovens, portanto. Muito jovens. Em conversa no Parque Lage, onde alguns fazem ou fizeram cursos ou têm apenas como referência de uma importante escola de artes visuais, Ana Holck, Laura Erber, Mariana Manhães, Matheus e Thiago Rocha Pitta e Bruno Lyra conversaram sobre arte, galerias, incentivos públicos e planos em 2006. E, apesar de jovens, ou até por isso mesmo, tinham muito o que falar em sua curta trajetória.
O que é mais óbvio nessa geração é a diversidade dos meios que utiliza: instalação, intervenção urbana, vídeo, fotografia e até a boa e velha pintura. Apesar de muitos terem começado desenhando, como Mariana, Ana e Laura, eles deixam claro - pela obra e pelo discurso - que ser artista hoje em dia vai muito além de tintas, tela e papel.
- Nunca achei que fosse ser artista porque não tenho habilidade manual. Sempre fui muito tímido com a mão. Comecei a trabalhar num estúdio de fotografia e quando vi já estava produzindo - conta Matheus Rocha Pitta, que um dia ligou para o fotógrafo e artista plástico Miguel Rio Branco e perguntou se ele precisava de um assistente. - Então vi que poderia ser artista sem as mãos.
Para sua primeira individual, "Drive-in", Matheus, mineiro que aos 25 anos já tem obras no acervo do colecionador Gilberto Chateaubriand e do fotógrafo peruano Mario Testino, criou um circuito que liga a galeria ao estacionamento do shopping de antiquários onde fica a Novembro. Recém-aberta em Copacabana, a galeria exibirá um vídeo da garagem, como se câmaras estivessem dentro de um carro.
Complicado? Talvez seja ao se tentar explicar o que é o trabalho. Os artistas hoje têm que lidar com o rótulo da "arte contemporânea", muitas vezes criticada como o espaço em que tudo pode. Mas eles estão conscientes de que, apesar dos meios ilimitados, o essencial é a sensibilidade de cada um.
- Já tive ótimos retornos do público leigo. A arte moderna pode ser muito mais hermética. Entender um Mondrian é bem mais difícil - diz Matheus.
Espaço para obras perenes
Laura é um exemplo claro dessa liberdade. Formada em literatura, tem um livro de poemas, "Insones" (7 Letras), ganhou um prêmio da Nova Fronteira ao adaptar Guimarães Rosa para vídeo e foi escritora residente com bolsa em Stuttgart, na Alemanha. Em agosto, ela também expõe na galeria Novembro, que nasceu apostando em novos nomes.
- Vivemos num contexto em que as divisões não fazem mais sentido. E por isso mesmo o que se torna um desafio é a capacidade de articulação - diz ela, que aos 26 anos acaba de participar da 5 Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. - Em nome da "arte contemporânea" se faz de tudo. Há uma tendência de se espetacularizar a arte. É bom ter o retorno do público leigo, desde que os espaços não se transformem em parques de diversões.
Para Thiago Rocha Pitta, irmão gêmeo de Matheus, esse olhar meio de lado para a arte contemporânea se deve a um inchaço de artistas - ou à facilidade com que hoje em dia se diz ser "artista". Ele acredita que para gerações anteriores era mais difícil fazer da arte uma profissão.
- Hoje, ser artista acabou virando um fetiche.
Ao lado de Matheus, Thiago expõe até o próximo domingo em "Além da imagem", no Centro Cultural Telemar. Como um dos vencedores do Prêmio CNI Sesi Marcantonio Vilaça do ano passado, ele expôs em São Paulo, no fim deste mês segue para o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio, e depois vai para Porto Alegre, Belém e Recife. No segundo semestre, fará em sua galeria, A Gentil Carioca, um trabalho de uma só noite. Ali, Thiago diz que vai "cozinhar um barro". Para outras gerações, talvez seja estranho pensar numa galeria, símbolo do circuito comercial de arte, abrir espaço para uma obra perene.
- Não existe obra comercial. Existem obra boa e obra ruim. Tenho mais liberdade na minha galeria para fazer algo não vendável. Já levei três canos de instituições, e o marketing cultural delas faz com que o artista fique de garoto-propaganda sem receber cachê. No Brasil se acha que o museu é um altar e estão nos fazendo favor - dispara ele, que também expôs na última Bienal do Mercosul.
Tentando seguir o próprio desejo
Com Bruno Lyra, designer de 25 anos que descobriu as artes como estudante da tradicional pintura no Parque Lage, a diferença é bem clara entre um trabalho encomendado e uma mostra própria.
- O cliente sabe o que quer. Já o trabalho com a galeria foi totalmente de braços dados, um acreditando no outro - diz ele, que expõe pinturas com um quê de grafite até dia 20 no Espaço Repercussivo, na Barra.
Para Ana Holck, de 28 anos, a experiência foi outra:
- Já expus em instituições e não senti isso. No Paço Imperial, fiz o que quis. Já na galeria me senti com menos liberdade, porque há uma expectativa de vender - diz ela, que até dia 29 deste mês expõe "Elevados", com faixas de adesivo vinílico, no Paço, e está nas galerias Mercedes Viegas, até 10 de fevereiro, e Arte 21, até o próximo dia 28 na coletiva "N Múltiplos".
Artistas já tiveram problemas em seleções
Eles acabam concordando que hoje em dia há diferentes perfis de galerias. Mariana Manhães, por exemplo, sabe que precisará de liberdade em sua exposição em A Gentil Carioca, em fevereiro. A artista de 28 anos, que acaba de ganhar o Prêmio Gilberto Chateaubriand do Salão da Bahia com a videoinstalação "Movido movente" e foi uma das selecionadas, com Matheus, para o Rumos Itaú Cultural 2006 - que terá mostra no Paço Imperial - trabalha com intrincados circuitos montados pelo pai, engenheiro.
- A família sempre me pergunta se eu tenho pintado - brinca ela, mostrando que a visão do que é um artista ainda não mudou muito.
Assim como Ana e Matheus, Mariana teve um trabalho selecionado para o Sérgio Porto em 2005 e depois foi dispensada, num escândalo nas seleções de artes plásticas. Thiago também passou por uma situação delicada. Há cerca de dois anos mandou um projeto para uma bolsa do Rioarte e recebeu uma nota 10 e uma 4. Mas, segundo o artista, quando foi pegar de volta um dos portfólios, ele estava lacrado. Um dos jurados não tinha visto o material:
- O único patrocínio que havia era da prefeitura, e depois que os artistas começaram a criticar o projeto do Guggenheim, o Cesar Maia passou a tirar verba das artes plásticas. Agora com o Pan-Americano o investimento está zerado - reclama ele, que já expôs no municipal Castelinho do Flamengo, hoje às moscas. - A coisa pública não existe. É só ver os jornais - critica.
Laura, que já viveu de bolsas na França e na Alemanha, conta que ali há centros públicos com acervos importantes em pequenas cidades do interior:
- As bolsas são uma experiência com prazo de validade definido a priori . Você fica totalmente vinculado a instituições que lhe dão todos os meios, o que é maravilhoso, apesar de poder ser esgotante. Mas há projetos que apenas instituições podem bancar.
Laura se refere, por exemplo, ao filme 35mm "Diários do sertão", feito no Le Fresnoy - Estúdio Nacional de Arte Contemporânea, na França, e exibido no mundo todo. Vivendo de bolsa em bolsa - depois de expor na Fundação Miró, em fevereiro deste ano, ela segue para um centro de literatura na Bélgica - ela acredita que deveriam haver mais meios de financiar o artista sem a obrigação de produção:
- Sinto a influência da pesquisa até hoje. Não dá para medi-la de imediato.
Matheus, que já passou um ano em Belo Horizonte com a Bolsa Pampulha, e Thiago concordam.
- No Brasil se quer mostrar resultado. Mas arte é para desperdiçar, gastar, não é para ser útil. Temos que fazer o que nos dá desejo - diz Thiago.
O problema é equacionar desejo e retorno, sobrevivência, sustento. Bruno, que se mantém com um estúdio de design, questiona:
- Todos vivem de arte?
Crítica à falta de meiospara se discutir arte
Eles tentam se manter de arte, mas vivem o dia-a-dia da instabilidade. Mariana é psicóloga e resolveu deixar o diploma de lado. Ana fez arquitetura por interesse pelo espaço, mas viu que poderia usá-lo na arte. Thiago insiste no desejo e acredita que o trabalho pode falar por si próprio. E põe um pouco de lado o que Mariana diz ser importante para um artista no Brasil: divulgar, fazer mala-direta e convites. Entrar no mundo prático.
- Já vivemos num modelo publicitário. Temos que pôr energia na nossa poética - diz Thiago.
- Mas a obra só existe quando exposta. E o trabalho realizado traz muita coisa. No meu caso, muitas idéias surgem a partir de um contato com o lugar de exposição - rebate Ana, uma das recém-vencedoras do Prêmio Projéteis, da Funarte.
Mas todos concordam com a falta de espaço que as artes plásticas têm na mídia, a falta de meios especializados, a falta de críticos. Talvez a resistência a entrar nos meandros da publicidade da arte seja a resistência a sair do espectro do seu trabalho. Eles, no fundo, querem apenas continuar fazendo arte.
- Em breve surgirá um personagem de novela que faz instalações - diz Laura, rindo.
- Pelo menos vão parar de perguntar se eu tenho pintado - brinca Mariana.