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julho 9, 2018
Histórias afro-atlânticas no ITO e MASP, São Paulo
Em iniciativa inédita, MASP e Instituto Tomie Ohtake organizam juntos a exposição Histórias afro-atlânticas
Ao longo de todo o ano de 2018, o MASP dedica seu programa de exposições e atividades às histórias e narrativas afro-atlânticas. Essas histórias não se referem apenas ao período da escravidão, em que populações africanas foram retiradas à força de seu continente para serem escravizadas nas colônias europeias nas Américas e no Caribe, mas fala, sobretudo, dos “fluxos e refluxos”, usando a famosa expressão de Pierre Verger, entre esses povos atlânticos, desde o século 16 até a contemporaneidade. O ciclo teve início em março, e já apresentou Imagens do Aleijadinho, Maria Auxiliadora da Silva: vida cotidiana, pintura e resistência e Emanoel Araujo, a ancestralidade dos símbolos: África-Brasil. No segundo semestre, exibe individuais de Lucia Laguna, Melvin Edwards, Pedro Figari, Rubem Valentim e Sonia Gomes.
A exposição coletiva Histórias afro-atlânticas reúne, em iniciativa inédita, duas das principais instituições culturais de São Paulo: o MASP e o Instituto Tomie Ohtake. Trata-se, de certa maneira, de um desdobramento da exposição Histórias mestiças, realizada em 2014, no Instituto Tomie Ohtake, por Adriano Pedrosa, diretor artístico do MASP, e Lilia Schwarcz, curadora adjunta para histórias, que também assinam a curadoria desta nova mostra, junto com Ayrson Heráclito e Hélio Menezes, curadores convidados, e Tomás Toledo, curador do MASP.
Histórias afro-atlânticas apresenta cerca de 400 obras de mais de 200 artistas, tanto do acervo do MASP, quanto de coleções brasileiras e internacionais, incluindo desenhos, pinturas, esculturas, filmes, vídeos, instalações e fotografias, além de documentos e publicações, de arte africana, europeia, latino e norte-americana, caribenha, entre outras. Os empréstimos foram cedidos por algumas das principais coleções particulares, museus e instituições culturais do mundo. Entre elas, destacam-se: Metropolitan Museum, Nova York, J. Paul Getty Museum, Los Angeles, National Gallery of Art, Washington, Menil Collection, Houston, Galleria degli Uffizi, Florença, Musée du quai Branly, Paris, National Portrait Gallery, Londres, Victoria and Albert Museum, Londres, National Gallery of Denmark (SMK), Copenhague, Museo Nacional de Bellas Artes de La Habana e National Gallery of Jamaica.
A exposição articula-se em torno de núcleos temáticos, alguns dos quais dialogam com aqueles presentes em Histórias mestiças. No MASP estão os núcleos Mapas e margens; Cotidianos; Ritos e ritmos; Retratos; Modernismos afro-atlânticos; Rotas e transes: Áfricas, Jamaica, Bahia; e no Instituto Tomie Ohtake estão Emancipações; Ativismos e resistências. Em cada núcleo, friccionam-se diferentes movimentos artísticos, geografias, temporalidades e materialidades, sem compromisso cronológico, enciclopédico ou mesmo retrospectivo. Histórias afro-atlânticas busca, assim, oferecer um panorama das múltiplas histórias possíveis acerca das trocas bilaterais – culturais, simbólicas, artísticas, etc. – representadas em imagens vindas da África, da Europa, das Américas e do Caribe.
É importante ressaltar que o Brasil é um território chave nessas histórias, pois recebeu cerca de 46% dos africanos e africanas que, ao longo de mais de 300 anos, foram tirados de seus países para serem escravizados desse lado do Atlântico (número correspondente ao dobro dos portugueses que se estabeleceram no país para colonizá-lo), na maior diáspora da época moderna. O Brasil foi também o último país a abolir oficialmente a escravidão, em 1888, por meio da Lei Áurea, uma medida curta e conservadora (uma vez que não previa a incorporação desta população) que completou 130 anos em maio deste ano.
Histórias afro-atlânticas está organizada de forma independente e não-linear entre as duas instituições, não havendo uma ordem correta ou obrigatória a seguir. Como vimos, no Histórias afro-atlânticas Instituto Tomie Ohtake, há duas salas dedicadas à mostra; no MASP, todos os espaços expositivos temporário estão ocupados pela mostra.
NÚCLEOS MASP
1º andar
MAPAS E MARGENS – os fluxos afro-atlânticos são apresentados neste núcleo que abre a exposição no MASP e inclui trabalhos que lidam com representações do trânsito entre as margens da África, Américas e Caribe.
COTIDIANOS – este núcleo agrupa representações da vida cotidiana, em diferentes contextos históricos, dos períodos anterior e posterior ao sistema escravocrata, nas Américas, no Caribe e em diversas regiões da África, com trabalhos de artistas de distintas nacionalidades. Está dividido em seções, que abordam temas como mercados, a vida no campo e cenas urbanas.
RITOS E RITMOS – este núcleo conta com representações diversas de festividades e manifestações musicais, como o carnaval, o merengue e o samba, bem como trabalhos que revelam a presença e a influência das religiões de matriz africana, sobretudo da cultural Ioruba, no Brasil, Caribe e Estados Unidos.
RETRATOS – m oposição às tradicionais pinacotecas de retratos de museus que exibem, em sua grande maioria, apenas a elite e as populações brancas, e masculinas, este núcleo apresenta um vasto conjunto de representações de negros e negras, elaborados por artistas de diferentes nacionalidades e períodos históricos.
1º subsolo
MODERNISMOS AFRO-ATLÂNTICOS – este núcleo apresenta artistas modernistas africanos, brasileiros, cubanos e norte-americanos que trabalham, sobretudo, com a abstração, tanto geométrica, quanto informal. Ele confronta, portanto, uma visão que costuma vincular essas populações apenas a obras “ditas” populares, e ingênuas.
2º subsolo
ROTAS E TRANSES: ÁFRICAS, JAMAICA, BAHIA – este núcleo reúne representações de transe, religiões, rastafarismos, hipismo e psicodelismo, que informaram um conjunto de obras produzidas a partir de 1960, em trânsito entre Benim, Cuba, Jamaica e diferentes cidades do Brasil.
NÚCLEOS INSTITUTO TOMIE OHTAKE
EMANCIPAÇÕES – este núcleo mostra como desde que existiu a escravidão manteve-se firme a certeza da liberdade. Desde o aprisionamento na África, durante a viagem nos navios negreiros e já na chegada às Américas e ao Caribe escravizados e escravizadas sempre se rebelaram, promoveram insurreições, fugiram, cometeram suicídios e abortos e formaram quilombos, que não eram, como se costumou definir, locais isolados.
ATIVISMOS E RESISTÊNCIAS – ser mestre de si, desobedecer o mando, é o mote que inspira este núcleo. Partindo da grande revolta do Haiti, que mostrou ao mundo como ser escravo não era destino, o núcleo chega até os protestos mais contemporâneos. Coloca, assim, em diálogo diferentes temporalidades e geografias de ativismos afro-atlânticos, dando especial atenção às práticas de resistência à escravidão, às lutas por direitos civis e de combate ao racismo, aos rituais religiosos e às contra-narrativas de empoderamento e formação de espaços de sociabilidade negra.
Como parte do processo de pesquisa e preparação da mostra, o MASP promoveu dois seminários internacionais, em 28 e 29 de outubro de 2016 e 21e 22 de outubro de 2017, reunindo especialistas em vários domínios e temas, como história da arte, sociologia, história e antropologia. Uma seleção dessas palestras e artigos, bem como outros materiais selecionados para esse fim, será publicada como uma antologia de textos. Além disso, um catálogo completo e ilustrado acompanhará a exposição, com textos dos curadores.
O escritório de arquitetura Metro Arquitetos Associados assina a expografia da mostra no MASP, enquanto a do Instituto Tomie Ohtake é assinada pela própria equipe.