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agosto 6, 2014
Rubens Gerchman na Casa Daros, Rio de Janeiro
A Casa Daros apresenta, de 9 de agosto de 2014 a 8 de fevereiro de 2015, a exposição “Rubens Gerchman – com a demissão no bolso”, que homenageia a trajetória do artista Rubens Gerchman (1942-2008) e sua atuação como educador e formador de novos artistas, no período em que criou e dirigiu a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, entre 1975 e 1979. Artista múltiplo, identificado com as vanguardas, usou ícones de futebol, televisão e política em suas obras, Gerchman fundou uma escola de arte para além do formalismo, abrindo oficinas como prática de ensino, e aliando conceitos como lazer e prazer nas ações feitas no local. A exposição tem curadoria de Eugenio Valdés Figueroa, diretor de arte e educação da Casa Daros, e de Clara Gerchman, filha do artista e curadora do Instituto Rubens Gerchman, entidade sem fins lucrativos criada em 2010 para manter vivo o legado de Rubens Gerchman.
A ideia da exposição surgiu do encontro entre Isabella Rosado Nunes, então diretora-geral da Casa Daros, Eugenio Valdés Figueroa e Clara Gerchman para desenvolver uma temática comum entre os dois espaços, a de arte e educação. A exposição não só resgata um momento importante da história da arte do Brasil como também homenageia a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, estabelecimento de arte e educação pioneiro no Rio de Janeiro.
A exposição se constitui de uma linha temporal, que vai de 1966 a 1979, e as datas marcantes serão ilustradas com cerca de vinte obras de Gerchman em papel, como desenhos, gravuras, cadernos de artista, e um de seus famosos pocket stuff (coisas de bolso). Também estarão reproduções de fotografias, cartazes, poemas visuais, entrevistas, e vários documentos, entre fac-símiles e originais, como a capa do disco “Tropicália” (1968), os três raros números da revista “Malasartes”, todos pertencentes ao acervo do IRG. Músicas do período, como “Domingo no parque”, de Gilberto Gil; “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso; “Parque industrial”, de Tom Zé, e “Lindoneia”, de Caetano Veloso, poderão ser ouvidas em fones de ouvido. Haverá ainda uma vitrine na sala, com objetos do artista.
“Não é possível separar as inquietudes artísticas de Gerchman das propostas pedagógicas que ele introduziu na Escola de Artes Visuais do Parque Lage”, afirma Eugenio Valdés Figueroa. “A interseção de ambas as atividades foi nossa bússola no modo de ordenar e relacionar a documentação disponível e de orientar as entrevistas que alguns de seus colegas generosamente ofereceram”, diz. “Esta é uma grande oportunidade de mostrar ao público parte de um rico acervo histórico e inédito”, observa Clara Gerchman. “O projeto é bastante especial, pois trata de um período da vida de meu pai que ele guardava com muito carinho. A Escola de Artes Visuais foi uma grande obra de arte de Gerchman, foi a ‘Caixa de Morar’”, afirma ela.
LINA BO BARDI
O título da exposição vem da conversa entre Gerchman e a arquiteta e amiga Lina Bo Bardi (1914-1992), em 1975, quando o amigo teve dúvidas se aceitava o convite para dirigir o então Instituto de Belas-Artes do Rio de Janeiro, feito pelo dramaturgo Paulo Afonso Grisolli (1934-2004), diretor de cultura da Secretaria de Educação do Estado. Lina Bo Bardi disse: “Aceite! E, se achar que deve sair, então peça demissão”. “Gerchman e ela escreveram juntos sua carta de renúncia e, pronto para apresentá-la a qualquer momento, levou-a já assinada durante vários anos em seu bolso, como um pocket stuff. Não era um gesto de descompromisso, mas sim de autonomia, de liberdade de escolha”, explica Eugenio Valdés Figueroa.
POCKET STUFF (COISAS DE BOLSO)
Enquanto estava em Nova York, entre 1968 e 1972, Rubens Gerchman “inventou um modo de levar no bolso uma porção de mundo”, conta Eugenio. “Eram os pocket stuff (coisas de bolso), nome dado por Hélio Oiticica (1937-1980) aos poemas-objetos que cabiam na palma da mão. Hélio afirmava que, desde as Marmitas, as Caixas de morar e as Cartilhas em superlativo, a obra de Gerchman havia evoluído para a ideia de um engenhoso ‘construa o próprio jogo’ portátil”. Ele ressalta que no poema “Pela rachadura”, de 1971, Gerchman “enunciou algumas das estratégias com as quais retornaria equipado ao Brasil: “… corte primeiro na superfície (...), preparado para mergulhar (…) procurar no cosmos o macro no micro, sementes procurando caminho entre pedras, ser líquido bastante para brotar, numa racha do asfalto…”.
“Uma das grandes contribuições de Gerchman foi ter reunido um quadro de talentosos professores e colaboradores, afins com o propósito de “des-academizar” a escola e transformá-la em laboratório”, destaca Eugenio Figueroa.
DOCUMENTÁRIO INÉDITO
Em seus últimos três meses de vida, o artista Rubens Gerchman pediu às filhas Clara e Verônica que gravassem em vídeo depoimentos dele sobre seu período à frente da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Esses registros, inéditos, foram o ponto de partida para o documentário feito especialmente para a exposição “Rubens Gerchman – Com a demissão no bolso”. Bernardo Pinheiro Motta e Pedro Rossi, diretores do filme de quarenta minutos, com produção da Zohar, inseriram trechos de filmes da época, e colheram depoimentos de amigos e parceiros do artista, como Helio Eichbauer, Heloisa Buarque de Hollanda, Carlos Vergara, Roberto Magalhães, Sergio Santeiro, Xico Chaves, Rosa Magalhães, Frederico Moraes, Luiz Ernesto, Jards Macalé, Bernardo Vilhena e Walter Carvalho.
Através do filme, exibido em um monitor, resgata-se o pensamento do artista, sua formação, seu período em Nova York, sua participação no movimento Nova Figuração, a arte conceitual e reflexiva, e a prática da Escola de Artes Visuais do Parque Lage como um exercício de liberdade, de cruzamento de meios e disciplinas, a ideia radical de “nunca fechar”, e um local em ebulição, onde chegou a funcionar quarenta oficinas simultaneamente.
O documentário reúne trechos de vários filmes, cedidos por seus realizadores, como os curtas-metragens “Triunfo hermético” (1972, Super 8), de Rubens Gerchman; “Ver e Ouvir” (1967), de Antonio Carlos Fontoura, sobre Gerchman, Roberto Magalhães (1940) e Antonio Dias (1944); “Arte Pública” (1967), de Jorge Sirito e Paulo Martins; “Noite acesa”, de Luiz Alphonsus (1976, Super 8), sobre o lançamento da antologia "26 Poetas Hoje", no Parque Lage; “Morto no exílio” (1979), drama sobre o martírio de Frei Tito (1945-1974), com Nelson Xavier, feito pelos alunos do cineasta Sergio Santeiro em sua oficina na EAV (roteiro e direção: Daniel Caetano e Micheline Bondi, e fotografia: Fernando Duarte); e “Uirapuru” (1976, Super 8), Neide Dias de Sá, registro do happening de Helio Eichbauer no Parque Lage a partir do poema sinfônico de Villa-Lobos.
Na sala anexa, o público saberá mais sobre o artista e sua atuação na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, e poderá assistir a íntegra dos depoimentos colhidos para o documentário. Os depoimentos foram divididos em três eixos temáticos: “Pela rachadura: política e contracultura”, sobre o pensamento de Gerchman, e o contexto da época, em que a cultura se opunha à ditadura; “Pluridimensional/Transdisciplinar”, sobre as oficinas no Parque Lage; “Casa/Corpo/Cosmos”, sobre as ações pedagógicas e de lazer na Escola de Artes Visuais, e a convivência com os amigos.
Clara Gerchman destaca que em 2015, “a EAV completará 40 anos desde a sua criação em 1975, portanto, esse registro e homenagem precisam ser feitos, pois nos anos 1970 foi a grande escola de vanguarda brasileira”. “Na verdade, era mais do que uma escola de arte naquela época, era uma vivência. Ela funcionava de forma experimental e transdisciplinar. Foi uma espécie de residência artística durante um período político tão difícil, como a ditadura militar. Ela está para o Brasil, assim como a Bauhaus está para a Europa, e a Black Mountain esta para os Estados Unidos”, diz.
SOBRE O INSTITUTO RUBENS GERCHMAN
O Instituto Rubens Gerchman (IRG), entidade sem fins lucrativos, foi criado em 2010, pouco após o falecimento do artista, o com o intuito de perpetuar e salvaguardar tanto sua memória do artista quanto seu vasto acervo. A coleção do IRG contempla um legado bastante diversificado, que abrange obras do artista e ainda seus materiais de trabalho, sua biblioteca pessoal, periódicos históricos, correspondências, fotografias, cromos e negativos.
Profissionais de vários campos – arquivistas, museólogos, restauradores, historiadores, curadores, produtores e gestores – vêm realizando um importante trabalho de pesquisa, restauro, conservação, preservação e difusão do legado de Rubens Gerchman.
Disseminar a produção artística de Gerchman, a partir de exposições, catálogos e vídeos, e do site www.rubensgerchman.org.br, tem ainda o objetivo de criar novos públicos, democratizando o acesso a sua obra e permitindo a leitura da própria história da arte brasileira – tem valor inestimável para os herdeiros do artista, para a equipe do Instituto e para a cultura do país.