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novembro 10, 2018
Sonia Gomes no MASP, São Paulo
A monográfica Ainda assim me levanto é uma parceria do MASP com Instituto Bardi e obras também serão exibidas na Casa de Vidro
No ano em que completa 70 anos, Sonia Gomes (Caetanópolis, MG) ganha sua primeira monográfica em um museu paulistano. A mostra no MASP, Ainda assim me levanto, se realiza em parceria com o Instituto Bardi e os trabalhos da artista mineira serão exibidos tanto no espaço do museu como na Casa de Vidro, icônicas construções que desafiam a obra de Sonia a dialogar com a arquitetura modernista de Lina Bo Bardi. Concomitantemente à abertura de Rubem Valentim: Construções afro-atlânticas, ambas mostras integram o ciclo de histórias afro-atlânticas, eixo curatorial ao qual o museu se dedica em 2018.
Única brasileira convidada para a 56ª Bienal de Veneza de 2015, curada por Okwui Enwezor, Sonia Gomes iniciou sua carreira aos 45 anos e aos 60 encontrou reconhecimento, estando hoje em plena atividade.
Ainda assim me levanto é o título escolhido pela própria artista para a exposição, em referência ao poema “Still I Rise”, de Maya Angelou, escritora e ativista estadunidense reconhecida por sua luta em favor dos direitos civis, sobretudo para os negros e as mulheres.
O processo de realização das obras que integram a mostra ocorreu ao longo deste ano, de modo comissionado. E o caráter inédito não reside apenas na exibição de novos trabalhos, mas também na escolha de um dos materiais com o qual ela decidiu trabalhar: a madeira.
Suas esculturas e instalações –comumente executadas em tecido e com peças de mobiliário ofertados à artista ou encontrados ao acaso– são bordadas com minúcia. “Retalhos e também objetos, outrora úteis e depois fadados ao descarte, manipulados manualmente, constituem matéria de poesia nos trabalhos de Sonia Gomes”, afirma Amanda Carneiro, supervisora de mediação e programas públicos do MASP e curadora desta exposição.
“Ao utilizar materiais ligados ao universo doméstico, a artista lhes confere novos significados; eles passam a questionar e, ao mesmo tempo, reafirmar o que se atribui a uma produção feminina, mais ainda, os limites nem sempre explícitos entre arte e artesanato, sublinhando as falsas premissas que distinguem esses campos –dissolução também proposta pela própria Lina Bo Bardi”, completa Amanda. Vale lembrar a exposição A Mão do Povo Brasileiro, 1969/2016 (concebida pela arquiteta junto com Pietro Maria Bardi, Glauber Rocha e Martim Gonçalves) apresentada em 1969 e reencenada em 2016 e que contrastava com o acervo de arte europeia do MASP.
Seu fazer elabora-se em diferentes camadas, cores e texturas e cria uma densidade delicada e, simultaneamente, vigorosa. Com os novos trabalhos, sua produção encontra a rigidez e o caráter sólido do tempo impregnado nos troncos e galhos, em uma referência à ideia de raiz. Segundo Amanda, se até então sua obra lidava com os vestígios da presença afetiva de vida nos tecidos e nos objetos, ao manipular lembranças e recordações, Gomes agora mergulha na longa duração da natureza.
A exposição permitirá ao público uma aproximação com as obras da artista a partir da concepção articulada de uma arte que, como prática, é capaz de semear e apontar questões ligadas a tridimensionalidade, ao volume, ao equilibrio e a materialidade do têxtil e da madeira, bem como sobre repetição, duplicação, sobreposição e alternância das formas – todos parâmetros importantes nos trabalhos da artista.
Sonia Gomes nasceu em Caetanópolis, cidade mineira que foi importante polo de produção têxtil no Brasil e que a conectou, desde muito cedo, a diferentes tipos de tecido com os quais gostava de brincar.
A artista, embora muito habilidosa em tecer, nunca chegou a aprender técnicas formais de costura. Por outro lado, sempre interferiu em suas próprias roupas e objetos pessoais a partir do trabalho com os tecidos. Formou-se em Direito e advogou até quitar a compra do apartamento onde morava em Belo Horizonte, quando passou a dedicar-se exclusivamente ao que chamava de “suas coisas”: bijuterias, desenhos e trabalhos em tecido.
Ao voltar para o Brasil, depois de uma estadia nos Estados Unidos nos anos 1990, Gomes matriculou-se em um curso de pintura. Na Escola Guignard frequentou uma série de cursos livres no decorrer da mesma década, tendo aulas com nomes como Pedro Augusto e Sara Ávila. Foi a partir daí que começou a se entender e reconhecer como artista.
Sua primeira exposição Pinturas, em 1994, foi realizada na Casa de Cultura Sete Lagoas, em Minas Gerais. Dez anos depois, expôs suas obras em um antiquário e galeria de Belo Horizonte –à época, já se dedicava às obras em tecido. Em 2008 passou a ser representada por uma galeria e, desde então, a produção de Sonia começou a circular em exposições pelo Brasil e no circuito internacional. Participou, em 2013, da mostra A nova mão afro-brasileira, com curadoria de Emanoel Araujo, no Museu Afro Brasil e, em 2015, do 19º Festival de arte contemporânea Sesc_VideoBrasil: Panoramas do Sul e da 56ª Bienal de Veneza, All the World’s Futures.
Histórias afro-atlânticas
A exposição ocorre em um ano inteiro dedicado às trocas culturais em torno do Atlântico, envolvendo África, Europa e Américas ---que inclui mostras individuais de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Maria Auxiliadora e Emanoel Araujo, que ocorreram no primeiro semestre, a coletiva Histórias Afro-atlânticas, realizada no segundo semestre, e as exposições de Lucia Laguna e Pedro Figari, programadas para dezembro. O encerramento da mostra de Sonia, em 2019, se dará no ano das histórias feministas e das histórias das mulheres.
Na sala de vídeo também serão apresentados, ao longo de 2018, autores de diferentes nacionalidades, gerações e origens capazes de contar outras histórias da diáspora negra. Os artistas que participam do programa são: Ayrson Heráclito (19/4 a 17/6), John Akomfrah (28/6 a 12/8), Kahlil Joseph (23/8 a 30/9), Kader Attia, (11/10 a 25/11), Catarina Simão (13/12 a 27/01/19), Jenn Nkiru (08/02 a 24/03/19) e Akosua Adoma (14/6 a 18/7/2019).
Catálogo
Uma publicação será lançada, no dia da abertura, e resulta de uma parceria com o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, que recebe uma exposição monográfica da artista entre os meses de agosto a novembro deste ano, chamada A Vida Renasce, Sempre. O catálogo, com versões em português e inglês, inclui textos de Amanda Carneiro, Raphael Fonseca (curador da exposição carioca ao lado de Pablo León de la Barra), Cecilia Fajardo-Hill, Júlia Rebouças e Rodrigo Moura.