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novembro 7, 2005
Índices, Vestigios, Sinais, por Moacir dos Anjos
Texto produzido para a exposição de Marcone Moreira na Galeria Virgilio, de 11 de novembro a 3 de dezembro 2005
Índices, Vestigios, Sinais
MOACIR DOS ANJOS
Os trabalhos de Marcone Moreira sugerem, desde o primeiro contato com eles travado, o cruzamento de referências distintas. Para alguns, talvez chame mais a atenção os vários planos que o artista constrói, sobre superfícies diversas, por meio do avizinhamento de um conjunto reduzido de cores. Para outros, é possível que despertem mais interesse os materiais toscos (quase sempre madeira gasta, às vezes também nylon, papelão ou ferro) e as formas variadas dos suportes desses campos cromáticos, tecendo incertezas sobre a natureza do que apresenta preso à parede ou apoiado sobre o piso. Ao observador culto, pode também parecer que há, na conformação geométrica das formas pintadas, uma filiação à tradição construtivista brasileira, a qual ainda ecoa, de maneiras variadas, em parcela significativa da produção visual contemporânea do país. Àquele que desconhece a história daquele projeto artístico e ético, contudo, os trabalhos podem corretamente evocar, ainda que de modo impreciso, vestígios de padrões vernaculares usados na decoração de veículos, brinquedos e fachadas de casas.
Também a fatura dos trabalhos de Marcone Moreira propõe dúvidas, a quem deles se acerca, sobre sua origem. Embora as formas pintadas pudessem, em tese, ter sido todas criadas pelo artista, o exame cuidadoso de suas superfícies expõe os sinais (tinta descascada, buracos de prego e parafuso, sobras de ferragem, recortes conhecidos) de que foram outras mãos que de fato montaram e pintaram, há um tempo variável e incerto, aquilo que apresenta como seus trabalhos. Em vez da pintura, portanto, são procedimentos de apropriação e justaposição de objetos ou de partes deles (ainda que a partir de um olhar carregado de interesse sobre o que está neles pintado ou tingido) que orientam sua prática criativa. Permeando toda sua produção, em poucos trabalhos essa operação construtiva fica mais evidente, entretanto, do que naqueles em que faz uso de pedaços coloridos de nylon, comumente usados como encostos e assentos de cadeiras ou para confeccionar sacolas.
Ao transformar esses restos (de portas, caixotes, carrocerias de caminhão, embarcações, telhados, móveis e outros objetos) em coisas novas, Marcone Moreira afirma, ademais, a dupla importância que o lugar onde vive - a cidade de Marabá (Pará), bem ao norte do país - possui para sua produção. Por um lado, é desse lugar de intensa movimentação de pessoas e cargas (lá se cruzam dois rios, a rodovia Transamazônica e a ferrovia Carajás) que vem quase todo o material - descarte de coisas que não possuem mais a sua funcionalidade original - que o artista seleciona, secciona, agrupa e resignifica como coisa sua. Por outro lado, por ser confluência de rotas diversas e de referências simbólicas irredutíveis a outras quaisquer, a dinâmica urbana de Marabá pode ser tomada como metáfora dos procedimentos construtivos que usa. Na cidade, assim como em sua obra, não há espaços para definições precisas de pertencimento ou de identidade, requerendo, dos seus habitantes (dele inclusive), a realização de constantes traduções de sentidos, necessariamente fadadas à opacidade e, portanto, a um resultado sempre inconcluso e provisório.
A dificuldade em classificar os trabalhos de Marcone Moreira em categorias estáveis se reflete no diálogo ambíguo que eles estabelecem com a produção de dois outros artistas contemporâneos brasileiros. A uma primeira visada, os recortes de madeira que expõe remetem aos trabalhos do artista mineiro Celso Renato, o qual também se apropriava, já na década de 1960, de tapumes de madeira, sobras de construções ou pedaços de portas encontradas na rua para - ao contrário de Marcone Moreira, que apenas os escolhe e transporta para outro canto - fazer sobre eles pinturas de extração construtivista, adicionando-lhes, por acréscimo de pigmento, mais uma camada de significados. É inevitável, ainda, aproximar seus trabalhos das pinturas de Emmanuel Nassar, artista também paraense e que partilha, com Marcone Moreira, o interesse sobre o mesmo e impuro repertório visual da região onde moram. Diferem os dois artistas, contudo, em um procedimento construtivo básico: enquanto Emmanuel Nassar se apropria, no mais das vezes, apenas das imagens achadas, refazendo-as sobre suportes variados (às vezes de modo íntegro, outras vezes modificando-as), Marcone Moreira se apropria, adicionalmente, do suporte físico (madeira, nylon ou qualquer coisa mais) onde estão as imagens - antes dispersas em qualquer parte - que o atraem.
Diante de um conjunto de seus trabalhos, pouco se pode dizer, portanto, de modo definitivo. Esta imprecisão não resulta, porém, de deficiências conceituais ou de indecisões construtivas; emerge deles, ao contrário, como constitutiva de sua integridade: sem optar por ser pintura ou objeto e movendo-se entre referências eruditas e populares, apropria-se do que está já no mundo sem reivindicar, entretanto, autoria exclusiva do que resulta de seu gesto. Traz, por fim, para um tempo e um lugar preciso (o momento de cada exposição e o lugar do campo da arte), indícios de um tempo não sabido ao certo e de lugares que são só passagem.