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maio 14, 2017
Fundação Iberê Camargo dá início à nova programação em maio, Porto Alegre
A Fundação Iberê Camargo inaugura, no dia 18 de maio, duas novas exposições que dão início a uma nova etapa em sua programação cultural. Buscando dialogar com outras manifestações artísticas, que vão além das artes visuais, bem como estabelecer interlocuções com os demais campos do conhecimento, as mostras No Drama e Depois do fim se desdobram em atividades que envolvem áreas como música, cinema, literatura e teatro. A partir do processo de reposicionamento da FIC, que dentre outras ações levou à contratação de seu primeiro curador residente, a instituição vislumbra tornar-se mais democrática e permeável às questões impostas pela agenda cultural, política e econômica da contemporaneidade.
No Drama, exposição que apresenta face pouco conhecida da obra de Iberê Camargo, a saber, sua relação com a dramaturgia, foi pensada e desenhada pelo curador Eduardo Haesbaert – artista que conviveu com o pintor, como seu assistente, em sua última e mais penosa quadra de vida. A mostra exibe telas, painéis, fotografias e estudos, e até mesmo um vestido, os quais reverberam o dinamismo de um artista que fazia dos sábados em sua casa, e de suas sessões de pintura, momentos de criação, ilustração e convivência com artistas e intelectuais das mais variadas origens.
Nos estudos de boca de cena e figurinos para o Balé Rudá, peça de Heitor Villa-Lobos jamais executada pelo compositor em vida, Iberê investiga o delírio tropical de uma américa amazônica, donde a força e o fogo da paixão nativa alimentam uma epopeia de cor e fantasia; dentre as fabulosas lendas gauchescas de João Simões Lopes Neto, reiterado objeto de estudo do artista, deparamos nesta exposição com um conjunto de painéis pintados em fórmica, uma técnica pouco conhecida, embora explorada por Iberê em sua versão para a Salamanca do Jarau. Na sequência do passeio pelo "lado B" de um gênio indomável, encontramos os guaches criados pelo pintor para uma encenação de Luigi Pirandello - O Homem com a Flor na Boca -, cuja atuação de Manoel Aranha, quando já atingido pelo HIV nos anos de 1990, levou o artista à comovente performance em seu estúdio que aqui pode ser vista no filme Presságio, de Renato Falcão; ainda no teatro, As Criadas de Jean Genet ganham uma materialidade própria em guaches pérfidos e misteriosos; e, por fim, pontuando um elenco de notáveis personagens, o curador elegeu duas obras simbólicas da força e da atitude que marcaram a relação de Iberê Camargo com o drama, fosse ele nos palcos, nas telas ou na vida: Retrato Jane e Mariza, uma pintura onde se vê duas mulheres de expressiva fisionomia, como que siamesas em seu comum semblante carregado de horror, e O Delírio, um guache que confronta o público com a face do sonho e do pesadelo que embalam nossas noites, mas também nossas vidas, em suas toadas imprevisíveis e sempre absurdas quando os dias chegam ao fim.
Depois do fim, primeira curadoria de Bernardo José de Souza à frente da programação cultural da FIC como seu Diretor Artístico, toma como premissa a ideia de fim do mundo para refletir sobre a produção simbólica, afetiva e material constituída pela humanidade ao longo dos tempos, buscando investigar nossa relação com a natureza, a ficção, o passado e o futuro.
A Fundação Iberê Camargo é nesta mostra entendida como um espaço ficcional, uma cápsula do tempo na qual são conservados diversos elementos constituintes da memória afetiva, material e visual do homem – um edifício projetado para preservar a espécie humana dos riscos representados pela natureza neste estágio avançado do Antropoceno – conceito sobre o início de uma nova era, a qual se a partir da cumulativa e acelerada ação do homem sobre o planeta. Nesse contexto, os visitantes desempenham o papel de exploradores do futuro, seres de uma civilização vindoura que aqui aporta e se depara com os vestígios e ruínas de um outro tempo.
Partindo de um arco estético e geracional bastante amplo, Depois do fim articula um universo de obras e artistas que se encontram próximos, tanto geográfica quanto conceitualmente, das especulações filosóficas quanto ao passado, ao presente e ao futuro da humanidade. Neste sentido, a investigação do Antropoceno e das utopias e distopias que embalaram o século XX, e seguem reverberando sobre o nosso tempo, constituem o eixo dos debates e questões suscitadas pela presente mostra.
Movida por um senso de urgência e responsabilidade compatível com as demandas do novo milênio e com a quadra de desafios que ora atravessam o mundo e a Fundação Iberê Camargo, Depois do fim questiona a relação ambígua que o homem contemporâneo estabelece com as distintas temporalidades, quer seja estética ou mesmo politicamente. Segundo o curador Bernardo José de Souza, "vivemos ao sabor de um tempo que não se apresenta por completo, que é fracionado, em meio à "escuridão do presente", como bem descreve o filósofo Giorgio Agamben. A contemporaneidade carrega em si a potência de um futuro nebuloso, disforme, e é justamente esta plasticidade que este projeto procura estudar".