|
maio 9, 2004
Golpe de doação
No dia 6 de maio de 2004 a coluna Abalo, do jornal de Bairros/Zona Sul de O Globo publica:
"Mãe - Domingo, na Praia do Leblon, será inaugurada a escultura de Mazeredo: 'Mãe da Paz'. Quem comparecer deve usar branco total."
CARTA de 6/5/04
A notícia sobre a inauguração de mais uma escultura da sra. Mazeredo na cidade não seria motivo de notícia, mas de denúncia.
De 1999 até 2007 (conforme noticiado neste próprio caderno) serão 22 (vinte e duas!) esculturas da mesma senhora em exposição permanente nesta cidade; evidentemente sem concorrência, e sob o recurso da homenagem-doação (bancada pelo erário público, via renúncia fiscal do patrocinador). O abuso do privilégio econômico e político extrapola quaisquer considerações estéticas e culturais. Em tais proporções, e permanente, passa a ser agressão impositiva de interesses privados sobre o espaço público. Nenhum artista em qualquer época ou lugar mereceu tanto espaço. Sob a chancela da prefeitura, a título de generosidade, em nome da paz, e ampla cobertura da mídia. Engulamos.
RT
No dia 11 de setembro de 2003 o jornal de Bairros/Barra publica a matéria "os jogos traduzidos em esculturas":
De olho no Pan, a artista plástica Mazeredo desenvolve obras com temas esportivos. ( ) seis esculturas. A maior delas ficará exposta na Vila Pan-Americana, próximo ao Autódromo de Jacarepaguá. As cinco demais deverão ser instaladas em praças de outras regiões da cidade. ( ) caberá à Secretaria Municipal de Esportes e Lazer a avaliação das obras.(a artista) - As peças serão feitas com recursos de leis de incentivo à cultura das esferas municipal, estadual e federal. ( ) (e de novo) - Este é um projeto patrocinado pela lei de incentivo à cultura municipal, com ajuda de empresas como o Hotel Inter-Continental. Essa parceria atenderá à Barra e a outros nove bairros - anuncia a escultora."
CARTA de 19/9/03 (*publicada com cortes)
Esculturas para o Pan
De acordo com a matéria veiculada no dia 11 de setembro, no caderno Globo-Bairros/Barra da Tijuca, 16 novas esculturas serão instaladas em praça pública no Rio de Janeiro, tendo como motivação a realização dos jogos Panamericanos de 2007.
Isto seria muito bom, não fosse pelas condições, descritas na própria matéria: (1) as referidas esculturas foram patrocinadas por empresas, com apoio nas leis de renúncia fiscal para projetos culturais aprovados oficialmente por órgão competente; (2) não foi aberto concurso de esculturas públicas para os Jogos Panamericanos de 2007; (3) a autoria (única) das esculturas apresentadas (e em execução) é a mesma de, pelo menos, seis outras esculturas já espalhadas pela cidade do Rio de Janeiro.Diante disso, cabem as seguintes questões:
1- como conseguiria-se a aprovação do projeto sem a especificação (e garantia) da instalação das obras em determinado local da cidade (já que sem essa garantia não se justificaria a aprovação para renúncia fiscal pelo patrocinador)?;
2- em tendo sido aprovado, como foram então (como são) avaliadas, sem concurso (estética e eticamente), essas peças temáticas?;
3- e, finalmente, a se crer no que a matéria promete, como é possivel a mesma artista ser aprovada/eleita vinte e duas vezes (já há, pelo menos, seis delas por aí) para a ocupação permanente do espaço público da cidade do Rio de Janeiro, sem ser (pela promoção física e evidente) o maior escultor público da cidade e do país?
Poderia-se alegar a oportunidade de quem apenas antecipou-se aos acontecimentos e por isso ganhou o privilégio de ocupação. Acontece que, a se defender isso repetidamente, não estaríamos mais falando de cidade, planejamento urbano, ou estética, mas entregues apenas às disputas de poder pela prevalência de interesses particulares sobre territórios públicos. O que, por aqui, parece ser sempre definido pelos mais armados.
RT Rio de Janeiro, Brasil.
No dia 8 de dezembro de 2003 a coluna de Ancelmo Gois destaca, com duas grandes "fotos de divulgação":
"Um ladrão carregou do Aterro do Flamengo, acredite, uma das duas pesadas peças de bronze que compôem - ou melhor, compunham - a escultura 'Harmonia', da artista plástica Mazeredo. O sem-vergonha deve ter tido um trabalho danado. A obra, doada à prefeitura pela artista para celebrar a Rio-92, mede sete metros (ou media, porque, a esta altura, pode ter virado bronze derretido). Foi na semana passada. O larápio deixou lá só uma das hastes. Ninguém sabe, ninguém viu."
CARTA de 8/12/03
Caro Sr. Ancelmo Gois,
É com grande interesse que acompanho a sua campanha contra a ocupação abusiva do espaço público desta cidade.
Na sua coluna de hoje (8/12) o senhor denuncia o roubo de uma escultura doada pela sra. Mazeredo para a cidade do Rio de Janeiro. Artista que, na última década, doou e teve instalada na cidade, em caráter permanente, mais de seis grandes esculturas-homenagens públicas; e que garantiu (neste jornal) instalar até 2007 (para os Jogos Panamericanos), mais dezesseis (16) peças monumentais em praça pública na cidade. Evidentemente sem concorrência, e com o seu devido patrocínio, apoiado nas leis de renúncia fiscal para a produção cultural. Contando então, a cada inauguração (e roubo), com a mídia garantida para esses atos de generosidade pública.
Este é um caso escandaloso (são 22 esculturas espalhadas pela cidade!) de apropriação privilegiada (privatização) do espaço público.
Atenciosamente RT
(O crédito das imagens como "fotos de divulgação" suscita uma incômoda curiosidade pelo seu remetente.)
CARTA de 17/12/03
Sr. Ancelmo,
É com grande decepção que vejo que o senhor resolveu ignorar a minha mensagem de 8/12. A sua coluna denunciou, então, algo como (aproveitando um tipo de abuso apontado pela coluna): "Vândalos derrubaram a varanda do restaurante 'X", esquecendo-se de mencionar que a referida varanda projetava-se sobre o espaço público, privatizando-o.Tendo o senhor denunciado o sumiço de uma escultura pública, a omissão quanto a uma contra-denúncia (pelo menos. Cá entre nós) não se justifica. A não ser por desinteresse ou preguiça. Ou o senhor, também, tem boas relações com a maior escultora da cidade, autora das 22 (vinte e duas) esculturas que o Rio de Janeiro orgulhosamente poderá ostentar até 2007?
(Nem Gaudí, nem Miró, nem Oscar Niemeyer, nem Richard Serra, conseguiram
tanta exposição pública em uma única cidade.)
Atenciosamente RT
RESPOSTA
Ricardo,
Peço desculpas, sinceras. A turma da coluna , somos quatro, recebemos mais de 300 e mails por dia. Não é possivel atender ou mesmo abrir espaço para todos. Peço desculpas. Acredite. Eu não conheço a tal escultora que voce falou. Nunca vi. Aliás, eu não conheço nenhum escultor pessoalmente. Sou meio bicho do mato.
Grato por escrever
Paz, saúde Ancelmo
Sr. Ancelmo,
obrigado pela resposta. Mas fica a questão: pode o jornal denunciar uma situação apenas parcialmente? Deve o jornalista acomodar-se a noticiar apenas o que lhe cai nas mãos, e como lhe cai (fotos de divulgação?!)?
Assim arrisca tornar-se manipulável (e não caberia a uma coluna alegar inocência): a propaganda (ou merchandising), atravessa-lhe os caminhos, atropela-lhe as boas intenções. Também não conheço a escultora que você (!) falou, destacou ou promoveu no dia 8/12. E não haveria mal em uma, talvez duas peças doadas por um artista poderem ser aprovadas, por comissão competente, para instalação na cidade. Se não concursadas, já seriam, duas, talvez excessivo para esta condição privilegiada - exceção feita, publicamente por aqui, apenas a Oscar Niemeyer.
O recurso da doação, aliado aos desmandos sobre o espaço público da cidade (submetido às considerações estéticas da secretaria de parques e jardins, e a interesses, escandalosamente, particulares), propiciou o absurdo da situação que vemos atualmente (já são mais de seis peças da mesma artista instaladas na cidade), e do que está ainda por vir: segundo este jornal, mais dezesseis grandes peças até 2007 de mesma autoria, aprovadas por lei de renúncia fiscal, e assim patrocinadas, com a garantia inquestionável de sua instalação.
Mas o que é que se vai fazer, né? As coisas são assim mesmo, não podemos fazer nada
Cordialmente RT
Bom ano novo para todos
CARTA de 31/01/01
Novas Esculturas em Praça Pública
Já foi com surpresa que o carioca deparou-se com novas pedras em seu caminho. Ao longo do tempo acostumou-se e hoje já não dá mais bola ao que lhe acontece debaixo dos olhos. Tropeça e, se bobear, pede desculpas com toda a garantia de sua indiferença ético-estética. Isso no Rio é um perigo. Muito tem se falado recentemente sobre a caótica ocupação visual dos espaços públicos da cidade por outdoors, placas, galhardetes, e todo tipo de displays, eletrônicos ou não, de propaganda comercial que vem agredindo a cidade, sempre crescentemente, nos últimos anos - corroborada pela maciça propaganda política espalhada em época de eleições (esta que, ordinária, rasga-se e balança pendurada entre vias de alta velocidade, ameaçando atodos).
Contra esse estado de coisas ouvimos regularmente vozes levantarem-se, partindo dos mais diversos setores da população (inclusive o nosso atual prefeito) no sentido de se criar alguma forma de controle sobre a ganância humana em cima do espaço visual urbano. E é claro que têm razão em sua preocupação e deve-se dar ouvidos a essas vozes para que não tornemo-nos reféns de um processo de poluição visual acelerada que (já experimentaram desenhos hiperanimados japoneses) é capaz de causar sérios danos à população. Acontece que outro tipo de poluição visual vem tomando a cidade sem que atentemo-nos para o fato. E seus mecanismos de engendramento chegam a ser mais perniciosos, por eludirem suas reais intenções e lucros. Se a propaganda em espaço público é paga periodicamente pelo anunciante em função evidente de seu próprio lucro, no caso aqui em questão o anunciante vem recebendo esse espaço por tempo indeterminado gratuitamente ou até mesmo recebendo por esse bem sucedido exercício de marketing pessoal e profissional. Nos últimos anos assistimos impotentes à proliferação de esculturas públicas plantadas em nossos jardins da noite para o dia, sem que tenhamos o menor acesso ao processo de sua aprovação (infeliz e evidentemente) e, o que é mais grave, à maneira como esse processo toma forma.
Se no loteamento comercial do espaço visual público pode-se alegar que a receita da prefeitura reverteria em benefícios objetivos para a própria cidade, no caso dessas esculturas fica difícil vislumbrar qualquer lucro que não o particular dessa artista - além de seu objetivo alegado, a melhoria estética da cidade. E é aí que nos aproximamos do cerne da questão. O que é um benefício estético para a cidade, e quem é que tem o poder de determiná-lo, controlando a ocupação de logradouros públicos por obras artísticas?
O fato é que esses responsáveis vêm aceitando presentes em nome da cidade (não se pode garantir até agora a cobrança de contrapartida, o que não diminui o risco evidente dessa prática), e vem pagando imediatamente por isso, na forma de renúncia fiscal, logo, às nossas expensas. A vista ou a prazo o custo é alto o bastante (a olhos e bolsos) para exigir prestação de contas. Quem decidiu a compra, encomenda ou recebimento de doação, e a colocação dessas esculturas na cidade do Rio de Janeiro nos últimos anos?
Quem bancou a instalação de, pelo menos, seis esculturas de uma mesma artista em pontos de destaque de nossas vias públicas, espalhando sua estética e currículo rapidamente, em nome da cidade (com sua mídia incluída)?
As autoridades responsáveis deveriam vir a público explicar o mais recente fenômeno dessa onda de invasões, ou o processo que levou à instalação de uma escultura em frente ao Estádio de Remo da Lagoa na última semana. A escolha dessa mesma artista que já brindou-nos com suas oportunas peças-homenagens, hoje adornando vias públicas em São Conrado e Barra, permite vislumbrar brevemente um roteiro turístico para o acompanhamento de suas esculturas pela cidade. Como temos certeza de que vários outros artistas (de tão profícuo talento) também gostariam de poder, por meios próprios ou financiados, prestar suas próprias homenagens a esses ou a outros personagens relevantes da história da cidade e do país, gostaríamos de ter acesso ao processo que veio a autorizar a instalação dessas vistosas esculturas em praça pública.
RT
Apoio a campanha do Sr. RT contra esta overdose de esculturas da Mazeredo, de qualidade mais que duvidosa. E o argumento do AncelmoGóes é umpouco fraco.
É bom também reparar que no Palácio da Cidade-patrimônio da Cidade, penso - os quadros do Glauco Rodrigues homenageando personagens importantes da cidade (Machado de Assis, Oswaldo Cruz e Pereira Passos)e bem de acordo com o espaço, muitobons, foram substituídos por quadros + "bonitinhios", isto é, do gosto da Primeira Dama. Uma cafonice só...
Não gostaria dedivulgação do meu nome. Isto não importa. Importa denunciar estes abusos.
Pode colocar só Maria Dantas.
Postado originalmente no Blog do Canal.
Posted by: Maria Dantas at julho 22, 2004 5:41 PM