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dezembro 10, 2009
Trilhas do Desejo com as obras dos selecionados no Rumos Artes Visuais
Flechas em grandes dimensões invertem sua função; uma batalha naval gigante convida a jogar; intervenções em fotos subvertem as formas; pinturas ganham novas matérias primas; imagens em vídeo distorcem paisagens. São 72 trabalhos realizados pelos contemplados no Rumos Artes Visuais 2008-2009; entre eles, seis do Rio de Janeiro, que fecham a itinerância da mostra exibidos, na integra, no Paço.
No dia 15 de dezembro, o Itaú Cultural abre Rumos Artes Visuais – Trilhas do Desejo no Paço Imperial, centro cultural do Iphan, no Rio de Janeiro. A mostra permanece em cartaz para o público do dia seguinte a 28 de fevereiro de 2010. Organizada por Paulo Sérgio Duarte, coordenador geral da comissão curatorial, ela exibe o resultado da edição 2008-2009 deste programa, cujo objetivo é garimpar, mapear, diagnosticar e fomentar o melhor da produção contemporânea em todo o Brasil. Na ocasião da abertura serão lançados também o livro Trilhas do Desejo – A arte Visual Brasileira, em parceria com a editora SENAC/São Paulo, e o DVD Trilhas do Desejo, uma produção do próprio instituto.
Entre pinturas, fotografias, esculturas, instalações, vídeos, performances, e videoinstalações, as obras realizadas pelos 45 contemplados nesta quarta edição do Rumos representam 11 estados e abrangem todas as regiões do Brasil: seis são do Rio de Janeiro, duas do Ceará, uma do Distrito Federal, uma de Goiás, três de Minas, cinco do Pará, duas do Paraná, três de Pernambuco, quatro do Rio Grande do Sul, duas de Santa Catarina e 16 de São Paulo. Para o curador, o resultado traduz a vitalidade da arte contemporânea brasileira, eminentemente urbana.
“Quando o mundo rural aparece nestas obras, o que é raro, é tratado por linguagens urbanas e as preocupações estão mais voltadas por uma perspectiva influenciada pela ecologia e as questões ambientais”, observa Paulo Sergio Duarte. Ele também detecta um esvaziamento na abordagem de temas sociais: “Quando presentes, com freqüência estão ligados à existência mais imediata e individual, outro traço comum à arte contemporânea nessa época globalizada, já um capítulo na história que vem sendo designado como ‘arte & vida’.”
Do Rio de Janeiro vêm as pinturas de Jaqueline Vojta: Noite Sutil; Número 1 de Novo, e Até que o Céu Caia Sobre Mim. São colagens de tecidos pintados pela artista com relevos sutis e cores escuras – obras que pedem tempo para serem entendidas. A série de pinturas – Paisagem, Paisagem 1 e Paisagem 2 –, do também carioca Álvaro Seixas, desafiam o espectador com espessas camadas de tinta, que recobrem e escorrem da superfície das obras e revelam construções geométricas parecidas com formas arquitetônicas.
Em Contra-muro, videoinstalação da carioca Ana Holck, três filmes são projetados em uma sala, de modo que cada um ocupe toda uma parede e apresente a construção de um mesmo muro de tijolos de concreto em diferentes etapas do processo. À medida que este espaço murado vai sendo erguido de um lado, vai sendo destruído do outro. Ainda do Rio, Amália Giacomini provoca o visitante com Entre, uma série de setas gigantes. Colocadas em sentido contrário do percurso a ser seguido pelo público, elas criam um curto circuito entre a atração espacial e a repulsão simbólica do espaço da arte.
O capixaba Rafael Alonso apresenta Desktop; Linhas em uma Mesma Direção Justapostas; e Objeto Autodestrutível. Trabalhando com aquilo que parece, mas não é, estas obras são entendidas à primeira vista como pinturas, porém, elas foram executadas com milhares de elásticos de escritório coloridos e com durex, ao invés de pincel e tinta.
Fechando a lista dos artistas do Rio, o coletivo Gráfica Utópica + O Circo dos Sonhos, apresenta o vídeo O Circo dos Sonhos, no qual instaura um estado de suspensão diante da realidade com o uso de recursos de luz e elementos apropriados de diferentes práticas espirituais.
Pinturas, Esculturas, Fotos e Instalações
Duas das obras que dão uma pista da reflexão urbana encontrada no conjunto da mostra são Série Rua do Futuro, do pernambucano Kilian Glassner, e Galeria Boliche, do mineiro Tiago de Carvalho. Na primeira, Glassner apresenta fotografias que são parte de um projeto pessoal de prospecção urbana, no qual inicia o trabalho escolhendo um imóvel abandonado. O artista o ocupa, realiza nele intervenções com pintura, para depois destruí-las parcialmente a golpes de marreta e fotografá-las.
A obra de Carvalho tem como base um trabalho anterior realizado pelo artista em visitas feitas às casas de moradores em Caladinho, bairro de sua cidade natal, Coronel Fabriciano. As histórias que ele foi capturando informalmente e de modo intimista mapeiam poeticamente o cotidiano dessas pessoas para serem expostas na “Galeria Boliche”, espaço criado temporariamente por ele para abrigá-las e posteriormente fotografado. A obra é apresentada nesta exposição em fotos e catálogo.
Entre as demais obras, dois óleos sobre tela (sem título) do curitibano Felipe Scandelari brincam com o olhar do espectador. De longe, a imagem que se vê em uma delas forma borboletas, na outra, se vislumbram copos. Elas são perfeitamente visíveis, mas quando o observador se aproxima, o conjunto é desfocado.
Grafite sobre papel vegetal é a matéria prima do gaúcho Gabriel Netto, em Desenho Instalado nº 2. Esta obra ocupa sete metros do piso e migrando para as paredes, onde é copiada e colada por fitas adesivas.
Alegre e colorido, o trabalho do paulistano Nino Cais, sem título, apresenta finas colunas que, do nada, parecem empurrar capitéis de cores diferentes para o teto. Em mais uma provocação à gravidade, e também ao tempo, o gaúcho Ernani Chaves traz as esculturas em madeira, Topos de Goiabeira Escorados e Caixilhos Empilhados. Com ambas, ele faz torres sem sustentação. Vê-se que elas cairão, mas, na ótica do artista, as obras perduram na disposição desordenada das peças após a queda da estrutura.
A xilogravura sobre papel do santista Fabrício Lopes, Rema, Rema, Remador, é feita de várias matrizes coladas sobre a parede e de cuja colagem surge a obra, ao mesmo tempo única e múltipla. O paulistano Diego Belda traz uma mescla de escultura com pintura, em Sinuca de Bico e em Sinuca: Bola Seis atrás da Cinco. A sua conterrânea Alice Shintani faz uma intervenção também pictórica, cor-de-rosa: Quimera, onde tudo é tomado pela cor em uma demonstração do território expandido da pintura.
Em um ímpeto lúdico, o também paulistano Laerte Ramos faz uma versão gigante em três dimensões da Batalha Naval, na obra que leva o mesmo nome. A instalação de cerâmica traz o quadriculado no chão e os destróieres, cruzadores e submarinos são transformados em esculturas que permitem ao público travar uma competição. Luciano Zanette, nascido em Esteio (RS) também brinca com as referências do observador. Com Vale Ter Ser Tesa e com Hábitos Insuficientes (ambas da série Mobiliário Melancólico), ele apresenta duas mesas às quais nada falta, mas que não podem nunca cumprir a função à qual estão destinadas. Uma escorrega para o chão, a outra se contorce para dentro.
De São José do Rio Preto, interior de São Paulo, Marcelo Moscheta traz a singela instalação Estudo para Espaço. Composta de caixas transparentes de bombons Ferrero Rocher, que abrigam flocos de algodão iluminados por uma base com luz vinda de baixo, esta obra traz leveza e transparência evidenciando a busca do artista pela captura do tempo e do espaço.
Trabalho antropológico de autoria da brasiliense Bárbara Wagner, a Série Zona da Mata é composta de 10 fotografias em cores. Cinco delas mostram a geração de mestres do maracatu com mais de 50 anos; a outra metade mostra os da nova geração. Em vez de mostrar a permanência de uma tradição, a artista – também autora da série de fotografias Brasília Teimosa, realizada em 2005 na favela de Recife que leva este nome -- revela as adaptações destes mestres e suas transformações numa sociedade dinâmica.
A Sala dos Procurados, obra do paraense Alan Campos, transita igualmente pelo registro etnoantropológico ao apresentar imagens, que representam minorias da região amazônica, predominantemente indígenas. Elas preenchem totalmente uma sala, do chão ao teto. O artista reflete sobre o ocultamento e a desconfiguração das tensões étnicas, onde a violência tácita e o esmagamento da diversidade fazem parte do cotidiano amazônico e do Brasil.
Já o curitibano C. L. Salvaro trata da reconfiguração do espaço com as obras Cal e Carvão; e Isolamento – obra constituída de isopor, com a qual ele interrompe uma passagem que seria natural para o público transitar pelo espaço expositivo. À frente dele, em tamanho diminuto, encontra-se Cal e Carvão.
Bom humor e crítica são as marcas da Série Eclipses (Ocupações). Nestas fotografias feitas entre os prédios da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, Yana Tamayo – nascida naquela cidade – articula objetos plásticos de uso cotidiano em primeiro plano e altera a escala de modo a provocar a um efeito ilusório que distorce o ponto de vista.
Ricardo Mello, nascido em Santiago (RS) traz imersão noturna #047 (360 horas) e imersão noturna #053 (424 horas). Nesta série de pinturas, ele se debruça sobre imagens estáticas fotografadas ou projetadas da tela da televisão, e estabelece um processo de pintura minucioso e demorado para representar suas linhas e distorções. Trata-se de uma contraposição do tempo do fluxo veloz e contínuo da televisão ao tempo demorado e lento da pintura.
O paraense Flávio Araújo apresenta três obras com representação pictórica: Aparelho Singular: Cama I, Aparelho Singular: Cama II e Aparelho Singular: Cama III. Com a pintura, ele potencializa o efeito das imagens veiculadas nos meios de comunicação de massa e as contrapõe a este discurso que banaliza a morte e empobrece a vida.
Em três óleos sobre tela sem título, o paulistano Rafael Carneiro trabalha a pintura deslocando o foco tradicional para um ponto de vista panorâmico e de cima. As imagens que ele registra são as captadas por câmeras de vigilância em galpões industriais e laboratórios. Os olhos do espectador assumem o olhar da máquina.
A obra de Ilma Guideroli, de Ribeirão Preto – Espaços Afluentes e Lugares Imaginários – questiona o espaço geográfico. Nestes dois trabalhos, ela mescla ao acaso mapas de viagem e plantas baixas de casas e cria um terceiro elemento, híbrido e inesperado, que remete a espaços indeterminados.
A instalação e site specific Memorabilia, da paulistana Amanda Mei, é mais uma obra que trabalha com a memória. A artista organiza o ambiente de um espaço de cerca de 16m2 com fragmentos, objetos, móveis e sobras que coleta em trajetos realizados pela cidade. A isso, ela mistura imagens projetadas, e também uma espécie de diário stop motion de desenhos narrados a partir de escritos em seu caderno de anotações.
Felipe Cohen, de São Paulo, contrapõe peso e leveza, luz e sombra, nas obras Série Meio-dia e Regaço (2006). Paulistana residente em Florianópolis, Júlia Amaral, traz Sapo, Aranha, Lacraia, Besouro e Pássaro. Nestas cinco pequenas esculturas, a artista investiga noções de perda, morte, peso, leveza e, metaforicamente, a idéia de transcendência.
De Ribeirão Preto, Sofia Borges, apresenta uma série de quatro fotografias em cores. A luz barroca as representa como pinturas do século XVI ou XVII, e as naturezas mortas, mas as imagens são contemporâneas, confundindo as referências do observador.
De outra ponta do Brasil, Elieni Tenório, nascida em Mazagão, no Amapá, traz Série Sobre a Pele, quatro obras que unem a artesania da costura e a pesquisa de materiais para remeter às discussões contemporâneas sobre corporalidade e a vestimenta como referências que estabelecem as relações entre o sujeito e o mundo.
Retrato Paisagem é uma série de fotografias em cores do cearense Vitor César, nas quais ele é personagem principal, embora escondido por diferentes toldos dos ombros para cima, tornando-se uma figura anônima. A paulistana Laila Terra ingressa em outro território com a instalação Caixa de Som. Trata-se de um espaço tridimensional, formado de 80 altofalantes instalados nos cinco planos para emanar música de modo que o ouvinte, ao vesti-lo como se fosse um capacete, tenha uma percepção espacial do som. Ao amplificar sons sintéticos diversos que simulam deslocamentos ao redor da cabeça do ouvinte, proporciona uma estranha experiência visual e sonora.
O questionamento de A Saudade e de Cada Mudança é um Esforço de Permanência, de Tiago Romagnani, nascido em Florianópolis, trata dos ciclos que se repetem indefinidamente na natureza, mesmo que urbanizada. No primeiro uma estrutura de madeira deixa cair água constantemente. O segundo é composto por vasos de plantas e um vídeo.
Vídeos, Performances e Videoinstalações
É bem poético o vídeo Cercania, realizado pela paulistana Carlota Mazon. A obra também brinca com o olhar do visitante. Começa com a silenciosa exibição de um fim de tarde sobre a qual a artista passa a interferir lentamente com uma fita metálica transformando a imagem inicialmente percebida.
Dois vídeos acompanham a escultura do mineiro Daniel Herthel, também no térreo. Na obra Desenhos Funcionais#2 o arame risca o espaço e produz um estranho croqui do interior de um ônibus. Em Casa de Máquinas, um dos vídeos, um aparelho projetado pelo artista faz uma bailarina dançar. No outro, com o mesmo nome, ele mostra a construção da máquina. Já no vídeo Efêmera Paisagem o paraense Alberto Bitar remete à memória e à saudade, ao refazer, hoje, o caminho que percorria com a família com destino a Mosqueiro, ilha a 70 km de Belém, sua terra natal, quando ele era criança.
A paulistana Marina de Botas apresenta a performance Pretinho Básico – a ser realizada a partir das 19h, somente no dia da abertura – acompanhada das obras Manual Técnico para a Alteração do Pensamento Lógico e Revista Pretinho Básico. A artista usa um vestido preto de veludo que se prolonga ocupando todo o espaço da sala. Para ver as outras duas obras expostas, o público é obrigado a passar por cima do tecido, como se fosse um tapete.
Já Revista Pretinho Básico é composta de um par de desenhos que o público poderá levar para casa, no qual a figura de uma mulher deve ser vestida com a mesma roupa usada pela artista. O Manual..., por sua vez, traz um passo-a-passo descrito por delicados desenhos, subvertendo os dos manuais originais, de como transformar procedimentos cotidianos em resultados mágicos; como o mito de Ícaro.
Letícia Ramos, nascida em Santo Antônio da Patrulha (RS), apresenta Cronópios, videoinstalação em looping. É o registro de imagens capturadas pela artista, durante um dia inteiro, no Largo de Pinheiros, em São Paulo. Sobrepostas, elas propõem outros ângulos e registros diferentes da realidade.
Em Mar-Marau, o mineiro Ariel Ferreira, de Montes Claros, exibe uma vídeoinstalação acompanhada de uma cadeira para o observador se sentar, um aparelho de vídeo-cassete, um televisor e um par de xícaras amarradas por cordões de algodão presas juntos ao vídeo, mas dissociadas do restante dos equipamentos. Deste modo, a obra desloca o observador de um ambiente urbano apresentado na TV, a uma paisagem ficcional.
Estados Temporários vem do Rio Grande do Sul e é uma performance misturada ao vídeo assinada pelo Coletivo Mergulho. Nela, os artistas realizam quatro ações em lugares públicos registradas em vídeo, primeiro individualmente, e, depois, em coletivo. A performance é finalizada com uma instalação deste processo no espaço expositivo. Criam-se, assim, situações em que se vivencia a simultaneidade de ações e cuja experiência é renovada, por fim, junto ao espectador.
O grupo Empreza, coletivo de Goiás, apresenta Itauçu (pedra-grande). São seis performances a serem realizadas simultaneamente no mesmo espaço, a partir das 19h30, por duas horas, no dia da abertura. O público (maiores de 18 anos) é recebido em uma sala de aproximadamente 100m2 por 3m de altura recheado por uma coluna, um pilha de seixos, uma placa de granito, tijolos, televisores, caixa de som, projetor multimídia. Enquanto são servidos queijos de trança e cachaça de engenho, surge uma série de situações inusitadas promovidas pelo grupo. As performances deixarão resíduos no local, que ficarão expostos durante toda a mostra.
O paraense Dirceu Maués apresenta o vídeo...feito poeira ao vento..., realizado a partir da edição de uma sequência de 991 fotografias captadas por câmeras artesanais do tipo pinhole em uma única ação de um giro de 360°. A obra registra o universo da feira de Ver-o-peso, de Belém, sua agitação, a movimentação dos feirantes, o ciclo do tempo e das marés, em imagens fluidas e enevoadas.
A videoinstalação da pernambucana Juliana Notari, Redentorno projeta nas quatro paredes de uma sala imagens simultâneas de um cachorro de brinquedo preso a um mastro, girando incessantemente até que se desprende. Graças a um aparato tecnológico criado pela artista, as imagens permitem que o observador capture o ponto de vista do animal aprisionado.
No dia da abertura, a partir das 20h, o paulistano Shima apresenta uma das três performances e uma instalação – Colapso, Zona de Conforto/Zona de Confronto, Leito e Contenção. Sempre vestido “a caráter” (“terno, gravata, relógio e aliança”, em suas palavras), o artista usa fitas de isolamento para reconfigurar o espaço. Em uma, isola dois pilares. Em outra, confecciona uma rede onde permanece deitado por meia hora. Em Contenção, embrulha bancos, cadeiras e mesas que, isolados, continuam disponíveis para uso normal. Já em Colapso, ele próprio se enrola com a fita, e feito um casulo, permanece imóvel por uma hora.