|
janeiro 18, 2006
A Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica, por Tarcisio Pequeno
Texto de Tarcisio Pequeno, produzido para a exposição de Yuri Firmeza no Museu de Arte Contemporânea do Ceará
A Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica
TARCISIO PEQUENO
A 'realidade física' é, no fundo, um construto lingüístico social. Desse irrecusável fato da epistemologia pós-moderna se conclui que para que a ciência possa vir a exercer um papel libertário em nossa sociedade deve ser subordinada a estratégias político-sociais progressistas. Uma ciência libertária não poderá ser construída sem uma ampla revisão do canon da matemática, uma vez que a matemática atual foi construída sob profundas influências do capitalismo liberal do Século XIX. Alguns aspectos que uma 'matemática emancipatória' deve incluir são 'não-linearidade', 'dinâmica de fluxo' e 'interconectividade'. Tais elementos podem ser encontrados na lógica não linear e multidemensional dos sistemas nebulosos e na 'teoria das catástrofes', por exemplo, ainda que estas teorias estejam também irremediavelmente marcadas pela crise das relações de produção do capitalismo tardio. Por outro lado, a introdução do conceito de 'campo morfogenético' na teoria da 'gravidade quântica' permitiu a confirmação das especulações psicoanalíticas de Lacan nos mais recentes trabalhos em teoria quântica do campo.
Se você consegue entender o texto aí em cima e se é mesmo capaz de concordar com ele e ter simpatia por suas idéias, querido leitor, é preciso revisar seus conceitos. Qualquer semelhança entre ele e a "fotografia 'shiitake' de objetos atmosféricos invisíveis" certamente não é mera coincidência. O texto é uma montagem livre e pessoal de trechos do artigo "Transgredindo as Fronteiras: Por uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica", do físico Alan Sokal, da Universidade de Nova York, submetido, aceito e publicado pela revista Social Text. O problema é que o eminente cientista enviou paralelamente a uma outra publicação acadêmica, a revista Lingua Franca, o artigo "Experimento de um Físico em Estudos Culturais", no qual descreve a peça que havia pregado na Social Text. O artigo original, confessava o autor, era um pastiche de termos científicos e pseudo-científicos, teorias exóticas, citações, conclusões improváveis apresentadas sem qualquer argumentação razoável, conexões esdrúxulas e idéias, para dizer o mínimo, extravagantes. Era, em fim, um samba do crioulo doido científico-cultural.
O que Alan Sokal fez com a Social Text foi, no pior e no melhor sentido da palavra, uma molecagem. O que intriga no episódio é - por que um cientista de prestígio entre seus pares, um intelectual engajado que inclusive deu aulas de matemática como voluntário durante o governo sandinista na Nicarágua, arriscaria a reputação e a careira e se exporia à ira de outros scholars de esquerda para fazer uma sacanagem dessas? O melhor é deixar a ele a resposta - "meu método foi satírico, mas minha motivação foi extremamente séria". Sokal sentia-se incomodado por uma tendência anti-racionalista, anti-científica e ultra-relativista que dominava um certo ramo da esquerda americana, auto-denominada pós-moderna. Deixar à direita o monopólio da racionalidade e da ciência não fazia para ele nenhum sentido político, estratégico ou filosófico. A sua incapacidade de entender a literatura dessa esquerda o fazia cismar se provinha de irremediável limitação intelectual e ignorância pessoal ou se decorria da falta de nexo da própria literatura. Daí o experimento. Onde argumentos seriam simplesmente ignorados, a ação subversiva obrigou à discussão.
A peça que Yuri Firmeza, o 'Japa Invasor' pregou foi 'um experimento sócio-cultural'. Não teve a mesma elaboração e sofisticação do de Sokal, talvez não tenha seu alcance, nem é mesmo muito original, mas teve dessas qualidades o suficiente para funcionar na cena cultural da província, que é o que importa. Funcionar para que? Para forçar o debate, agitar os espíritos, acordar mentes opiadas na modorra cultural. E o debate se deu, ou se ensaiou. A pena, e o que sobremodo preocupa, é que mal começado o que deveria ser um embate de largas idéias, estreitos palpites e mesmo loucas opiniões já dá lugar a raivosas manifestações, corporativas pressões, intimidadoras reações.
O 'Japonês' merece o beneplácito da suposta boa motivação que Sokal advoga para si. O episódio, em si, não seria de gravidade. Não causa dolo físico, moral ou profissional a quem quer que seja. O dolo vem é da desmedida reação, do recibo mal passado, da arrogância juvenil e da truculência senil em lugar ao bom humor com que deveria ser tratado. Não somos a terra do humor e da molecagem? Herdeiros orgulhosos da irreverência sem limites da Padaria Espiritual? E é o senso de humor outra coisa que não a capacidade de rir de si próprio? De aprender achando ridículos e engraçados os próprios erros? Teremos inadvertidamente abolido essas qualidades e virado todos chatos de galochas e velhos rabujentos? Se assim for, Yuri, my brother, o melhor a fazer é fazer as malas. Dada a ira que se anuncia não lhe restará instalação sobre instalação.
Tarcisio Pequeno é Professor do Doutorado em Ciência da Computação e do Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Ceará
Fodaço!.
Posted by: carloscontente at janeiro 24, 2006 3:27 AM